Este artigo tem como objetivo realizar uma análise de conteúdo da cobertura da revista Veja acerca da polêmica envolvendo os organismos transgênicos no decorrer dos anos de 2003 e 2004. Para tanto, adotou-se um modelo de análise baseado, majoritariamente, na contextualização da prática da transgenia, o que compreende o resgate das leis da hereditariedade, estudos em torno da estrutura do DNA e da técnica, desenvolvida na década de 1970, que o recombina a partir da inserção de genes oriundos de outros organismos em seu código genético, e da prática jornalística voltada à cobertura de temas ligados à Ciência & Tecnologia (C&T). Com isso, esperamos evidenciar os métodos utilizados em Veja para transmitir aos seus leitores informações relacionadas à manipulação genética; contribuindo, assim, para o processo de aperfeiçoamento da consciência científica crítica da população. Em suma, este artigo visa, ainda, reforçar os compromissos que o jornalismo possui com a sociedade, tendo como pano de fundo a identificação dos riscos que a prática corre quando influências de caráter político, econômico e ideológico interferem na metodologia adotada pelas redações, quanto à elaboração das matérias, com vistas à garantia de interesses privados de grupos específicos a partir da manipulação da informação.
1. Introdução
A polêmica envolvendo os organismos transgênicos, em especial no que se refere à sua aplicação na agricultura, fundamenta-se, majoritariamente, na falta de informações corretas, baseadas em trabalhos de pesquisa, que esclareçam as principais dúvidas do público leigo quanto aos reais riscos da inserção desses organismos em sua dieta alimentícia. Apesar de haver um forte investimento em estudos, por parte do governo e do setor privado, com vistas à possibilidade de obter novas descobertas de valor científico e econômico, ainda são desconhecidos os caminhos pelos quais o atual modelo de desenvolvimento agrícola seguirá, bem como os efeitos da alteração genética de plantas e alimentos sobre a saúde humana e o meio ambiente. Isso porque ao possibilitar que qualquer organismo vivo adquira novas características vegetais, animais ou humanas, a ciência consegue “modificar o genoma em uma direção predeterminada, de modo a abreviar e dirigir o processo de produção de organismos programados” (SIQUEIRA; FREIXO; ABREU, 2004, p. 2).
No entanto, mesmo os transgênicos tendo constituído um dos últimos grandes debates do século 20, as dificuldades que a maioria das pessoas tem para entender esta nova tecnologia, fruto do desenvolvimento do processo biológico aplicado à solução de problemas ou à criação de novos produtos; isto é, a biotecnologia, começa pela base: mas, afinal, o que quer dizer “transgênicos”? A resposta a esta pergunta, a princípio, parece simples. De acordo com Leite (2000), transgênicos são organismos que receberam um ou mais genes estranhos, transferidos artificialmente, que não possuíam originalmente, daí o nome “trans-genes”. Mas, então, uma nova dúvida surgiria; esta, um pouco mais específica: o que são genes, e para que servem? Fica claro, portanto, que, para compreendermos esta nova tecnologia, precisamos, antes, nos debruçar sobre alguns aspectos básicos da genética, a começar por sua história.
A manipulação de plantas e animais pode ser considerada uma prática quase tão antiga quanto à civilização humana, uma vez que o homem, há séculos, tem selecionado, via métodos de triagem natural, alimentos que lhe são úteis ou interessantes à sobrevivência, de modo a reproduzi-los em diferentes ambientes. Com isso, muitas características, oriundas destas alterações, têm sido preservadas ao longo dos anos em muitos alimentos que hoje compõem nossa dieta alimentícia. Foi a partir do início do século 20, todavia, que o ser humano passou a utilizar seu conhecimento científico e tecnológico para obter variabilidades genéticas via seleção artificial. Para tanto, “desenvolveu e aplicou várias técnicas e métodos, como a própria seleção artificial, a hibridação e a mutação” (MARCOLINO; FRANCO, 2004, p.2). No entanto, nenhuma delas provocou tanta discussão quando a “transgenia”, prática que, a partir da técnica do “DNA recombinante”, desenvolvida em 1973 pelos estadunidenses Stanley Cohen, da Universidade de Stanford, e Herbert Boyer, da Universidade da Califórnia, em São Francisco, insere em um determinado organismo genes que biologicamente não lhe pertenciam, de modo a gerar, em seus descendentes, características adicionais às que possuía originalmente.
No Brasil, a polêmica em torno da comercialização desses organismos se instaurou em 1998, quando se incorporou à pauta de análise da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) um pedido de licença da empresa Monsanto do Brasil Ltda. para o plantio comercial de genótipos desenvolvidos via manipulação genética. À época, as preocupações relacionadas ao pedido da Monsanto eram das mais variadas, e alinhavam-se, sobretudo, a discursos de cunho político, econômico, ecológico, científico, cultural e social. Apesar disso, como veremos mais adiante, a transgenia, compreendida como técnica, sendo esta resultante da aplicação material de um conjunto de processos frutos do acúmulo e do desenvolvimento de saberes, mesmo apresentando-se ao homem comum como um mistério, de fato, é mais aceita do que assimilada. Logo, é fundamental que este tema torne-se de domínio público e, principalmente, que seja debatido com amadurecimento. Para tanto, seria indispensável a contribuição do jornalismo, especificamente o científico, no esclarecimento de termos, conceitos e nomenclaturas acerca da prática da transgenia, bem como nas explicações das técnicas e métodos utilizados pelos cientistas na obtenção desses organismos, a fim de que o público possa, a partir de sua compreensão, ter voz no debate sobre a comercialização desses produtos.
Contudo, se por um lado a ciência ainda não possui todas as respostas para esta nova tecnologia, visto que a prática científica exige um trabalho metódico, de passos lentos, complexos e precisos (IVANISSEVICH in BOAS, 2005), por outro, alinha-se à prática jornalística o dever de relatar e explicar, sistematicamente, os processos científicos que tais pesquisadores adotam no decorrer de seus estudos – e os resultados a que chegam durante esse período, de modo a fazer com que a sociedade entenda o que está em jogo quando se debate os organismos geneticamente manipulados.
Ademais, com o pedido de licença da Monsanto, em 1998, a polêmica envolvendo os organismos modificados passou a integrar a cobertura dos principais veículos de comunicação do Brasil. No entanto, foi entre os anos de 1999 e 2004 que o tema foi abordado com maior intensidade pela mídia brasileira. Durante os anos de 2003 e 2004, por exemplo, apenas no que diz respeito à revista Veja, treze matérias sobre os transgênicos foram publicadas, sendo elas: “A Índia diz `sim´ aos transgênicos”, publicada na edição de 15 de janeiro de 2003; “O cigarro sem nicotina”, publicada na edição de 5 de fevereiro de 2003; “O problema artificial”, publicada na edição de 12 de março de 2003; “A planta que faz milagres”, publicada na edição de 1 de outubro de 2003, “O gene contra o veneno”, publicada na edição de 8 de outubro de 2003; “Transgênicos, os grãos que assustam”, publicada na edição de 29 de outubro de 2003; “A soja ideológica”, publicada na edição de 19 de novembro de 2003; “A rota dos transgênicos”, publicada na edição de dezembro de 2003; “Mais confusão”, publicada na edição de 11 de fevereiro de 2004; “O tamanho do Brasil que põe a mesa”, publicada na edição de 3 de março de 2004; “A ameaça dos ecoterroristas”, publicada na edição de 11 de agosto de 2004; “Em paz com a biodiversidade”, publicada na edição de 8 de dezembro de 2004; e “A solução chamada transgênicos”, publicada na edição de 22 de dezembro de 2004.
Tendo em vista a importância da difusão de informações que proporcionem ao leitor um melhor entendimento sobre a questão dos transgênicos, a fim de que ele possa adentrar no debate em torno da liberação da produção comercial desses organismos, este artigo teve como objetivo analisar a cobertura do tema “transgênicos” na revista Veja no decorrer dos anos de 2003 a 2004, quantificando e qualificando suas matérias a partir das seguintes bases de análise: O tema, no período estudado, foi assunto de capa da revista?; A quantidade de caracteres presente nos textos é suficiente para esclarecer o leitor sobre o que são os transgênicos?; O tema é abordado levando em consideração questões relacionadas à saúde humana e o meio ambiente ou apenas à economia, política e desenvolvimento agrícola?; Que tipo de fontes foram consultadas no processo de construção das reportagens?; A revista, ao aborda o tema, o contextualiza, de modo a evidenciar seus prós e contras?; A maioria das matérias são a favor ou contra os transgênicos?; A revista deixa à mostra sua posição ideológica quanto à liberação do plantio comercial desses produtos no Brasil?; Que tipo de argumentos a revista utiliza para sustentar sua posição?; A partir dessa análise, e com base nas teorias do jornalismo, a revista cumpriu com seu papel social; isto é, por meio do relato mais próximo possível da verdade, subsidiar a população, para que a mesma alcance sua independência intelectual em relação a temas como os transgênicos?
Com esta análise, esperamos contribuir para o processo de aperfeiçoamento da consciência científica crítica da população, de modo a evitar que ela se torne passiva de manobras políticas e/ou ideológicas, promovidas, eventualmente, pela mídia.
2. Sobre os organismos transgênicos
Há tempos que o ser humano, ao abandonar sua característica nômade, seleciona os alimentos que lhe são úteis à sobrevivência. Selecionar e misturar intencionalmente genes de organismos vivos, buscando obter um determinado resultado, não é uma descoberta do passado. O homem primitivo, por exemplo, caçador e pescador, com o passar do tempo, vivia, também, da colheita natural, passando a utilizar as plantas como alimento (BONETTI, 2001). Isso fez com que ele, instintivamente, selecionasse as espécies, as reproduzindo em outros lugares, formalizando, assim, um processo de domesticação agrícola; isto é, de adaptação daquelas plantas às regiões onde eram cultivadas. A partir desse processo de triagem natural – seleção de sementes mais produtivas, com sabor mais agradável ou com quantidade menor de características indesejáveis, como espinhos –, muitos organismos, frutos de mutações resultantes do cruzamento de espécies, surgiram, principalmente na Ásia e na África, dando origem a uma série de alimentos que hoje compõem nossa dieta alimentícia.
Assim, ao selecionar os melhores grãos e/ou animais para cruzarem e se reproduzirem, bem como utilizar as “leveduras” para a fermentação e a produção de pães, cerveja e vinho, o homem, de certa forma, interferiu, ao longo dos anos, no mecanismo de desenvolvimento dos organismos, o que também se caracteriza como manipulação genética. Todavia, foi a partir da década de 1970, com a técnica do “DNA recombinante”, de Cohen e Boyer, que tal prática, agora definida como seleção artificial por meio de reestruturação genética, se “popularizou” entre os geneticistas, que passaram a manipular e interferir no código genético de organismos vivos com vistas ao aumento da qualidade e da produtividade de sementes, bem como o “fortalecimento” de plantas, tornando-as resistentes, por exemplo, à seca, fungos, vírus, bactérias, herbicidas etc.
Contemporaneamente, por conseguinte, as manipulações genéticas de plantas e animais resumem-se, majoritariamente, à adição, subtração, substituição e modificação de genes (OLIVEIRA, 2001). À esta técnica, atribuímos a terminologia “Transgenia”, definida como ato de recombinação genética que anexa a um organismo genes que, biologicamente, não lhe pertencia, a fim de produzir, em seus descendentes, características adicionais às que compunham seu código genético natural. Nesse sentido, entende-se por “Transgene” o gene adicional, e por “Transgênico” o organismo resultante desse processo de reestruturação genética. A prática da transgenia, nesse sentido, pode ser compreendida como um procedimento no qual os genes determinam as características, e que, ao se modificar um gene, modifica-se uma característica. De acordo com Fernandes (in VEIGA, 2007, p. 90), entretanto, descobertas recentes no campo da genética “vêm reduzindo o processo responsável pela hereditariedade, a partir desta concepção mecanicista, ao seu aspecto material; isto é, o DNA, que, por sua vez, encontra-se patenteado e transformado em commodity”. Para o autor, este processo contradiz o determinismo genético, também conhecido como “Dogma Central da Biotecnologia”, em que genes são responsáveis pela produção de proteínas e estas definem características. Isso porque postulam controle linear e mecanicista da informação genética.
