Conquanto não seja consenso a obrigatoriedade do diploma para um jornalismo de qualidade, é fato que a formação universitária colabora para o aperfeiçoamento da práxis jornalística. Em um país que oferece 624 cursos de graduação em Comunicação Social, totalizando cerca de 25 mil alunos que, a cada ano, buscam conquistar uma vaga no mercado de trabalho, espera-se, portanto, que as escolas de Jornalismo cumpram o seu papel em formar bons profissionais. Ainda mais quando se leva em consideração que, entre outras dificuldades que a formação universitária apresenta à nova geração de jornalistas (como ausência de disciplinas práticas na grade curricular ou a predominância de cursos com grade curricular de tronco comum), uma das principais é a desonestidade intelectual das produções universitárias, isto é, o plágio.
São de caráter ético as motivações que levam Claude-Jean BERTRAND (1999 e 2002) a exaltar o papel da formação universitária na construção de uma práxis ética e competente. Para ele (1999, p. 155), as escolas de Jornalismo são soluções, em longo prazo, para a maioria dos problemas concernentes a qualidade dos serviços prestados pela mídia. A universidade para ele, é o espaço que fornece “cultura geral”, “conhecimentos específicos num setor” e uma “consciência deontológica” (1999, p. 155) aos futuros jornalistas. A deontologia, no que se refere a mídia, é “um conjunto de princípios e de regras, estabelecidos pela profissão, de preferência em colaboração com os usuários, a fim de responder melhor às necessidades dos diversos grupos da população” (BERTRAND, 1999, p. 22).
Diante de tanta responsabilidade, não é suficiente que as escolas de Jornalismo promovam a construção de uma consciência deontológica apenas por meio de eventos de cunho teórico-reflexivo, como palestras, seminários, debates ou mesmo disciplinas sobre ética e responsabilidade social da mídia. Tais medidas são eficientes e necessárias, mas não são completas. Ao universitário é necessária uma iniciação mais prática no mundo da responsabilidade social da mídia. É preciso que, além de debates e discussões sobre as implicações morais e éticas da profissão, os cursos de Jornalismo familiarizem o universitário com os sistemas de responsabilização da mídia que eles entrarão em contato no mercado de trabalho.
Problemas técnicos
Entre tantos sistemas de responsabilização que podem ser adaptados à produção acadêmica, o ombudsman é um dos mais eficazes para a fiscalização de qualidade do fazer universitário, seja em jornais-laboratório ou mesmo observatórios de imprensa acadêmicos. Se aplicado à realidade acadêmica, o papel do ombudsman pode funcionar como um moderador ideal entre o monitoramento do aprendizado das técnicas da profissão e o controle ético e de qualidade da produção universitária.
O grande desafio das escolas de Jornalismo e de seus professores é agregar uma dimensão ética ao aprendizado técnico do ofício, adaptando boa parte dos MAS descritos por Bertrand à realidade acadêmica, como uma espécie de controle de qualidade da produção universitária de agências júnior de notícias, jornais-laboratório, telejornais, radiojornais, sites de crítica de mídia ou mesmo de pesquisas e análises de caráter científico sobre a imprensa.
Uma breve descrição e análise da implantação e funcionamento do cargo do ombudsman pelo Canal da Imprensa, revista eletrônica do curso de Jornalismo do Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp), pode contribuir para se compreender melhor a necessidade e as vantagens do ouvidor de imprensa da produção universitária em jornalismo.
Idealizada pelo professor Ruben Dargã Holdorf e concebida pela primeira turma de Comunicação Social do Unasp, a primeira edição do Canal da Imprensa foi inserida na web em 21 de agosto de 2002. De natureza temática e com periodicidade quinzenal, ela é produzida inteiramente por alunos de Jornalismo do 2.º, 3.º e 4.º anos e sua proposta da revista é analisar a produção da mídia no Brasil e no exterior e fornecer aos alunos a capacidade de criticá-la responsavelmente, refletindo sobre a ética que envolve a práxis profissional do jornalista.
A 17ª edição da revista marcou a estréia do primeiro ombudsman do Canal. O objetivo das colunas era corrigir erros textuais e minimizar sua freqüência. Esse cargo foi desativado oito edições depois, por problemas técnicos, e só voltaria a ser ocupado novamente dois anos depois, por ocasião da 49ª edição do Canal, publicada em 29 de setembro de 2005.
Produção avaliada
O retorno do ombudsman à revista eletrônica fazia parte de um novo projeto editorial e gráfico que o Canal assumira desde então. Com cerca de 150 acessos diários, em média, em com uma equipe de cerca de 30 pessoas, entre alunos, professores e colaboradores, a produção textual do Canal chegara a um número que fugia das possibilidades de uma fiscalização mais detida da revisão e da chefia de redação. O grande número de alunos envolvidos e de textos produzidos a cada quinzena impedia um monitoramento mais acurado e também uma assistência pedagógica mais individualizada. Juntamente com a conquista de uma maior visibilidade nacional e mesmo internacional, veio a necessidade de se assumir uma responsabilidade daquilo que se escrevia. Dessa forma, a volta do cargo do ombudsman era um forte meio de maximizar a vocação didático-pedagógica do Canal da Imprensa.
