Um debate sobre a prática do jornalismo literário ocorreu a 25 de setembro, no auditório da Faculdade Social da Bahia (FSBA). Os convidados foram os jornalistas Priscila Natividade, 23, e Pablo Reis, 29, e Igor Rossoni, 48, escritor e professor de Letras da Ufba.
A palavra continua sendo a matéria-prima da notícia e da literatura. E para o escritor e repórter Igor Rossoni, a diferença é que ‘o jornalista precisa obedecer às regras do fazer notícia, à ideologia da empresa onde trabalha’. Diz mais: ‘O repórter deve descrever o fato de forma denotativa, informar usando o sentido ‘dicionarial’, referencial.’ ‘Tem que ser direto, objetivo, e não pode utilizar metáfora’, acrescentou. Quanto ao fazer literatura, Rossoni afirma que o escritor ‘não está preso a regras. Ele tem liberdade de criação, pode abusar de metáforas e do sentido conotativo das palavras’. O artista ‘é o ‘antena’ da raça’, ele ‘possui aquelas bolinhas que o Chapolin Colorado carrega na cabeça’, exemplificou.
Para Rossoni, o texto jornalístico precisa alcançar o seu leitor, seja aquele interessado em matérias de economia, ou de esportes, política ou variedades. ‘É uma questão de mercado, fruto de pesquisa. Eu nunca leio o caderno de política, nem as palavras cruzadas’, exemplificou, ‘mas tem gente que lê’, completou. O jornalismo literário tem seus leitores, como também tem leitores o jornalismo tradicional, na opinião do escritor.
Tratamento humanista
Priscila Natividade, jornalista formada pela FSBA e que faz especialização em Jornalismo Literário pelas Faculdades Jorge Amado, acredita que o compromisso do repórter não deve ser o de se limitar a repetir técnicas de manuais de redação. Deve construir um texto acessível, mas se engajar, se comprometer com o meio social em que vive. Nesse sentido, não apenas uma linguagem simples e objetiva é suficiente para este ‘envolvimento’, em sua opinião. O profissional de comunicação pode construir um texto que consiga mesclar as técnicas jornalísticas e ao mesmo tempo se aproximar mais do humano. ‘Tornar livro o que poderia servir para embrulhar peixe no dia seguinte’, de acordo com Pablo Reis.
‘A palavra é ao mesmo tempo um facilitador e um complicador na linguagem jornalística, dependendo de como o repórter a emprega’, diz Rossoni. ‘Se não seguir certas regras na construção do texto, pode criar dubiedade ou duplicidade de sentidos, ao invés de informar’, completa. Ele conclui asseverando que o escritor não precisa, em tese, de formação para escrever nem de seguir regras. Para Rossoni, ‘é balela esse negócio de universidade ou curso para formar escritor’, pois literatura é feita pelo dom do artista e ‘arte não precisa fazer sentido, nem precisa servir para um determinado fim, pois arte é plural’. ‘Ao contrário do fazer jornalístico, que deve obediência a manuais de redação, para dar sentido único e preciso ao texto’, conclui.
Priscila Natividade define o jornalismo literário como um ‘instrumento de transformar a notícia trivial em história de livro’, dar um tratamento humanista à matéria. Sua afeição à literatura aproximou-a do jornalismo literário, que lhe permite não ser apenas uma mera observadora da história.
‘Papel para embrulhar peixe’
‘O jornalismo literário não vem para romper com o tradicional, mas ser uma alternativa a mais’, afirma Priscila. Em sua opinião, o jornalista deve tornar o texto sedutor e interessante; deve instigar e convidar o leitor a um verdadeiro mergulho na matéria. Para alcançar esse objetivo, o jornalista deve fazer o uso adequado das ferramentas do jornalismo, aliadas à arte de escrever bem. ‘O new journalism abre espaço para o repórter contextualizar e se aprofundar no tema da matéria, envolver-se com o assunto, deixar um pouco de lado a imparcialidade’, assegura Natividade.
Segundo Pablo Reis, atualmente há uma espécie de jornalismo híbrido, fruto da fusão ente o literário e o tradicional. Um complementa, apóia, auxilia o outro, na opinião dele. ‘É um jornalismo ligeiramente grávido de poesia’, brincou.
‘O foto-jornalismo e as outras mídias podem se valer do caráter artístico do jornalismo literário’, para tornar a notícia em algo mais que ‘papel para embrulhar peixe’, alerta Reis. Para ele, além da técnica do jornalista e do ‘dom’ do escritor, ambos precisam ser bons leitores para escreverem bons textos.
Confluência de opiniões
Ao final do debate, por volta das 22 horas, o escritor Igor Rossoni sorteou exemplares dos livros Os Inocentes e Fotogramas do Imaginário, de sua autoria. A platéia, que no início era de 100 pessoas, em média, a esta altura tinha cerca de metade das pessoas.
Os três debatedores foram unânimes em afirmar que o jornalismo tradicional está em fase de transformação, forçado pelas novas mídias e pela necessidade do mercado. Segundo Reis e Rossoni, matérias sobre índices de inflação e algumas relacionadas a economia precisam de um tratamento mais ‘tradicional’, enquanto outros assuntos podem ser relatados pelo jornalismo literário sem lhes tirar o caráter de notícia.
Comentando o debate, Jaqueline Oliveira, aluna do segundo semestre de Jornalismo da FSBA, afirmou que achou positiva a confluência de opiniões distintas que buscam um objetivo comum: informar o leitor da maneira mais atraente e completa possível. ‘Tem público para o jornalismo tradicional, como tem para o jornalismo literário’, disse.
Levantamento e planejamento
A professora Celeste Oliveira, 48 anos, da Escola Potencial do Ensino, de Periperi, classificou como excelente o confronto de idéias realizado no evento. ‘A platéia se sente incluída no debate, que teve profissionais em início de carreira, além de doutores e pós-graduados em comunicação, cujas atividades divergem na teoria mas cuja prática profissional tem relação próxima’, declarou. Celeste opinou que o jornal tem uma importância fundamental na difusão do conhecimento. Disse que utiliza matérias de jornais para discussão em sala de aula. ‘O ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio também utiliza matérias jornalísticas em suas provas anuais. Acredito que é uma forma de tentar inserir o estudante em sua realidade local, regional, nacional e mundial’, finalizou a professora.
Durante o evento, foi anunciado pela coordenação do curso de Jornalismo que Mônica Celestino assumiu a direção da Agência Baiana de Notícias – ABAN. A nova diretora disse que já fez um levantamento e planejamento da ação que será desenvolvida na agência de notícias nos próximos meses. Revelou que há quatro vagas para alunos que fazem jornalismo a partir do segundo semestre.
******
Estudante de Jornalismo na Faculdade Social da Bahia