“Foi com base nesse dogma que se cunharam as expressões que nos acostumamos a ouvir e ler nos jornais com o avanço da biotecnologia, que conotam grande precisão, como `engenharia genética´, `recortar´, `colar´, ou `ligar´ e `desligar´ genes. Esses termos não só revelam sob qual paradigma de reducionismo científico eles se originam como também tentam transmitir à sociedade a noção de que a ciência tem forte domínio da técnica e dos segredos da vida. Mais ainda, para que o mercado dos transgênicos continue a se perpetuar, é fundamental que esse dogma não seja abalado por uma nova abordagem científica mais atual e abrangente” (FERNANDES in VEIGA, 2007, p. 91).
Além disso, tais evidências também questionam a teoria clássica da seleção natural, segundo a qual, por meio de mutações genéticas aleatórias, os mais adaptados; ou seja, os que têm bons genes, sobrevivem e deixam maior número de descendentes.
Existem dois métodos para se produzir um organismo transgênico. Para explicá-los, utilizemos o exemplo de uma planta qualquer. Um deles usa como ferramenta a “Agrobacterium tumefaciens”, uma bactéria que, de acordo com Cardoso (2005), ataca plantas fazendo com que desenvolvam uma espécie de tumor, e que permite, como afirma Handel et. al. (1997), a inserção de uma ou poucas cópias do transgene (o gene adicional) no DNA da planta hospedeira, haja vista que ela as injeta plasmídeo, que nada mais é que uma molécula de DNA. Ademais, segundo Cardoso (2005, p.16), esta agrobactéria funciona como um vetor; ou seja, como um meio de transporte do novo gene para dentro de células de outra espécie. Para fazer isso, primeiro é preciso detectar e isolar o gene que se busca transferir. Grosso modo, esse gene é cortado com tesouras químicas e inserido sem maiores problemas no genoma da agrobactéria. Em laboratório, essa agrobactéria faz o que está acostumada a fazer na natureza: injetar nas células da planta seu genoma modificado. As células das plantas, já com o novo gene, serão cultivadas e darão origem a um vegetal transgênico.
É importante salientar que, na natureza, a transferência genética só acontece verticalmente. Em formato horizontal; isto é, de um organismo para outro, é raríssima, sendo mais comum, apenas, entre microrganismos, sendo a “Agrobacterium tumefaciens” um deles. Esta pode ser, portanto, uma ferramenta importante para os geneticistas, pois, além de aumentar a variabilidade genética existente, torna possível criar variabilidades não disponíveis via métodos de melhoramento convencional. Outro método, também muito utilizado na produção de organismos transgênicos, é a técnica da biobalística, em que
partículas microscópicas de ouro ou tungstênio são cobertas com os genes escolhidos e literalmente atiradas contra as células do vegetal que se pretende modificar. À medida que se chocam com elas, algumas partículas penetram nas células, inserindo na planta os genes com o traço desejado (GRECO, 2009, p. 27).
Uma vez inserido o gene na célula do vegetal, por meio de um dos métodos mencionados, essa célula, ou o grupo delas, é estimulada a gerar uma planta inteira transformada. Trata-se de uma tecnologia que vem sendo cada vez mais utilizada. Contudo, é importante ressaltar que, de acordo com Valle (2000), esta técnica, além da baixa eficiência (em média, 20% de aproveitamento na soja), não possibilita a exata localização do gene inserido. Permite, porém, “que se introduzam genes em espécies distintas; por exemplo: uma característica genética do homem, de outra espécie animal ou de bactérias, pode ser introduzida em plantas, e assim por diante” (VALLE, 2000). São basicamente por meio desses dois métodos que os vegetais transgênicos são criados.
A descrição dos métodos de transferência genética, por vezes, carrega como suposta característica inerente à transgenia a impressão de que se trata de um processo preciso, seguro e controlado. O fato é que seja qual for o método, a agrobactéria como vetor ou a biobalística, “é muito difícil ter certeza de que o transgene `pegou´; ou seja, de que ele se incorporou ao genoma da planta” (CARDOSO, 2005, p.18). Além disso, mesmo que o transgene tenha sido incorporado ao código genético do organismo, é difícil saber se ele, de fato, emitirá as ordens para a codificação das proteínas necessárias para a construção e o funcionamento das características adicionais às que o organismo possuía biologicamente. Eis, assim, um dos principais riscos dos transgênicos: uma vez inseridos no código genético de um organismo, esses genes podem produzir efeitos inesperados.
A prática da transgenia, com o passar dos anos, não se restringiu, contudo, apenas e tão somente à modificação genética de plantas e animais. No mundo, como afirma Freixo, Abreu e Siqueira (2004), já há a comercialização, em larga escala, de produtos transgênicos sob a forma de remédios biotecnológicos. A insulina, por exemplo, hormônio fabricado com o intuito de amenizar o sofrimento dos diabéticos, hoje, é feita com a ajuda de transgênicos. Até 1982, como ressalta Cardoso (2005), a fabricação dessa substância era cara e difícil. Com o avanço da engenharia genética, todavia, o gene responsável pela produção da insulina foi isolado e inserido em uma bactéria, que, por sua vez, passou a produzir a substância em grandes quantidades. Esta bactéria, agora uma bactéria transgênica, possibilitou o barateamento do medicamento, tornando-o acessível a milhares de pessoas.
Os organismos geneticamente modificados fazem-se presente, também, em outros medicamentos de suma importância para a medicina. Exemplo disso é o interferon, substância utilizada no tratamento de câncer e de infecções virais; o hormônio do crescimento, antes, retirado de cadáveres; agora, produzido com a ajuda de microrganismo transgênico; vacinas contra a hepatite B; proteínas que ajudam na desobstrução arterial de indivíduos que sofreram ataque cardíaco, etc. De acordo com Greco (2009), entre 1982 e 2008, apenas nos Estados Unidos, a Administração de Alimento e Medicamentos (Food and Drug Administration – FDA), agência do governo federal estadunidense, aprovou o uso de mais de 254 remédios feitos a partir de organismos geneticamente manipulados, dentre os quais medicamentos para artrite reumatóide; anemia; infertilidade; osteoporose; câncer de mama e do colo do útero; leucemia, psoríase e gripe aviária, entre outros agravos.
São nítidos, assim, os benefícios que a prática da transgenia traz à saúde humana, isso quando sua área de atuação restringe-se apenas à produção de medicamentos e de enzimas em ambientes confinados para a produção industrial, uma vez que, como afirma Barbero (in CARDOSO, 2005, p.23), “estes microrganismos manipulados geneticamente, nestas condições, não entram em contato com o ser humano, nem com o meio ambiente”. O principal problema, que fomenta o debate e a polêmica acerca desses organismos, está em sua aplicação à agricultura.
Segundo Silveira e Buainain (in VEIGA, 2007, p. 29), a “aplicação dos transgênicos à agricultura é um fato recente, com pouco mais de dez anos”, desde que foram introduzidos para uso comercial nos EUA, que concederam à empresa de biotecnologia Calgene Co., de Davis, na Califórnia, parecer favorável à produção comercial de plantas transgênicas em 1995. Tratava-se, como aponta Bonetti (2001), de uma variedade de tomate, intitulado “Flavr Savr”, que possuía um gene que comandava uma enzima que impedia o amolecimento prematuro dos frutos. O “tomate longa vida” foi o primeiro produto agrícola comercializado e, há tempos, faz-se presente nos supermercados de vários países do mundo.
O marco zero do desenvolvimento de plantas geneticamente modificadas, no entanto, deu-se, de acordo com Gander e Marcellino (2000 apud MARIANO, 2001, p.3), em 1983, “quando um gene codificante para a resistência contra o antibiótico canamicida foi introduzido em plantas de fumo”. Em 1987, cinco tipos de plantas transgênicas foram testados no campo. Já em 1995, esse número subiu para 707 tipos, entre elas aquelas que são as mais importantes na alimentação humana e animal e na indústria de tecido; ou seja, “milho, batata, tomate, soja, feijão, algodão e, como planta modelo em experimentos de pesquisa básica, fumo, sobre o qual foram realizados os primeiros ensaios de transgenicidade em plantas” (MARIANO, 2001, p.4). Contemporaneamente, ademais, uma enorme quantidade de vegetais possuem em seu código genético genes, introduzidos artificialmente, que lhes protegem da ação de insetos, pragas e herbicidas. Temos, a exemplo disso, a soja Roundup Ready, ou a “soja RR”, variedade resistente ao herbicida Roundup, genericamente conhecido como “glifosato” – o herbicida mais vendido do mundo –, cujo potencial de periculosidade ambiental possui, segundo dados da empresa Monsanto do Brasil Ltda., nível III; isto é, perigoso ao meio ambiente. Vale ressaltar que no caso da Soja Roundup Ready, os testes realizados não foram, de acordo com Nodari e Guerra (2003), suficientes para discriminar as possíveis variações nas 16 proteínas alergênicas presentes em suas sementes.
Os números relacionados ao plantio comercial destes organismos após serem liberados nos EUA são assustadores: em 1996; isto é, apenas um ano depois dos Estados Unidos liberarem o plantio comercial dos transgênicos, a área plantada com cultivos de organismos geneticamente modificados em todo o mundo chegava à marca dos 2,8 milhões de hectares, distribuídos em apenas seis países, sendo que, à época, “as variedades de transgênicos comercializadas nos três grupos de cultivos se caracterizavam pela predominância de atributos agrônomos como resistência a insetos e tolerância a herbicidas” (SILVEIRA; BUAIAI in VEIGA, 2007, p. 58). Já em 1998, de acordo com Leite (1999), os principais países a dominarem a produção de soja transgênica, que, por sua vez, respondiam por 88% da colheita mundial de 154,7 milhões de toneladas de grãos, eram EUA (47%); Brasil (20%); Argentina (11%) e China (10%). Contudo, além desses países, fazem parte do grupo de produtores de transgênicos: Canadá, Austrália, México, Espanha, França e África do Sul.
Com base em dados do Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações de Agrobiotecnologia (ISAAA), mesmo com as divergências de opiniões sobre a comercialização desses produtos, a área global de cultivo de sementes manipuladas geneticamente cresceu 44% em 1999, passando de 27,8 para 39,9 milhões de hectares. Nove anos depois, em 2008, as quatro maiores lavouras de transgênicos comercializadas no mundo eram a de soja, algodão, canola e milho. Naquele ano, 70% dos 95 milhões de hectares de soja cultivada no mundo eram transgênicas (66,5 milhões de hectares). Quanto ao algodão, 46% dos 34 milhões de hectares eram geneticamente manipulados. “Em relação à canola, 20% dos 30 milhões de hectares eram transgênicas. E, por fim, 24% dos 157 milhões de hectares de plantações de milho eram de sementes modificadas” (GRECO, 2009 p.49). Como consequência deste fenômeno, a difusão dos cultivos de transgênicos no período de 1996 a 2006 se concentrou, como ressalta Silveira e Buainain (in VEIGA, 2007, p. 58), “em cultivos de grande expressão no comércio mundial de commodities agrícola, como a soja, o milho, a canola e o algodão”.
Contudo, mesmo oferecendo benefícios, antes inimagináveis, à medicina e aumentando a resistência de plantas, sementes, etc. a insetos, pragas e herbicidas, de modo a alavancar a produção alimentícia e elevar a área global de cultivo dos organismos geneticamente modificados, os transgênicos, como afirmam Freixo, Abreu e Siqueira (2004, p.3), envolvem processos complexos, vinculados à essência da vida; representam um passo desconhecido, “por fazer aflorar contenda entre interesses econômicos e sociais e por suscitar apreensões de natureza ambiental e de saúde pública”. Além disso, ressalta Mariconda e Ramos (2003), parte significativa do debate em relação aos transgênicos gira em torno da difícil distinção entre seres artificiais e os chamados seres naturais. No entender dos autores, isso ocorre pelo fato de a maioria das pessoas, no que diz respeito à sua posição frente à polêmica envolvendo os organismos manipulados, se basearem na crença, julgada óbvia pelo senso comum, “de que artificial é ‘aquilo que o homem faz’ e natural é ‘aquilo que a natureza faz’” (MARICONDA; RAMOS, 2003, p. 245).
