Mais de trinta anos como observador da vida nos campi universitários, na condição de aluno, professor e, mais recentemente, pai de aluno, me permitem afirmar, com absoluta
convicção, que a Universidade pública brasileira está vivendo mais de glórias passadas do que de méritos presentes ou de esperanças futuras.
Freqüentemente se ouve falar que as instituições públicas constituem o núcleo de ‘excelência’ do ensino superior brasileiro. Essa falsa idéia decorre simplesmente de um
histórico de superioridade destas em relação às faculdades particulares.
De fato, a suposta excelência do sistema público não resiste a comparações com o que ocorre em países mais desenvolvidos. Ele é muito desigual e, na média, está muito aquém do que seria necessário para qualquer país que tivesse maiores ambições desenvolvimentistas, para conforto das forças retrógradas e colonizadas que têm definido os contornos da ‘democracia’ brasileira nos últimos vinte anos.
Para estas, tudo o que potencialmente pode contribuir para a formação de consciência nacional, não passa de ameaça a ser eliminada. É por isso que, enquanto chamam a Universidade pública de excelência ou lhe acusam de elitismo, privam-na de recursos e lhe cerceiam cada vez mais sua já escassa autonomia.
Resultados de pesquisa recentemente publicados na Folha de S.Paulo concluíram que a participação de professores com dedicação exclusiva ao ensino superior é muito maior no
segmento público do que no privado.
Entretanto, essa conclusão é enganosa porque considera como dedicação exclusiva a ‘ausência de qualquer outro vínculo empregatício formal’.
Na verdade, a dedicação exclusiva às atividades acadêmicas strictu sensu está desaparecendo a olhos vistos nos campi federais, com a conivência dos reitores, cada vez mais preocupados em agir de acordo com os interesses de seus eleitores, e do MEC, que tem se empenhado mais em fazer avaliações indiretas do que supervisões diretas.
Metas e prazos
Cada vez mais os professores estão sendo compelidos pelos exíguos salários a direcionar seu tempo útil para atividades de baixo conteúdo acadêmico e outras que também não podem ser consideradas como de benefício público; muitas não passam de comércio disfarçado de serviços (venda de assessorias, consultorias, cursos pagos de curta duração, etc).
Cada vez mais se procura suplementar vencimentos utilizando o espaço público para negócios particulares, tirando-se partido da existência de um ainda amplo mercado para
as ‘competências’ da Universidade pública, assegurado pelo ‘mito da excelência’.
Mas, quanto mais essas competências se colocam a serviço das empresas privadas, quer seja, na forma de assessorias, consultorias ou na prática do ‘lobby’ tecnológico, menos
pública ela se torna; mais se afasta de quem deveria defender e mais se alia aos poderes que deveria contrabalançar, distanciando-se de sua vocação política e deixando-se dominar
pela cultura patrimonialista que deveria combater.
Também a vocação científica está seriamente ameaçada pela crescente perda de autonomia financeira, razão pela qual pesquisa-se cada vez mais o que as agências financiadoras querem que seja pesquisado, e não o que ‘o faro’ do cientista indica ser linha promissora de investigação.
Trabalha-se em pesquisa e pós-graduação cada vez mais em função de metas, prazos e indicadores quantitativos, como número de doutores, quantidade de publicações e teses
defendidas, entre outros estipulados por estas agências, dos quais dependerão o aporte de recursos para as coordenações de cursos e bolsas de estudantes, e com base nos quais as
Universidades serão avaliadas e hierarquizadas.
Evasão de recursos
Muitos destes indicadores são usados para reforçar a imagem de excelência, quando, de fato, refletem apenas uma produtividade cada vez mais estéril.
Por essas e outras, o ambiente é cada vez mais desestimulante e injusto para os professores de maior vocação acadêmica, que, heroicamente, ainda estão se dedicando exclusivamente à prática de ensino e pesquisa independentes, à orientação efetiva de estudantes, à produção de materiais didáticos etc.
Para continuar honrando a Universidade pública, estes deverão fazer o voto de pobreza, caso contrário terão de optar entre ‘cair na farra’ ou ir embora.
Como há limites para a abnegação, se nada for feito para mudar essa situação, o processo de evasão de recursos humanos tenderá a se intensificar até que a imagem de excelência se
desvaneça por completo.
Assim caminha a Universidade pública brasileira. Cabe aos mentores da reforma universitária a incumbência de tentar retirá-la dessa trajetória fatal.
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Doutor em economia e professor da Universidade Federal de Viçosa