A nova linha editorial da revista agora previa que o ombudsman atuasse não somente como revisor dos textos, mas também interferisse no processo de ensino-aprendizagem que o Canal, como laboratório, se propunha: além de erros textuais, o ombudsman também apontava falhas na apuração, na pesquisa, na entrevista e até mesmo debatia questões de ética jornalística. Além disso, estabeleceram-se também reuniões quinzenais de avaliação, nas quais o ombudsman criticaria a produção jornalística dos alunos individualmente, analisaria a qualidade da edição mais recente ou mesmo promoveria discussões que não seriam expostas no site.
A experiência da revista eletrônica Canal da Imprensa demonstra que a atuação de um ombudsman para fiscalizar a qualidade do fazer universitário traz inúmeros benefícios pedagógicos para os alunos, professores, instituição e sociedade. Dentre tantas vantagens, a primeira e mais importante delas é a capacidade que o ombudsman possui de construção de pensamento e conduta deontológica universitária.
Uma segunda vantagem da implantação seria a potencialidade que o possui de aprimorar a qualidade técnica da prática jornalística – o ombudsman pode, além de focar questões éticas e deontológicas, trabalhar também nos alunos o cuidado com a linguagem, a prevenção e correção de erratas, imprecisões, equívocos e falhas e promover o diálogo interno entre as partes da redação.
É importante mencionar que, tais vantagens concentram-se no fato do ombudsman ser também professor – pois este é o segredo que favorece o diálogo, o aprendizado e a correção das falhas.
A figura do professor-ombudsman torna-se fundamental para uma simulação mais didática e responsável do ofício, proporcionando aos alunos referenciais mais seguros de técnica e ética. É por meio do ombudsman-professor que os alunos podem compreender sua responsabilidade diante da credulidade da população em geral e da fragilidade do maior bem do jornalismo: a credibilidade. Tais vantagens fazem do ombudsman elemento indispensável do controle de qualidade da produção universitária, independente da natureza do veículo universitário. Até mesmo um site que se propõe a analisar a imprensa necessita ter sua produção avaliada, afinal de contas, qualquer veículo de crítica de mídia na esfera universitária é, antes de tudo, um laboratório.
Desafios éticos
Diante dessa realidade e dos primeiros passos que a Rede Nacional de Observatórios de Imprensa (Renoi) dá rumo a uma consolidação da crítica de mídia nas escolas de Jornalismo do Brasil, espera-se que a inserção do ombudsman tenha papel fundamental na definição das diretrizes metodológicas dos membros da rede, respeitadas as devidas modalidades e estruturas de cada veículo universitário.
A experiência do Canal da Imprensa, embora esteja sujeita a todas as limitações impostas a uma iniciativa recente e pioneira, demonstra que a implantação do ombudsman em veículos que compreendem produções universitárias, como jornais-laboratório, agências júnior de notícias ou sites de crítica de mídia é uma necessidade real e que ganha contornos de urgência diante dos desafios éticos que se apresentam à formação em jornalismo e à prática de crítica universitária de mídia.
Referências bibliográficas
BARBER, Carlos. Um centinela de los públicos em la redacción. Sala de Prensa, Cidade do México, ano 5, v.2, março de 2003. Disponível em: http://www.saladeprensa.org. Acesso em: 21/05/06.
BERTRAND, Claude-Jean. O arsenal da democracia: sistemas de responsabilização da mídia. Bauru, SP: Edusc, 2002.
__________. A deontologia das mídias. 2.ª ed. Bauru, SP: Edusc, 1999.
COSTA, Cristiane. De olho nos observatórios: um estudo comparativo das críticas de mídia do Observatório da Imprensa e do Canal da Imprensa. Trabalho de Conclusão de Curso. Universidade Estácio de Sá. Rio de Janeiro, RJ, 2005.
HOLDORF, Ruben Dargã. O ombudsman na educação: necessidade e vantagens de um profissional mediando os conflitos no Colégio Unasp. Dissertação de mestrado. UNASP. Engenheiro Coelho, SP, 2005.
MACIEL, Roberto. Ombudsmen no mundo e no Brasil: da admissão de falhas à busca do aprimoramento. In: SÁ, Adísia; VILANOVA, Fátima; MACIEL, Roberto. Ombudsmen, ouvidores: transparência, mediação e cidadania. Fortaleza, Demócrito Rocha, 2004, p. 13-18.
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Jornalista, professor do Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp) e coordenador da revista eletrônica de crítica de mídia Canal da Imprensa