2.1 A polêmica acerca dos transgênicos
Se levarmos em consideração o fato de o debate criado em torno das questões da biotecnologia estar estritamente relacionado a argumentos de natureza científica, técnica, ética, política e, principalmente, econômica, concluiremos que muitas das opiniões, notícias e, até mesmo, pesquisas, que fortalecem o discurso daqueles que defendem a liberação de produtos transgênicos no Brasil e no mundo, por vezes, escondem interesses alheios aos da população, isso porque o melhoramento genético permite a criação de variedades de plantas com características desejáveis não disponíveis via método de melhoramento convencional. O caso da já citada Food and Drugs Administration e da Enviroment Protection Agency (EPA) é emblemático. Na década de 1990, os dois órgãos, conhecidos pelo rigor de suas análises, deram parecer favorável à produção comercial de produtos transgênicos nos Estados Unidos. Pouco tempo depois, começaram a surgir contestações às decisões desses órgãos, uma vez que seus testes teriam sido financiados por corporações econômicas interessadas na comercialização desses produtos. Isso ocorre pelo fato de a tecnologia do DNA recombinante, ao ser anexada ao desenvolvimento de processos agroindustriais com vistas à produção de alimentos, trazer, de acordo com Vella (2000), perspectivas de bons lucros apenas e tão somente a grandes conglomerados da biotecnologia e produtores rurais com alto grau de desenvolvimento tecnológico (agronegócio). Com base no cenário que se constrói a partir desta afirmação, observa-se que,
na disputa pela abertura de mercado para os alimentos transgênicos, o que vemos são as empresas praticamente saírem de cena política e a atividade de promoção desses produtos passar a ser feita por entidades de cunho técnico-científico que são financiadas pela própria indústria de biotecnologia. Assim, procura-se legitimar o discurso de que os transgênicos estão diretamente associados à promoção da ciência, e que esta é a favor da tecnologia (FERNANDES in VEIGA, 2007, p.111).
Esta frente científica que se formou em favor dos transgênicos tem como principal objetivo minimizar o debate em torno dos riscos associados ao consumo de alimentos cuja estrutura genética fora modificada. Para isso, “defendem a tese de que a técnica é precisa e segura, e que os alimentos gerados, além de serem equivalentes aos não transgênicos, já foram exaustivamente testados” (FERNANDES in VEIGA, 2007, p. 111). Não satisfeitos, afirmam, a exemplo da Associação Nacional de Biotecnologia (ANBio), “que toda nova ciência e/ou tecnologia gera um sentimento de dúvida e receio político, econômico e social quanto às mudanças”, e que isso acontece desde os tempos em que Copérnico afirmou que a Terra era redonda ou que Darwin apresentou a teoria da evolução humana. No entanto, continuam, “as evidências científicas vêm provando que a biotecnologia é segura e que seus resultados são benéficos ao meio ambiente”. O problema consiste, porém, no fato deste discurso ter amplo acesso à imprensa e de esses grupos utilizarem-se da fala de autoridades para “reproduzir a mensagem de que os transgênicos, que já estão no mercado, são seguros para a saúde humana e o meio ambiente” (FERNANDES in VEIGA, 2007, p.111).
Todavia, como já foi dito anteriormente, as mutações resultantes da introdução de um transgene no genoma de um organismo alheio pode ocasionar características e efeitos imprevisíveis. Preocupados, alguns cientistas defendem o argumento de que “as consequências mutacionais da transformação de plantas são importante fonte da imprevisibilidade dos transgênicos” (FERNANDES in VEIGA, 2007, p.93), fenômeno que, teoricamente, já seria suficiente para a inviabilidade da produção comercial desses organismos. Este foco específico sobre o gene de interesse traz, portanto, implicações diretas para a maneira como são conduzidos os processos de avaliação de risco de um organismo transgênico. Logo, não restam dúvidas de que há uma enorme carga ideológica que perpassa o debate no mundo, incluindo o Brasil.
2.2 Transgênicos no Brasil
A polêmica em torno dos transgênicos instaurou-se no Brasil em 1998, quando se incorporou à pauta de análise da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), criada em 1995, um pedido de licença da empresa Monsanto para o plantio comercial de genótipos desenvolvidos por meio de manipulação genética. Em junho daquele ano, a Monsanto entrou com outro pedido junto à CTNBio, solicitando, desta vez, a liberação, por parte da Comissão, para a comercialização da soja Roundup Ready. No dia 24 de setembro de 1998, no entanto, apesar de uma liminar obtida pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) junto com o Greenpeace, que determinava a interrupção do plantio da soja transgênica, sob a alegação de que a Comissão não tinha competência para liberar a comercialização de organismos geneticamente modificados e que seria necessária a realização de um Estudo de Impacto Ambiental – Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA), a CTNBio emitiu parecer favorável ao pedido da Monsanto, alegando que a população, do ponto de vista da biossegurança, não tinha o que temer e que outros aspectos de licenciamento ficariam, à partir de então, a critério do Ministério da Agricultura, que aprovou, por sua vez, em junho 1999, o cultivo comercial de cinco variedades transgênicas de soja, desenvolvidas, à época, pela empresa Monsoy Ltda., ligada à Monsanto. De acordo com Greco (2009, p.56), contudo, em junho de 2000, o juiz da 6ª Vara da Justiça Federal do Distrito Federal (DF), Antônio Prudente, “entendeu que a Comissão não poderia agir assim, e acatou a liminar que impedia a comercialização da soja transgênica sem o EIA-RIMA”, ressaltando, no entanto, que a CNTBio tinha, sim, competência para liberar a comercialização de transgênicos, desde que levasse em conta os dados do Relatório. Tanto o Idec, quanto o Greenpeace, exigiam, ainda, que as empresas, como a Monsanto, obedecessem a certas normas de venda e rotulassem produtos, caso algum ingrediente de sua composição fosse geneticamente alterado.
Em agosto de 2001, todavia, sob o comando do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, foi editado pelo governo, de acordo com Marinho e Minayo-Gomez (2004), uma Medida Provisória (nº 2.191-9, de 23 de agosto de 2001), na qual foi corrigida uma questão legal que envolvia a CNTBio, uma vez que os artigos relacionados à sua criação na Lei de Biossegurança tinham sido vetados na época. Com essa MP, “o governo buscou assegurar a legitimidade jurídica da Comissão, conferindo-lhe novas atribuições e fortalecendo-a enquanto fórum privilegiado de tomada de decisão” (MARINHO; MINAYO-GOMES, 2004). A CTNBio, além de continuar emitindo pareceres técnicos conclusivos, passava, a partir de então, a exercer, também, funções que, anteriormente, pertenciam aos Ministérios, como o da Agricultura, por exemplo – enquanto o embate entre movimentos sociais, conglomerados da biotecnologia e políticos se estendia nos tribunais; no campo, agricultores, localizados, majoritariamente, no Rio Grande do Sul, contrabandeavam soja transgênica da Argentina e as comercializavam como se fossem soja convencional. Frente a este problema, o então presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva sancionou em meados de 2003 a MP 113, que autorizava o plantio e a venda da soja RR da safra 2002/2003, mesmo a comercialização estando embargada. Tal decisão repetiu-se em 2004 com a MP 223, que, desta vez, autorizava a comercialização da safra 2004/2005.
De acordo com Greco (2009), havia sido iniciada uma batalha jurídica que deveria encerrar-se em 24 de março de 2005, data em que foi sancionada a Lei de Biossegurança, “cuja aprovação na Câmara Federal ocorrera 22 dias antes por 352 votos a favor e 60 contra” (p. 55), e que estabelecia normas de segurança e mecanismos de fiscalização sobre a construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação no meio ambiente e o descarte de organismos geneticamente modificados. A Lei tinha, ainda, como diretrizes “o estímulo ao avanço científico na área de biossegurança e biotecnologia, a proteção à vida e à saúde humana, animal, vegetal, e a observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente” – é importante ressaltar que a Lei de Biossegurança já havia sido regulamentada em 1995 pelo Decreto nº 1.752, de 20 de dezembro de 1995, o qual vinculava a então criada CNTBio à Secretaria Executiva do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).
A aprovação desta Lei, contudo, provocou discórdia entre membros do governo, cientistas e produtores, visto que ela visava assegurar o avanço dos processos tecnológicos e proteger a saúde humana, animal e o meio ambiente, o que, ocasionalmente, em decorrência da utilização de critérios adequados de avaliação, poderia, por ventura, limitar, retardar ou até impedir o avanço científico e tecnológico acerca desta área de pesquisa. Entretanto, como já foi dito anteriormente, o interesse econômico sempre guiou, ou se propôs guiar, a tomada de decisão em torno da liberação ou não liberação dos organismos transgênicos. Sendo assim, um dos principais problemas decorrente da aprovação desta Lei consistiu no fato dela fomentar a discórdia entre representantes dos movimentos sociais, empresas produtoras de organismos manipulados e cientistas, ao invés de regulamentar o plantio, a comercialização e a pesquisa acerca dos transgênicos, de modo a pacificar o debate. Isso porque, de acordo com Cardoso (2005, p.71), a lei dá superpoderes à CNTBio para “decidir pela liberação do cultivo e da comercialização de transgênicos sem estudos de impacto ambiental nem de segurança alimentar – fica a critério da Comissão exigir ou não esses estudos”. Além disso, a Lei também determina que as decisões da CNTBio sejam acatadas por órgãos como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (IBAMA) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Não obstante, como o governo pode deixar tais decisões a encargo da CNTBio se a Comissão não conseguiu, ao menos, desempenhar uma das atribuições que lhe foi conferida pelo Decreto n. 1.752, de 20 de dezembro de 1995: propor a Política Nacional de Biossegurança?
Após a aprovação da Lei de Biossegurança, a plantação de transgênicos no Brasil cresceu ainda mais, como postula Greco (2009). Em abril de 2005, um mês após a Lei ter sido sancionada, uma reportagem publicada pela Revista Pesquisa FAPESP, intitulada “Liberação para a comercialização de OGMs deve ampliar investimentos em biotecnologia”, já relatava o fato de a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) oferecer aos produtores de soja, a partir do próximo mês, 11 variedades de sementes geneticamente modificadas adaptadas às várias áreas de plantio do País. As novas variedades seriam desenvolvidas em cooperação técnica com a Monsanto, que teve seu plantio e comercialização autorizados pela Lei de Biossegurança – na ocasião, tanto a Embrapa quanto a Monsanto receberam royalties pela venda das sementes. Verificou-se, ainda, que, em 2007, houve um aumento de 3,5 milhões de hectares na área plantada apenas com soja geneticamente modificada. Trata-se, segundo dados do Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações em Agrobiotecnologia, do maior aumento nominal registrado em culturas de transgênicos no mundo.
Assim, com base neste embate estabelecido em torno dos organismos transgênicos, é possível categorizar, sem concessões ao maniqueísmo, dois grupos com opiniões distintas acerca do debate em questão: o primeiro apoia-se na tese da necessidade do aumento da produção alimentícia, frente ao crescimento populacional mundial. Para esse grupo, somente uma “Revolução Verde”, “agora ancorada nas ‘ciências da vida’, na biotecnologia e na engenharia genética, seria capaz de incrementar a produtividade do setor agropecuário e reduzir o custo de seus produtos”, tornando-os viáveis ao consumo (SIQUEIRA; FREIXO; ABREU, 2004, p.6), haja vista que aumentaria a produção e a produtividade agrícola e diminuiria o uso de defensivos químicos, o que, consequentemente, acabaria por gerar menos danos ao meio ambiente. Vale ressaltar, entretanto, que, para o engenheiro agrônomo Ciro Eduardo Corrêa, da Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil (Concrab), do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em depoimento à matéria “Pequenos agricultores rurais são contra transgênicos”, publicada no sítio da Revista Eletrônica de Jornalismo Científico (ComCiência), do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o combate a fome não passa pelo desenvolvimento da tecnologia de grãos modificados geneticamente. “A fome é um problema político e não tecnológico”, afirma. “No ano passado (2001), o volume de grãos produzidos no Brasil chegou a 100 mil toneladas, o que é suficiente para acabar com a fome”. No entanto, continua, “a fome apenas tem aumentado a cada ano no País, já que hoje (2002) há mais de 30 milhões de brasileiros miseráveis”. Por fim, o problema da fome seria resolvido, para Corrêa, a partir da ideia de justiça social, e não do aumento da quantidade de alimento produzido no mundo.
Ademais, apesar dos aparentes benefícios que tais melhoramentos poderiam trazer à humanidade, vale destacar dois problemas que caminham na mesma direção, mas por vias paralelas: o primeiro consiste no fato de essas sementes, manipuladas de modo convencional, vale repetir, não serem acessíveis aos pequenos grupos de produtores, e, sim, aos detentores de grandes campos de produção, que possuíam, e ainda possuem, poder aquisitivo suficiente para custear o fertilizante e o sistema de irrigação necessários para se obter o máximo de potencial de produtividade desses grãos. O segundo problema decorrente desta “revolução verde” concentra-se no deslocamento da mão-de-obra para fora das zonas rurais. Isso porque as novas tecnologias fomentam a mecanização das lavouras, o que prejudica o pequeno agricultor e a produção familiar.
No Brasil, de acordo com Nanni (2002), os principais representantes de defesa dos direitos dessas duas classes de trabalhadores são o MST e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), ambos contrários à agricultura transgênica, haja vista que, segundo eles, ela tende a ferir a autonomia econômica e política do pequeno trabalhador rural. Para o MST, por exemplo, a utilização de organismos geneticamente modificados na agricultura brasileira é, em primeiro lugar, um fator de dominação econômica, das multinacionais e dos grandes produtores rurais sobre os pequenos produtores. Isso porque, segundo Ciro Eduardo Corrêa, do Concrab do MST, “grandes monopólios seriam formados, gerando um grande processo de dominação das multinacionais, o que deixaria o pequeno agricultor em situação de total dependência e miserabilidade” (NANI, 2002).
Dados divulgados por Silveira e Buainain (in VEIGA, 2007), com base em um levantamento feito por Graham Brookes e Peter Barfoot, autores do documento “Global Impacto of Biotech Crops: Socio-Economic And Environmental Effects in the First Tem Years of Commercial Use”, corroboram esta afirmação. Os impactos da adoção dos cultivos de organismos transgênicos sobre a renda do agricultor que cultivou soja, milho, algodão, canola tolerantes a herbicidas e insetos entre os anos de 1996 e 2005 chegou a 26,975 milhões de dólares, sendo que, apenas em 2005, o aumento da renda desses produtores foi de 5,588 milhões de dólares. Tais números, porém, respeitam alguns fatores, dentre os quais o aumento da renda gerada pelo cultivo de transgênicos resistentes a insetos, o que, consequentemente, reduz o valor gasto com inseticidas; e a redução nos custos de administração de pragas e do uso de máquinas e equipamentos. Assim, se compilarmos os argumentos contrários aos organismos geneticamente modificados, expresso por essas duas entidades, tomando como base aspectos de natureza, apenas, econômica, concluiremos que, de acordo com Silveira e Buainain (in VEIGA, 2007, p. 58), tal tecnologia é contraproducente pelas seguintes questões:
trata-se de uma tecnologia com impactos reduzidos e o pagamento de royalties ao inovador é suficiente para torná-la antieconômica; a tecnologia não tem outro impacto a não ser o de favorecer a venda de insumos modernos, principalmente pesticidas; e a tecnologia beneficia apenas o grande produtor, estimulando a monocultura e acentuando os resultados socialmente perversos da revolução verde.
Deixando de lado o viés político-econômico, outra suposta característica atribuída aos alimentos transgênicos, e defendida com veemência pelo mesmo grupo que apoia-se na tese da necessidade do aumento da produção alimentícia, frente ao crescimento populacional mundial, é a de serem mais nutritivos que os convencionais, como o arroz dourado, que teria, de acordo com a reportagem “Transgênicos: faltam pesquisas para avaliar o real risco à saúde”, publicada na ComCiência, grandes quantidades de betacaroteno, substância que origina a vitamina “A”. Outros alimentos podem agregar, ainda, genes responsáveis pela produção de hormônios ou substâncias que ajudam a evitar doenças, como o tomate transgênico, que produz flavonóides (um tipo de antioxidante) em grandes quantidades. Além disso, estes alimentos carregariam em sua estrutura genética genes que os deixariam mais nutritivos, combinação que, como já foi visto, em tese, pavimentaria o caminho para a erradicação da fome no mundo.
O choque resultante desta afirmação com os ícones que a biotecnologia vem criando; isto é, o aumento da produtividade, a maior resistência às doenças e às pragas e o decréscimo no tempo necessário para produzir e distribuir novos cultivares de plantas, provavelmente com produção de novos organismos vegetais e animal, nos força automaticamente a pôr em cena o segundo grupo, composto pelos que pregam os possíveis efeitos da alteração genética de alimentos sobre a saúde humana e o meio ambiente.
Um dos principais argumentos sustentado pelos que defendem a comercialização desses organismos é o de que qualquer transgene (o gene que será inserido em um uma estrutura genética alheia) é seguro pelo simples fato dele ocorrer, ou ser criado, pela natureza. Entretanto, como postula Fernandes (in VEIGA, 2007, p.94), o que ocorre na prática da transgenia é a descontextualização do gene em questão. Sendo assim, “o fato de um gene ser seguro em seu organismo natural não significa que o organismo transgênico que o recebeu também seja seguro”. Trata-se, na verdade, de um preceito básico, que qualquer cientista é capaz de deduzir. Isso porque, ao focar demasiadamente o gene de interesse, deixando de lado sua construção genética; ou seja, seu contexto biológico natural, o homem nega todo o conhecimento construído e acumulado ao longo dos anos. Além disso, ainda segundo Fernandes (idem), o confinamento do objeto de análise nas decisões sobre biossegurança, “com enfoque científico supostamente neutro, representa favorecimento à indústria de biotecnologia na medida em que inibe o aprofundamento de estudos”. Este processo, para Fernandes, caracteriza-se como “neoliberalismo a nível molecular”.
De acordo com uma cópia dos memorandos internos da FDA, obtida por meio de uma ação judicial movida pela organização estadunidense Alliance for Biointegrity, em que estão registrados os alertas e as preocupações de seus cientistas, o processo da transgenia é inerentemente perigoso e “pode produzir novas toxinas com efeitos imprevisíveis. Logo, nenhum alimento transgênico poderia ser considerado seguro até que fossem realizados rigorosos testes toxicológicos” (FERNANDES, 2007, p.87). Em outras palavras, um dos riscos da inserção de um ou mais genes no código genético de um organismo, deixando à margem do esquecimento seu contexto biológico natural, é a produção de novas proteínas alergênicas e/ou de substâncias que provocam efeitos tóxicos não identificados em testes preliminares.
Só para termos uma noção dos riscos que rondam estes alimentos, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), a fim de avaliar o potencial de alergenicidade de proteínas transgênicas, realizou, de acordo com Camara et. al. (2009), um estudo em que evidenciava o fato da necessidade de uma atenção particular ao possível potencial alergênico do milho Bt, transgênico. No estudo, camundongos foram alimentados por noventa dias com diferentes concentrações de milho Bt e com a proteína Cry1Ab. Foram preparados quatro tipos de dietas: a controle (sem milho Bt), a com Cry1Ab e aquelas em que foram acrescidos de 10% a 30% de milho Bt. O resultado, segundo Camara (idem), foi que os “camundongos alimentados com o milho acrescido da proteína Cry1Ab apresentaram degeneração, necrose e aumento do volume do fígado”.
Ainda segundo Camara et. al. (2009),
em 1999 um estudo elaborado por Losey, Rayor e Carter (1999) comprovou resultados semelhantes e causou, à época, grande impacto junto à comunidade científica. O estudo comparou o desenvolvimento de larvas alimentadas com folhas em que o pólen do Bt havia sido aspergido, com outras alimentadas com folhas sem o pólen do milho Bt. Concluiu-se que as larvas do primeiro grupo comeram menos, cresceram mais lentamente e apresentaram maior taxa de mortalidade.
Um ano depois, em 2000, foram identificados nos Estados Unidos, e em outros países, produtos alimentícios contendo derivados de uma variedade do milho Bt, liberada somente para consumo animal, devido ao seu potencial alergênico. Frente a este fato, um Comitê Científico (SAP) atuando como parte do Federal Insecticide, Fungicide, and Rodenticide Act (FIFRA), reunido pela Environmental Protection Agency (EPA, EUA), analisou 34 casos e concluiu, como ressalta Nodari e Guerra (2003), que entre 7 e 14 pessoas provavelmente manifestaram reações alérgicas a alimentos contendo derivados da variedade de milho Bt StarLink.
Ainda na questão da saúde humana, outro receio frequentemente associado aos organismos transgênicos diz respeito ao risco de genes de resistência a antibióticos, inseridos artificialmente em um vegetal, se transferirem para microrganismos patológicos, como, por exemplo, bactérias que causam infecções. Agora, por que esses genes foram inseridos nos organismos? Segundo Cardoso (2005, p.52), os cientistas inserem esses genes para verificar em quais células vegetais os novos genes realmente foram incorporados. “Depois de criarem a planta que eles acham ser transgênica, colocam células dela em uma cultura que contenha antibióticos. As que sobreviverem se sabe que são transgênicas porque incorporaram o gene de resistência ao antibiótico”.
Já no que diz respeito aos riscos ao meio ambiente, as criticas consistem no fato de a tecnologia da transgenia ser capaz de alterar o mundo biológico de forma nunca antes possível, haja vista que se os genes alterados porventura escaparem para outras variedades, a pergunta que fica é: “caso danos à saúde humana ou ao ambiente venham a ser detectados no futuro, será possível eliminar, com as ferramentas disponíveis no presente, a contaminação genética?” (PILLAR, 2003). Ademais, a polêmica acerca dos transgênicos, quanto aos seus possíveis efeitos ao meio ambiente, divide-se, basicamente, de acordo com Cardoso (2005), em três pontos chaves: o fluxo de genes, o impacto sobre a biodiversidade ou sobre organismos não alvos e o surgimento de resistência, ou aparecimento de superervas daninhas ou superpragas. No caso do fluxo de genes, Pillar (2003), explica:
um risco que deve ser avaliado no plantio de variedades transgênicas é a transferência de genes por cruzamento natural com outras variedades cultivadas ou com variedades selvagens da mesma espécie ou espécie aparentada, caso ocorram na região. Para arroz, algodão e sorgo existem, no Brasil, variedades selvagens ou espécies aparentadas que poderiam ser contaminadas geneticamente por variedades transgênicas. Plantas produzem pólen, que, sendo transportado por diferentes vias, pode, em determinadas condições, vir a fertilizar com sucesso flores de outras plantas compatíveis. Evidências de fluxo gênico são abundantes, sendo debatidos quais efeitos esses genes modificados poderiam ter nas populações selvagens, tais como aumento da sua capacidade invasora ou do risco de extinção. Independente desses riscos, o mais grave é que os genes modificados podem escapar ao controle.
Para os mais céticos, o problema vai além. Quanto à questão em torno dos impactos sobre a biodiversidade ou sobre organismos não alvos, Leite (2000) chama a atenção para a possibilidade de algumas espécies de insetos, aqueles mais diretamente ligados ou próximos às culturas de milho, algodão e batata transgênica, se extinguirem localmente. A partir daí, um efeito cascata se estabeleceria, visto que, com a escassez desses insetos, a alimentação de muitos pássaros, e/ou predadores, que deles se alimentam, estaria comprometida. Ainda segundo Leite (2000, p.53), espécies transgênicas resistentes a herbicidas “podem deflagrar efeito semelhante, ao eliminar ou reduzir drasticamente a presença de ervas daninhas que, eventualmente, sustentem outros grupos de organismos”. Quanto ao surgimento de superervas daninhas ou superpragas, ao utilizar transgênicos resistentes a herbicidas, Cardoso (2005, p.42) salienta que pode acontecer de duas maneiras:
uma delas aconteceu nos EUA, onde o uso continuado e excessivo do mesmo herbicida, o glifosato, provocou o aparecimento de ervas daninhas resistentes a ele. Outra possibilidade é que algumas plantas, parentes das cultivadas, adquiram também a resistência por meio de cruzamento. No caso dos transgênicos Bt, que produzem toxinas capazes de matar os insetos, o perigo é o surgimento de gerações de insetos resistentes. Isso seria péssimo não só para a lavoura em si, mas para toda a agricultura.
No Brasil, vale destacar, no final de 1998, a CNTBio examinou um de seus casos mais polêmicos: o do arroz Liberty Link. Desenvolvido pela empresa AgrEvo, esta variedade de arroz havia recebido um transgene do microrganismo Streptomyces Higroscopicus, resistente ao herbicida glufosinato de amônia. Segundo Leite (2000), a CNTBio fez, na ocasião, um a série de exigências incomuns para os testes experimentais, realizados em lotes diminutos no Rio Grande do Sul. Isso porque uma variedade silvestre do arroz (Oryza sativa), o arroz vermelho, havia se tornado uma das principais pragas da região sul, pois infestava plantações e causava grandes quebras de safra. Assim, afirma Leite, por se tratar de plantas da mesma espécie, a probabilidade de haver uma transferência horizontal do transgene inserido no arroz Liberty Link para o daninho vermelho, o tornando resistente ao próprio herbicida que deveria matá-lo, era grande. Em outras palavras, surgiria, desse modo, uma supererva daninha.
Em suma, os transgênicos contemplam, ao mesmo tempo, mais incertezas, econômicas, nutritivas e ambientais, do que benefícios, propriamente ditos. Mesmo assim, muitos dos que defendem os transgênicos afirmam que se o Brasil não incorporar esses produtos à sua agricultura ficará atrasado em relação aos outros países, correndo o risco, inclusive, de perder mercado para eles, haja vista que Estados Unidos e Argentina, por exemplo, já estariam dominando alguns mercados, uma vez que oferecem produtos mais baratos, graças aos transgênicos. Por outro lado, se levarmos em conta o fato de o principal consumidor dos produtos agrícolas brasileiros ser a Europa, concluiremos que a adoção desta nova tecnologia pela agricultura nacional levará à uma substancial diminuição das exportações, já que, como ressalta Freixo, Abreu e Siqueira (2004), hoje, há uma evidente queda de braço entre União Europeia e Estados Unidos no que diz respeito a exportação e importação desses produtos. Assim, “a manutenção da atual situação aponta para a conveniência em manter-se o Brasil como o grande fornecedor de produtos convencionais” (p.13).
3. Sobre o jornalismo científico
Há, e sempre houve, um grande abismo entre a universidade e a sociedade. Enquanto os intelectuais, afirma Pena (2007), colocam-se em pedestais, dizem-se incompreendidos e reclamam da superficialidade da linguagem jornalística no que diz respeito à cobertura das suas pesquisas, cientistas isolam-se em suas torres de marfim e reclamam da falta de uma divulgação mais aprofundada acerca de seus estudos. Trata-se, de acordo com Oliveira (2002 apud PENA, 2007, p. 205) de uma dicotomia que “carrega ranços positivistas, separando de forma irremediável a ciência, considerada um saber profundo e imutável, e o jornalismo, tratado como uma fábrica de produtos perecíveis: as notícias”. Contudo, apesar de haver substanciais diferenças entre cientistas e jornalistas, ambos compartilham, ou deveriam compartilhar, de um mesmo objetivo chave: o pleno desenvolvimento social, que, por sua vez, neste contexto, compreende tanto o desenvolvimento científico e tecnológico, conjugado a um desenvolvimento econômico, agrícola, ferroviário, etc., quanto à erradicação de diferentes formas de preconceitos étnicos, sociais e culturais, bem como pobreza, desnutrição, entre outras mazelas que, atualmente, acomete sociedades mundo a fora.
Warren Burkett (1986), em seu livro Jornalismo Científico: como escrever sobre ciência, medicina e alta tecnologia para os meios de comunicação, afirma que o desenvolvimento científico, bem como os métodos tradicionais de pesquisa abertas utilizados pelos cientistas, é financiado pelas pessoas que, por meio de impostos; isto é, capital público, fomentam a produção do conhecimento em institutos de pesquisa, centros universitários, etc. Sendo assim, a máxima que prega que os cientistas produzem trabalhos apenas para um grupo específico, apesar de pautar-se em práticas que a corroboram, tanto na teoria, quanto na prática, é absurda, haja vista que parte significativa das descobertas científicas e tecnológicas interfere no estilo de vida de classes sociais inseridas na sociedade. Logo, por conclusão, tais descobertas são de interesse público. Ora, se a prática jornalística, por definição, debruça-se sobre assuntos de interesse comum e tem como uma de suas responsabilidades o dever de contribuir com a educação das massas e com a conscientização popular em relação a temas de interesse coletivo, além de representar os olhos do povo, ao atuar como mediador social e fiscalizar o Estado, a cobertura de temas ligados à C&T, por conseguinte, além de resolver, de uma vez por todas, a dicotomia expressa acima, contribui, ainda, para a democratização dos saberes e, com isso, o desmantelamento de possíveis estratégias de poder. Isso porque o uso de uma linguagem hermética em tribunais ou pesquisas científicas só tem um objetivo: manter um determinado grupo no poder. “O jornalismo científico, então, seria usado para interpretar a informação científica e produzir um conhecimento sobre a realidade” (PENA, 2007, p.206). No entanto, precisamos destacar alguns pontos importantes dentro desta prática, a começar pela sua definição.
O Jornalismo Científico é, como define Silva (2003), uma expressão ambígua. Isso porque pode ser interpretada como uma disciplina dedicada ao jornalismo como ciência ou como um estudo da cientificidade da prática jornalística, com seu conjunto de técnicas próprias para cumprir o objetivo de informar. Hoje, no entanto, o jornalismo científico é compreendido como a especialização da atividade jornalística dirigida à cobertura de assuntos ligados à C&T. Em outras palavras, o jornalista de ciência busca, por meio das mesmas ferramentas midiáticas utilizadas pelo jornalista “convencional”, difundir, entre os cidadãos leigos ou não cientistas, tudo o que lhe foi revelado pelos densos e técnicos discursos de especialistas – físicos, biólogos, sociólogos, psicólogos, filósofos, etc. Para Herton Escobar, no entanto, o jornalismo científico possui algumas peculiaridades. Uma delas é a complexidade dos temas, que exige muito preparo do jornalista para que a notícia seja interessante e compreensível para o leitor comum (informação vernal em 03/03/2011).
Tal prática, por conseguinte, fundamenta-se em dois pontos bases: o primeiro evidencia a necessidade de se democratizar o conhecimento a fim de legitimá-lo – para isso, a sociedade como um todo, e não apenas uma parte privilegiada dela, haveria de se beneficiar dos resultados encontrados nas pesquisas divulgadas pelos jornalistas; o segundo, por sua vez, prega a necessidade de os avanços tecnológicos e científicos serem compreendidos por toda a sociedade, de modo que ela possa ter um conhecimento científico mínimo para alcançar discussões em torno de temas ligados à C&T, como os transgênicos, por exemplo. Contudo, neste aspecto, haveria de estar disseminada entre a sociedade a questão da “cultura científica”, cuja relevância continua isolada socialmente, e cujo sentido, de acordo com Sabbatini (2005 apud SAVERNINI; VÍGOLO, 2007, p.3), está menos relacionado “com o erudito-especialista do que com o indivíduo que consegue compreender e comunicar conceitos básicos, apresentando um melhor entendimento acerca das coisas do mundo”.
Em termos informais, pode-se dizer que a cultura científica é:
bagagem e o domínio de noções, informações e conhecimento sobre as ciências que o indivíduo apresenta. […] Trata-se de um termo abrangente, que engloba os conceitos de alfabetização e divulgação científica e que implica conceber o desenvolvimento científico como um processo cultural, unindo, segundo Bybee (apud SABBATINI, 2005), “uma nova forma de ensinar que rompa, em particular, com a visão de uma ciência descontextualizada, alheia aos interesses e condições sociais” (SAVERNINI; VÍGOLO, 2007, p.3).
Assim, para que possamos entender a formação desta “cultura científica” precisamos, antes, esmiuçar algumas diretrizes que compõem a chamada “divulgação científica”, que, segundo Saverinini e Vígolo (2007), caracteriza-se pelo esforço de “publicitizar” a ciência, ou, trocando em miúdos, popularizar a ciência entre o público. A nomenclatura em questão, todavia, por vezes, gera divergências entre teóricos da área, haja vista que alguns autores entendem que o termo “divulgação científica” alinha-se à divulgação voltada aos pares; ou seja, aquela de pesquisador para pesquisador ou de instituição para instituição, através de artigos técnicos, escritos pelos próprios pesquisadores e publicados em periódicos da área, como a Revista Brasileira de Psiquiatria, por exemplo. De tal modo, com o objetivo de esclarecer tal discrepância, estabeleceremos, aqui, algumas divisões, tais como: “a `disseminação científica´ compreende toda publicização, e é dividida entre `divulgação´, quando voltado para o público leigo, e `difusão´, quando voltada para os pares” (SAVERNINI; VÍGOLO, 2007, p.9).
Conforme atesta Carlos Vogt, poeta, linguista e diretor de redação da revista ComCiência, em entrevista concedida a Cerqueira e Kanashiro (2008), o conceito da divulgação científica está estritamente ligado ao preenchimento de informações que o indivíduo leigo não tem em relação à assuntos ligados à C&T. Logo, por conclusão, tal indivíduo caracteriza-se por ser cientificamente analfabeto. A divulgação científica (scientific literacy), prática que visa tornar o leigo informado das questões ligadas à ciência, torna-se, nesse sentido, uma ferramenta essencial no processo de “alfabetização científica”, termo que, contemporaneamente, vem sendo abordado, em demasia, por diversos autores, visto que, ressalta Savernini e Vígolo (2007, p.3), “mais do que qualquer momento anterior da história humana, é fundamental que os avanços tecnológicos e conhecimentos científicos sejam compreendidos por toda sociedade”, uma vez que a ciência e a tecnologia chegaram a um ponto em que legaram à imaginação e à curiosidade humana o poder de optar pela sobrevivência ou a aniquilação de todo o planeta, como já pregava Merton (1957 apud SAVERNINI; VÍGOLO, 2007). Nesse sentido, para Vogt,
não só cabe à divulgação a aquisição de conhecimento e informação, mas a produção de uma reflexão relativa ao papel da ciência, sua função na sociedade, as tomadas de decisão correlatas, fomentos, aos apoios da ciência, seu próprio destino, suas prioridades e assim por diante. Isso vai além da atitude inicial, na qual o cientista era o sábio, o cidadão era o ignorante e o jornalista científico ou divulgador da ciência era o construtor da ponte entre essas figuras, de maneira a suprir o tal déficit de informação (in CERQUEIRA; KANASHIRO, 2008).
Ademais, a comunicação, como prática anexada à disseminação do conhecimento científico, engloba, na visão de Araújo e Cardoso (2007), campos de atuação dos mais diversos, que vão da Informação à Ciência & Tecnologia, passando pelas Políticas Públicas, Movimentos Sociais e a Educação Popular. Sendo assim, democratizar a ciência torna-se um meio para divulgá-la, de modo a alfabetizar cientificamente a população. De acordo com Francisco J. Ayala (1995 apud OLIVEIRA, 2001), cientista estadunidense, professor de Ciências Biológicas e Filosofia da Universidade da Califórnia, Irvine, e ex-presidente da Associação Americana para o Progresso da Ciência (AAAS), existe uma necessidade universal de uma cultura científica. Isso porque, atualmente, há duas demandas crescentes nas nações modernas: a primeira é a premência por uma força de trabalho treinada tecnicamente, enquanto que a segunda requer que os cidadãos sejam juízes das promessas e ações de seus governantes, bem como dos responsáveis pela publicidade de bens de consumo. Segundo o cientista, a cultura científica é, partindo-se deste contexto, necessária para o envolvimento do público na vida política e pública de uma nação. Hoje, as informações sobre assuntos científicos e tecnológicos são cada vez mais solicitadas nas tomadas de decisão dos altos escalões governamentais. Logo, tal perspectiva nos possibilita a compreensão do termo “alfabetização científica” a partir de três dimensões:
a primeira delas é a que enfatiza o conteúdo científico – a medição do que se sabe acerca dos fatos científicos, mas isso não é o mesmo que aumentar o nível de compreensão científica. A segunda dimensão seria a de saber como a ciência funciona; ou seja, como são seus métodos de produção de conhecimento científico. Isso permitiria uma melhor diferenciação entre ciência e pseudociência. A terceira dimensão, a da alfabetização científica, seria uma que privilegiasse uma compreensão do impacto social dos efeitos da ciência. Isso vai além dos limites do conhecimento científico conceitual e metodológico, atingindo o âmbito da ciência como prática social (SAVERNINI; VÍGOLO, 2007, p.5).
Em suma, a alfabetização científica caminha no sentido de estabelecer nas sociedades uma cultura científica, sendo esta detentora de uma dinâmica própria, a qual parte da produção e da circulação do conhecimento científico entre pares; isto é, a difusão científica, segue para um segundo quadrante, o do ensino da ciência e da formação de cientistas; caminha, por conseguinte, para um terceiro quadrante, o do ensino para a ciência, de modo a completar uma volta ao chegar ao quarto quadrante, o da divulgação científica, formando, assim, uma espécie de ciclo, intitulado de “Espiral da Cultura Científica” (VOGT, 2005). Dentre seus objetivos, tal processo visa fazer com que a sociedade compreenda a dimensão das últimas descobertas científicas e tecnológicas, de modo a protegê-la de discursos de cunho político/econômico/ideológico, falseadores da verdade e que, muitas vezes, como ressalta Siqueira; Freixo e Abreu (2004, p.5), “turvam a clareza do debate e mistificam o tema em questão”.
Sendo assim, a redação científica deve, segundo (BURKETT, 1990), com base nas considerações feitas até aqui, ajudar a sociedade a dar conta de tantas informações e eventos científicos, deve ser dirigida para fora, para audiências além da estreita especialidade científica, onde a informação se origina. Precisa ser informativa e, ao mesmo tempo, educativa – José Marques de Melo, já na década de 1980, definia a prática jornalística científica como uma atividade majoritariamente educativa –, uma vez que ela, em tese, informa o público em relação às últimas descobertas científicas e tecnológicas, evidenciando suas aplicações em nosso cotidiano, bem como os possíveis perigos e benefícios que oferecem à comunidade.
De acordo com Sabine Righetti, jornalista de Ciência & Tecnologia do jornal Folha de S.Paulo, porém, o Brasil está entre os países com os piores índices de educação científica do mundo. As pessoas não sabem conceitos básicos de física, química ou biologia, não conseguem definir o que é transgenia, entre outras terminologias. Contudo, afirma, as pessoas deveriam sair da escola sabendo esses conceitos. Assim, quando o jornalismo escreve sobre ciência, mais do que informar, ele acaba assumindo um papel educativo. Nós não podemos simplesmente falar sobre um conceito científico. Nós temos que explicá-lo, haja vista que o leitor, muitas vezes, não sabe o que ele significa, por não ter essa base (informação verbal em 10/02/2011). Para Sabine, um plano ideal seria aquele em que o jornalismo fosse utilizado como uma ferramenta complementar no debate acerca de temas ligados à C&T. De acordo com Escobar, todavia, em muitos casos, os resultados que estão sendo noticiados não têm necessariamente uma aplicação direta no dia-a-dia das pessoas. Pode ser apenas uma curiosidade; isto é, conhecimento. Nesse aspecto, o jornalismo científico, para ele, também é um pouco educativo (informação verbal em 03/03/2011).
Desse modo, o jornalismo científico, cujos objetivos visam despertar o interesse da população pelos processos da ciência, fomentar a discussão sobre política científica, iniciar jovens na área e promover a educação continuada de adultos, tem um importante papel na disseminação de conteúdos que pautem o leitor em relação ao debate em torno dos alimentos transgênicos, visto que esta tecnologia, hoje, já se faz presente no cotidiano de milhares de pessoas, no Brasil e no mundo.
A notícia científica
A abundante informação sobre ciência, medicina, engenharia e tecnologia, afirma Burkett (1986), pode ser sufocante. Contudo, toda ela interessa, potencialmente, a alguém, em algum lugar. Escolher entre as produções de centenas de milhares de cientistas é uma das tarefas mais difíceis para o editor e o redator de ciência. É intrigante pensar que dentre os milhares de fatos que, diariamente, adentram a sala do repórter ou do editor, apenas uma parcela será noticiada; isto é, apenas parte dos acontecimentos tornar-se-á “tudo o que o público necessita saber e tudo aquilo que o público deseja falar” (PENA, 2007, p.70). Frente a este fenômeno, qualquer leitor, telespectador, ouvinte e internauta pode se perguntar: “mas, afinal, qual é o critério utilizado pelos profissionais da imprensa para escolher os fatos a serem noticiados?”. Esta, segundo Pena, é a pergunta mais importante da teoria do jornalismo, haja vista que entender como a notícia é produzida é a chave para compreendermos os seus significados, ao passo que a discussão acerca deste tema contribui para o aperfeiçoamento democrático da sociedade.
Nas teorias do jornalismo, é possível encontrar alguns critérios base para a seleção das notícias. Dentro do atual modelo administrativo implementado nas redações, por exemplo, há, de acordo com Medina (1998), uma escala já relativamente bem estabelecida, que determina os fatores objetivos de interesse do público, que, consequentemente, modificam o grau de importância dos fatos. Nesse campo de análise é possível relacionar os interesses previsíveis que um bom editor deve considerar, como proeminência; grau de importância das pessoas envolvidas nos fatos; importância das consequências; raridade, conflito ou luta que o fato pressupõe; e utilidade imediata do serviço informativo, com fatores que determinam os principais interesses do público, “como entretenimento que proporciona; emoções; superação; dinheiro ou propriedade; sexo; interesse local e importância social” (p.21).
Felipe Pena, por outro lado, nos brinda com cinco categorias de valores-notícias que norteiam a escolha dos fatos a serem noticiados nos veículos de comunicação, são elas: Categoria substantiva, que compreende a importância dos envolvidos, quantidade de pessoas envolvidas, interesse nacional, interesse humano e feitos excepcionais; Categoria relativa ao produto; isto é, brevidade (nos limites do jornal), atualidade, novidade, organização interna da empresa, qualidade (ritmo e ação dramática) e equilíbrio (diversidade de assuntos); Categoria relativa ao meio de informação, como acessibilidade à fonte/local, formatação prévia/manuais e política editorial; Categoria relativa ao público, como, por exemplo, plena identificação de personagens, serviço/interesse público e protetividade; e Categoria relativa à concorrência, como exclusividade ou furo, gerar expectativas e modelos referenciais. A partir destas cinco categorias, e, também, subcategorias, Pena destaca sete critérios fundamentais para a escolha dos fatos: “ser factual”, “despertar interesse do público”, “atingir o maior número de pessoas”, “coisa inusitada”, “novidades”, “personagens” e “boas imagens”.
Quando se trata de notícias de ciência, Sabine Righetti afirma que, na Folha de S.Paulo, em geral, escolhe-se fatos científicos que compreendam “novidades”, como uma nova pesquisa, um resultado pontual; isto é, algo concreto. Outros veículos, no entanto, publicam coisas mais abstratas, como discussões acerca da ciência (informação verbal em 10/02/2011). Sabine relata, ainda, que, geralmente, a escolha dos fatos que estamparão as páginas do jornal, em ciência, baseia-se em aspectos subjetivos do jornalista. Por exemplo: se o jornalista tem mais afinidade com a cobertura de temas relacionados às políticas científicas, suas sugestões de pauta, bem como a escolha dos fatos que irá cobrir, serão guiadas pelo interesse do repórter acerca da área em questão. Isso não impede, no entanto, o jornalista de cobrir outros temas, alheios aos seus interesses pessoais (informação verbal em 10/02/2011). A escolha dos temas a serem abordados possui uma dinâmica semelhante no jornal O Estado de S. Paulo. Segundo Herton Escobar, jornalista de Ciência & Tecnologia do jornal, no Estadão as pautas de ciência são decididas quase que exclusivamente pelo repórter, que, por sua vez, é responsável por checar as revistas científicas semanalmente (Nature, Science, Cell, PNAS, PLoS etc.), avaliar a importância dos trabalhos, selecionar pautas e apresentá-las ao editor, que aprova ou não a seleção (informação verbal em 03/03/2011).
Contudo, apesar de compartilhar dos mesmos critérios para a seleção das notícias do jornalismo “convencional”, a narrativa jornalística científica apresenta características singulares quanto à escolha das informações, que, mais tarde, se tornarão notícias. Mesmo havendo valores subjetivos que norteiam o profissional durante a seleção dos fatos ou, até mesmo, na elaboração da pauta, como atestou Sabine Righetti, há na escolha dos temas ligados à C&T alguns fatores determinantes que devem ser levados em consideração pelo jornalista e/ou editor de ciência. Eles, em geral, se diferenciam dos critérios tradicionais utilizados pelos jornalistas de política e economia pelo simples fato de o assunto ligado à C&T, por vezes, não revelar à primeira vista o seu real significado e, consequentemente, a sua relevância social. Logo, o significado deve contribuir para a decisão de popularizar um tópico científico. “[…] Com frequência esta é uma das tarefas mais difíceis para um redator de ciência, quando os pesquisadores ficam reticentes em especular as aplicações potenciais de sua pesquisa” (BURKETT, 1986, 51).
A maioria dos jornais, afirma Burkett, ignorou as primeiras tentativas de transplante de material genético (transgenia). Isso porque os cientistas disseram pouco sobre as implicações de seus trabalhos acerca desta nova tecnologia, de modo que os jornalistas foram incapazes de estabelecer o que muitos chamam de “parágrafo de significado” em suas matérias sobre manipulação de genes. O termo “engenharia genética”, por exemplo, não entrou no vocabulário comum por meio da imprensa, e, sim, por causa dos próprios cientistas, que começaram a falar mais livremente sobre os riscos e benefícios desta prática para manufaturar insulina humana ou outros produtos químicos.
Por vezes, pode acontecer, no entanto, de o significado de algum fato para a ciência, mais do que para a própria população, ser suficiente para a sua publicação. A descoberta de um novo fenômeno, mesmo sendo algo incompreensível aos olhos da sociedade, pode, na ocasião, mudar o rumo de pesquisas, e, até mesmo, paradigmas, de modo que ela precisa ser veiculada. Tais notícias, de fato, são importantes. Contudo, perante a sociedade, são inócuas. Mais ainda: representam uma contribuição demasiada singela no desenvolvimento e enraizamento da já esmiuçada cultura científica. Isso porque, apesar de representarem um avanço significativo para a ciência, não se aproximam do cotidiano da população de um modo geral.
Nesse sentido, frente à preocupação, gradativamente diluída entre o espaço acadêmico e as redações jornalísticas, de se popularizar a ciência, o melhor critério para a seleção dos fatos científicos e, ao mesmo tempo, aproximação dos mesmos com a sociedade, seria a junção dos critérios noticiosos “interesse humano”, muito utilizado em esforços envidados para levantar dinheiro para o financiamento de pesquisas que, futuramente, poderão ajudar crianças com câncer, deficientes físicos e mentais, etc., anexado aos critérios “perfil da personalidade”, quando a ciência e a tecnologia são abordadas a partir da vida de outra pessoa; “pioneirismo”, ou “singularidade”; isto é, quando o cientista/pesquisador é o primeiro a realizar aquela descoberta – este critério noticioso, no entanto, pode trazer consigo algumas armadilhas, tal qual a de outros cientistas não conseguirem reproduzir o experimento realizado pelo primeiro pesquisador noticiado por um determinado veículo. “A incapacidade de outros pesquisadores em obter resultados preditos pode indicar técnicas de pesquisa falhas, uma experiência mal realizada ou meramente um evento de ocorrência única” (BURKETT, 1986, p.52) –; “proximidade”, afinal, quanto mais perto os leitores e espectadores estão do local de um evento ou quanto maior for o impacto desta notícia sobre o dia-a-dia de milhares de pessoas, maior será o interesse pela ocorrência veiculada; e, por último, mas não menos importante, “conflito”. Darei maior destaque a este último critério por ele ter uma relação bem específica com o tema deste trabalho.
Conflito, para o bem ou para o mal, é um componente da seleção noticiosa. Com frequência, o conflito pode ser pessoal ou oculto. […] Pode emergir a partir dos objetivos da pesquisa e dos testes. […] As teorias podem conflitar. O conflito também pode envolver o redator científico em assuntos mais amplos de ética e de normas públicas (BURKETT, 1986, p.57).
A importância deste critério noticioso vem ao encontro dos aspectos informativos e educacionais que a narrativa jornalística científica carrega. Ora, se o jornalismo científico se propõe informar e, ao mesmo tempo, educar a sociedade, o debate acerca dos conflitos que determinada descoberta científica e/ou tecnológica traz consigo torna-se uma característica inerente à redação científica na imprensa. O hábito de se pluralizar o debate; isto é, de fomentar a discussão – característica da prática jornalística como um todo –, na narrativa jornalística de C&T eleva-se à décima potência. Segundo Burkett (1986), em uma época mais simples da ciência, cada realização de laboratório era, sempre, considerada progressiva, benéfica e recompensadora. Muitos redatores de ciência afirmavam gostar de suas carreiras porque acreditavam que o relato dos avanços científicos e tecnológicos era isento de controvérsias.
A bem da verdade, contudo, esta máxima, hoje, não se sustenta mais. Logo, trazer diferentes vozes para o debate de temas ligados à C&T, no jornalismo de ciência, é fundamental, uma vez que, de acordo com Calvo Hernando (apud Silva, 2003), o jornalismo científico “deve ser capaz de demonstrar que a Ciência e a Tecnologia constituem uma esperança de solução dos problemas da humanidade e, ao mesmo tempo, um motivo de inquietação e preocupação”. Logo, completa Hernando, “somente o debate público e uma educação científica nos meios informativos podem evitar equívocos e mal entendidos” (idem). Hoje, no entanto, segundo França (in BOAS, 2005), o fato de as notícias sobre ciência serem, apenas, bonitas, atrativas, agradáveis e, principalmente, instrutivas, acaba por disseminar na sociedade um sentimento de “anticontestação” em relação ao discurso publicado pelos veículos de comunicação, ainda mais quando este discurso traz apenas uma voz. De acordo com Silva (2003), isso acaba por divinizar a obra do cientista – e a consequente tendência a divinizar a Ciência faz com que somente a verdade científica seja admissível; inversamente, tem-se em segundo lugar a posição do medo, que demoniza a Ciência e se baseia na exploração dos terrores e inquietudes da espécie humana – a propensão em diabolizá-la tende a considerar que, como observa em sua entrevista o biofísico Henri Atlan, “tal verdade pode conduzir a um aumento desmesurado das capacidades humanas de autodestruição” (p. 3).
Hoje, a narrativa jornalística de ciência carrega, ainda, um viés contemplativo, que, por vezes, se sobressai ao senso crítico da imprensa. Para Luiza Massarani, jornalista especializada em ciência e tecnologia, mestre em ciência da informação pelo Instituto Brasileiro de Informação Científica e Tecnológica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IBICT/UFRJ) e doutora pelo Departamento de Bioquímica Médica da UFRJ, em entrevista à revista Ciência & Comunicação, o jornalista científico precisa ter voz própria e deve usá-la sempre. Isto não quer dizer que estamos aqui para malhar a C&T. Creio que nenhum de nós tem dúvidas de que a ciência e a tecnologia têm um papel fundamental no desenvolvimento do País. Mas devemos discutir de forma mais aprofundada o impacto da C&T na sociedade, afirma. Carlos Henrique Fioravanti, editor especial da revista Pesquisa Fapesp, compartilha desta mesma opinião. Para ele, a divulgação científica feita hoje pelos jornalistas está muito mais ligada à exaltação da ciência; isto é, à legitimação dos saberes científicos produzidos pela academia, do que a uma análise mais desconfiada ou cética quanto ao paper. Quando falamos em jornalismo científico, falamos, também, em levantar dúvidas, ou incertezas, acerca das pesquisas, e, consequentemente, acerca de seu real valor científico e social. Eu vejo esta postura mais no caderno de ciência do The New York Times, às vezes traduzido na Folha de S.Paulo, e em matérias do The Economist (informação verbal em 18/02/2011).
Assim, de acordo com Silva (2003), a complexidade do empreendimento científico, atualmente, cria novos desafios à divulgação científica feita pelo jornalismo. Dentre eles, podemos destacar a questão do lidar com a sociedade e seu analfabetismo científico. Segundo Sabine Righetti, apesar de o leitor da Folha de S.Paulo pertencer a uma elite escolarizada, não há em sua formação escolar um domínio sólido em torno de aspectos básicos da ciência. Logo, todo assunto abordado pelo jornal precisa partir do básico. Se a gente for falar de astronomia, por exemplo, precisamos partir do básico. Nós, aqui do caderno “Ciência” da Folha, sempre nos perguntamos se o leitor vai entender isso ou aquilo, como explicar tal assunto para ele, etc. Trata-se de um desafio gigante, e nós, jornalistas, lidamos com ele todos os dias (informação verbal em 10/02/2011). Herton Escobar, por outro lado, é mais pragmático. Para ele, os desafios do jornalismo científico são sempre os mesmos: fazer boas matérias, que sejam ao mesmo tempo úteis, relevantes e interessantes para o leitor. No momento em que a produção científica do Brasil está crescendo e os pesquisadores brasileiros começam a ganhar mais espaço nas revistas internacionais, talvez seja importante para o jornalismo científico prestar mais atenção na ciência nacional (informação verbal em 03/03/2011).
Segundo Escobar, ademais, o interesse dos jornalistas existe. O que falta, no seu entender, é um esforço maior de divulgação por parte das instituições de pesquisa, esforço este esmiuçado por Sabine, inclusive, em sua tese de doutorado; isto é, a questão do despreparo das instituições de pesquisa (universidades, empresas e institutos de pesquisa) quanto ao estabelecimento de canais de comunicação com o público e, principalmente, com a imprensa. Luiza Massarani ressalta os mesmos problemas. Para a pesquisadora, que coordena, ainda, o Centro de Estudos do Museu da Visa, ligado à Casa de Oswaldo Cruz (Fiocruz), os centros geradores de C&T ainda estão bastante tímidos no que se refere à criação de estratégias de comunicação de temas de Ciência & Tecnologia para o público como um todo. Para Luiza, isto é feito, em geral, mais por indivíduos que, por razões diversas, buscam fazer divulgação científica, e menos por um esforço institucional. Aos olhos dela, em parte, isso é consequência de uma questão cultural mais ampla. O sistema de C&T brasileiro, neste presente momento, não valoriza a divulgação científica. O mesmo não ocorreu em outros momentos da história da ciência brasileira, afirma.
Além disso, muitos pesquisadores/cientistas brasileiros negam-se a se colocarem à disposição da mídia para alguma declaração em relação a uma descoberta científica feita em outro país. De acordo com Sabine Righetti, eles não entendem que isso, além de ajudar o jornalista a passar uma informação mais completa e, principalmente, livre de possíveis equívocos ao público, os coloca em destaque na mídia, fenômeno que pode ajudá-lo a publicar mais artigos e, até mesmo, conseguir financiamentos para suas pesquisas. Tal resistência, por parte dos pesquisadores brasileiros, faz com que, muitas vezes, o jornalista tenha que entrevistar cientistas estrangeiros. Segundo a repórter, os pesquisadores de fora do Brasil estão mais acostumados com esta dinâmica. Eles sabem que a informação científica precisa ser passada para o público. Nos EUA, por exemplo, a mídia vai atrás dos pesquisadores e os pesquisadores vão atrás das mídias. Isso porque eles, além de serem motivados a aparecer na mídia, sabem que essas informações interessam a sociedade. Aqui no Brasil, não. Aqui eles são incentivados a publicarem papers. Se eles saem no jornal ou não, não faz nenhuma diferença para as suas carreiras (informação verbal em 10/02/2011).
Isso mostra que as aplicações da “cultura científica” estendem-se, também, à comunidade acadêmica. Fioravanti aponta para outro ponto importante dentro desta questão. Para ele, os pesquisadores brasileiros, de um modo geral, não têm muita prática de comunicação. Isso porque não são incentivados a se comunicarem com a imprensa, como nos EUA, onde as universidades, por serem privadas, incentivam seus pesquisadores a aparecerem cada vez mais na mídia, uma vez que isso tende a atrair mais dinheiro e alunos à universidade. Os pesquisadores vivem em uma zona de conforto, estão acostumados a viver em um mundo em que tudo é mais ou menos previsível, onde não há grandes surpresas ou transformações, em que tudo é checado e testado a todo o momento, enquanto que o trabalho do jornalista, a meu ver, é transformar (não deturpar) o conteúdo científico, no sentido de criar novos valores, significados para as pessoas; isto é, ir além da descoberta científica. Sendo assim, muitos pesquisadores desconfiam de como a sua pesquisa vai sair no jornal ou na revista e, por isso, evitam se relacionar com a imprensa (informação verbal em 18/02/2011).
De acordo com Fioravanti, no entanto, esta relação entre cientistas e jornalistas depende muito mais do método de trabalho do profissional da imprensa do que do veículo para o qual ele trabalha. Muitos pesquisadores falam para a Fapesp porque receberam dinheiro da Fapesp e, por isso, se sentem obrigados a falar, como se fosse uma prestação de contas. Agora, existem muitos outros que falam com a revista porque sabem que ela é bem-feita, é cuidadosa e bem elaborada (mesmo eles desconhecendo nosso método de produção). Ou seja, isso é credibilidade, conjugada à capacidade do jornalista de criar boas relações de confiança e negociação com os pesquisadores. Este relacionamento deve pautar-se em um planto comum, em um caminho comum entre jornalista e pesquisador, deve haver clareza e honestidade (informação verbal em 18/02/2011). Afinal, de nada adianta o jornalismo estar comprometido com a popularização do conhecimento científico se os indivíduos que produzem este conhecimento não estão engajados na luta pela erradicação do analfabetismo científico no País. Assim, podemos afirmar que os desafios que, atualmente, se apresentam à prática jornalística, acometem, também, os produtores destes saberes, de modo que as ações de disseminação do saber científico entre jornalistas, centros geradores de C&T e escolas devem almejar um bem maior: a educação científica das massas. Para isso, explica Fioravanti, o jornalista, ou o divulgador de ciência, deve trabalhar todos os aspectos da divulgação daquele material científico com base em fatos e, principalmente, em contextos históricos, sociais, políticos, econômicos e culturais, e não a partir de uma tese pré-estabelecida pelo próprio repórter. Por vezes, o jornalista sai da redação com uma ideia já arquitetada em sua cabeça, à procura de discursos que a legitimem. Isso é muita prepotência por parte do jornalista, tanto de ciência quanto de qualquer outra área (informação verbal em 18/02/2011).
Em suma, vimos até aqui que a prática jornalística científica apesar de ter um futuro promissor, está cercada de polêmicas e desafios. Sua contribuição, pela parte que lhe cabe no entendimento das coisas, do ambiente, do homem e, por que não, da vida, no processo de desenvolvimento social, por vezes, perpassa por terrenos movediços, ora mercadológicos, sendo estes sedutores, ora desafiadores, afinal, trazer à superfície social temas ligados à C&T que, atualmente, se situam à margem da vida cotidiana, não é uma tarefa fácil, muito menos imediata, mesmo hoje, em que o relógio da contemporaneidade gira em uma velocidade muito acima da de décadas passadas. O fato é que, frente à rapidez com que os resultados de pesquisas básicas se transformam em aplicações tecnológicas, o jornalista científico, para cumprir bem com o seu papel, precisa ir além do simples relato intersubjetivo dos acontecimentos. Ele precisa conhecer o mundo acadêmico/científico, bem como seu funcionamento e ritmo, precisa estar atento para o que está acontecendo nos bastidores da ciência, precisa ter conhecimento acerca dos diversos métodos científicos, precisa saber como a ciência é feita e quais são os principais debates envolvendo a C&T.
4. Análise da cobertura da revista Vejaacerca dos organismos transgênicos
Ao todo, treze matérias sobre os organismos transgênicos foram publicadas pela revista Veja entre os anos de 2003 e 2004, sendo este o período em que a publicação da Editora Abril mais abordou o tema. Ademais, vale destacar que os textos a serem analisados aqui são todos provenientes de seções da revista destinadas, em tese, ao “jornalismo informativo”, classificação de gênero que compreende, de acordo com José Marques de Melo, nota, notícia, reportagem e entrevista (PENA, 2007). Não se considerou, durante o processo de compilação dos textos, referências feitas aos transgênicos em seções opinativas; isto é, espaços da publicação destinados a artigos, resenhas, crônicas, colunas, cartas e editoriais. Isso porque os critérios quantitativos e qualitativos apresentados anteriormente, que, por sua vez, conduzirão nossa análise, se baseiam em pressupostos que se alinham à prática jornalística voltada para a produção de textos que, mais uma vez, em tese, devem se abdicar da opinião do repórter, única e exclusivamente, ao passo que o relato intersubjetivo do jornalista acerca de um acontecimento, além de sua formação cultural, deve conter certas características, dentre as quais a justaposição de discursos oriundos das diversas partes inseridas no cenário em questão.
Nesse sentido, a reportagem propriamente dita será tratada, aqui, como uma exposição que combina interesse do assunto com o maior número possível de dados, formando, assim, um todo compreensível e abrangente. No nosso caso, especificamente, os textos sobre os transgênicos serão tratados, ainda, como “reportagens polêmicas”, por explorarem um assunto em discussão na sociedade, fazendo com que o repórter tenha de “ouvir fontes, especialistas e ‘olimpianos’ que pensem de modo diferenciado, oposto” (PENA, 2007, p.77). Segundo esta constatação de rotina jornalística proposta por João de Deus Corrêa, o profissional pode deixar a critério dos destinatários a opção de como interpretar a matéria, mas, usualmente, trabalha em torno de uma hipótese em que aposta. As análises das matérias seguirão, no decorrer das próximas páginas, uma ordem cronológica, que se estenderá de janeiro de 2003 a dezembro de 2004. Eis, portanto, a primeira:
No dia 15 de janeiro de 2003, a revista Veja publicou na seção “Geral” um texto, sem assinatura, que discorria sobre o fato de cientistas e empresas da Índia estarem, à época, testando uma batata, produzida em laboratórios, cuja composição continha uma dose 30% maior de proteína do que uma batata comum. O texto, intitulado “A Índia diz sim aos transgênicos”, possui a seguinte linha fina: “Pânico no meio ecochato: programa contra a fome vai usar batata modificada geneticamente”. Logo em seguida, inicia-se o texto.
“O governo indiano deu um passo ousado para combater a desnutrição e a fome que atingem milhões de crianças no país. Cientistas e empresas da Índia estão testando uma batata produzida em laboratório que contém uma dose 30% maior de proteínas do que uma batata comum, incluindo aminoácidos essenciais para o crescimento infantil. A batata indiana é um transgênico, categoria de produto demonizada por ecologistas de todo o planeta” (VEJA, 2003, Ed. 1.785).
Não é preciso ir muito longe para descobrir o real posicionamento da revista, haja vista que a linha fina se encarrega de evidenciar a opinião da publicação acerca dos desfavoráveis ao plantio comercial dos organismos transgênicos antes mesmo de o leitor se dar conta do que se trata o texto: “ecochatos”. Ao adjetivar, negativamente, o “meio”, composto não só por ecologistas, mas, também, por agricultores, políticos, nutricionistas, geneticistas e, claro, ativistas ligados à ONG ambientalistas, Veja ignora, ou se propõe ignorar, uma série de preocupações legítimas em torno dos riscos que estes organismos representam não só ao meio ambiente, como, também, à saúde humana. Mais ainda: ao atribuir aos transgênicos, na primeira linha do primeiro parágrafo, a condição de solução dos problemas relacionados à fome e à desnutrição do País, a revista tende a corroborar o plantio destes organismos, transmitindo ao leitor não um fato, mas, sim, uma teoria, segundo a qual o plantio comercial de genótipos manipulados representaria, além da erradicação da fome e da miséria, um menor uso de herbicidas, o que, teoricamente, seria bom para o meio ambiente.
Tal afirmação, no entanto, poderia ser fruto de um árduo processo de apuração, o que envolve livros, artigos científicos, pareceres de órgãos como a CNTBio e, muito importante, entrevistas com representantes das mais diversas entidades ligadas ao tema. Todavia, a única declaração compilada pelo autor do texto é a dos próprios pesquisadores que desenvolviam a batata transgênica: “`Nós queremos combater a fome em nosso país. Acho que seria moralmente indefensável ficar contra uma iniciativa desse porte´, disse Govindarajan Padmanaban, bioquímico do Instituto Indiano de Ciência” (VEJA, 2003, Ed. 1.785). Frente a este título, anexado à linha fina em questão e, mais ainda, ao primeiro parágrafo do texto, há de se compreender o leitor que julgar louco aquele que se manifeste contrário a estas pesquisas, ainda mais quando a revista afirma, com um tom de indignação, que “os transgênicos são provavelmente os produtos mais difamados da história. Já foram acusados de matar borboletas, de alterar o ambiente onde estão plantados e ameaçar de contaminação as variedades naturais” (idem). No mesmo parágrafo, ademais, Veja trata de rebater tais acusações: “desde 1996, quando o primeiro produto geneticamente modificado foi lançado, não há nenhuma prova contra eles” (idem). Não obstante, a publicação, mais uma vez, se equivoca. Como vimos anteriormente, em 1999, um estudo, elaborado por Losey, Rayor e Carter (1999), comparou o desenvolvimento de larvas alimentadas com folhas em que o pólen do Bt havia sido aspergido, com outras alimentadas com folhas sem o pólen do milho Bt. Concluiu-se que as larvas do primeiro grupo comeram menos, cresceram mais lentamente e apresentaram maior taxa de mortalidade.
Um ano depois, em 2000, foram identificados nos EUA – o mesmo que, de acordo com a revista, enviou “solidariamente” a Zâmbia, país miserável da África, uma doação de milho transgênico –, e em outros países, produtos alimentícios contendo derivados de uma variedade do milho Bt, liberada somente para consumo animal, devido ao seu potencial alergênico. Frente a este fato, um Comitê Científico (SAP) atuando como parte do Federal Insecticide, Fungicide, and Rodenticide Act (FIFRA), reunido pela Environmental Protection Agency (EPA, EUA), analisou 34 casos e concluiu, como ressalta Nodari e Guerra (2003), que entre sete e quatorze pessoas provavelmente manifestaram reações alérgicas a alimentos contendo derivados da variedade de milho Bt StarLink. Em 2004, de acordo com Frei Sérgio Antônio Görgen, franciscano do Serviço Franciscano de Justiça, Paz e Integridade da Criação, da Ordem Franciscana, e da Comunidade Padre Josimo de Hulha Negra, localizada no Rio Grande do Sul, também nos EUA, o Milho Starlink, reprovado para consumo humano, foi encontrado em tortilhas populares consumidas por milhões de pessoas e retiradas do mercado (informação oral em 25/04/2011).
Em uma análise rápida, é possível notar, ainda, que o texto em questão, composto ao todo por dois parágrafos, possui uma estrutura narrativa já pré-definida, que se preocupa em evidenciar o avanço tecnológico, as realizações que a transgenia nos projeta para um futuro próximo e o “apelo” dos cientistas/pesquisadores aos ambientalistas no primeiro parágrafo, ao passo que, no segundo, procura legitimar os transgênicos a partir de argumentos falsos, como vimos há pouco, e a “diabolizar” os ambientalistas. Há, portanto, no texto, dois personagens, antagônicos quanto às suas intenções. No entanto, a revista constrói um cenário em que, às intenções de uns (cientistas e EUA), são atribuídas características positivas; isto é, causas nobres – mesmo que elas, em si, escondam interesses terceiros –, enquanto que, aos outros atores (jogados no mesmo balaio e intitulados de “ecochatos”), sobram atribuições negativas. O trecho a seguir nos elucidará quanto a este problema:
“Os argumentos da OMS não são suficientes para convencer os ambientalistas. ‘Ainda não temos certeza absoluta de que esses produtos não fazem mal à saúde nem contaminam o ambiente. Por isso, somos contra, mesmo em iniciativas de combate à fome’, diz Mariana Paoli, coordenadora da campanha de engenharia genética da ONG ambientalista Greenpeace no Brasil. Pelo visto, os argumentos dos cientistas indianos não são fortes o suficiente para arrefecer a polêmica” (VEJA, 2003, Ed. 1.785).
Em suma, Veja não se preocupou em contextualizar os transgênicos; ou seja, não explicou o que são; muito menos os riscos que os cercam – mesmo porque, o espaço utilizado pela publicação, nesta edição, não seria capaz de dar conta dos mais variados desdobramentos que compõem a polêmica, muito menos pluralizar o debate. Logo, apenas duas fontes foram utilizadas no texto, sendo suas falas reduzidas a um precário e superficial embate, em que os cientistas (e, porque não, os EUA) são os mocinhos e os ambientalistas, os bandidos. Além disso, a revista deixou de responder a algumas questões fundamentais para um pleno entendimento do seu leitor sobre o fato noticiado, o que evidência a fragilidade da apuração. Analisemos o trecho a seguir.
“A batata indiana é um transgênico, categoria de produto demonizada por ecologistas de todo o planeta. Para criá-la, os pesquisadores inseriram no DNA da batata um gene de amaranto, uma planta usada pelas antigas civilizações pré-colombianas como fonte de proteína e redescoberta nos últimos anos pelos adeptos das dietas naturalistas. Há três semanas, pesquisadores indianos foram a um congresso científico em Londres e pediram às entidades ambientalistas e filantrópicas que não satanizem a batata inventada por eles como fizeram dois anos atrás com o chamado `arroz dourado´ – um tipo de arroz geneticamente enriquecido com beta-caroteno criado por uma indústria farmacêutica e destinado a pessoas que têm deficiência de vitamina A. Em decorrência da gritaria dos ecologistas, o arroz enfrenta uma moratória de cinco anos para poder ser testado em campos abertos de cultivo” (VEJA, 2003, Ed. 1.785).
Afinal, por que as entidades ambientalistas e filantrópicas “satanizaram” o arroz dourado? Por que fariam isso com a batata transgênica? Por que o arroz enfrenta moratória há cinco anos para poder ser testado em campos abertos de cultivo? Por que os ecologistas “gritam” em cima dos transgênicos? Quais são os argumentos dessas entidades? Por que a revista chama os ecologistas de “ecochatos”? A resposta para estas perguntas são fundamentais para que o leitor possa entender claramente os fatores que cercam o acontecimento. Fica claro, assim, que o autor do texto optou, antes mesmo de dar inicio à sua escrita, por dar um enfoque diferenciado ao discurso dos cientistas. Foram utilizados os mais diversos argumentos para legitimar a produção da batata geneticamente modificada, bem como de outros organismos manipulados. Ao mesmo tempo, e por outro lado, calou-se a voz dos movimentos ambientalistas. Entretanto, vale ressaltar mais uma vez que, no Brasil, a CNTBio examinou no final de 1998 um de seus casos mais polêmicos: o do arroz Liberty Link. Desenvolvido pela empresa AgrEvo, esta variedade de arroz havia recebido um transgene do microrganismo Streptomyces Higroscopicus, resistente ao herbicida glufosinato de amônia. Segundo Leite (2000), a CNTBio fez, na ocasião, uma série de exigências incomuns para os testes experimentais, realizados em lotes diminutos no Rio Grande do Sul. Isso porque uma variedade silvestre do arroz (Oryza sativa), o arroz vermelho, havia se tornado uma das principais pragas da região sul, pois infestava plantações e causava grandes quebras de safra. Seria este um dos motivos dos ambientalistas para “gritarem” à sociedade sobre os perigos dos transgênicos?
Veja, nesse sentido, atribuí àqueles cuja opinião é contrária à transgenia a condição de obscurantistas, o que, no entender de Frei Sérgio Antônio Görgen, é uma contradição, uma vez que um dos principais argumentos deste grupo é o da necessidade da realização de mais pesquisas, com dados mais precisos acerca dos riscos que os transgênicos oferecem ao meio ambiente e à saúde humana. Na questão dos organismos geneticamente manipulados falta ciência e há pouca pesquisa. No entanto, a empresa dona da patente da soja transgênica, que se nega a apresentar pesquisas elementares de médio prazo e em solo brasileiro sobre impactos ambientais e de segurança alimentar de uma planta engenheirada em laboratório com partes de material genético de um vírus, de duas agrobactérias e da petúnia, condicionada para resistir a altas doses de um veneno, comercializado pela mesma empresa, é apresentada como escopo de avanço científico (informação oral em 25/04/2011). Veja defende, assim, uma ciência totalitária; isto é, um pensamento único, que não sede espaço a outras perspectivas de futuro para a agricultura brasileira e mundial.
Infelizmente, a falta de fontes nas matérias publicadas em Veja é um fenômeno recorrente em suas edições, como na nº 1.788, de 5 de fevereiro de 2003. Na ocasião, a revista publicou, também na seção de “Geral”, o texto, assinado por Natasha Madov, intitulado “O cigarro sem nicotina”, cuja linha fina tenta, mais uma vez, legitimar os transgênicos: “Feito de fumo transgênico, pode ajudar quem quer se livrar do vício”. Ao todo, apenas duas fontes foram utilizadas, o presidente da empresa que fabricava o cigarro com nicotina transgênica, Bennett LeBow, e a chefe da divisão de controle de tabagismo do Instituto Nacional de Câncer, localizado no Rio de Janeiro, Tânia Cavalcante. Mesmo sendo um espaço destinado ao jornalismo interpretativo, a repórter elabora um texto carregado de opiniões, como “no Brasil, os consumidores têm mais medo de produtos transgênicos que do câncer causado pelo cigarro”. Mais uma vez, não se faz evidente nenhuma checagem aprofundada, muito menos uma abordagem crítica.
Até então, porém, a postura ideológica da revista Veja era tímida. Escondia-se atrás de algumas informações equivocadas aqui e acolá, bem como de enfoques discursivos parciais e tendenciosos e adjetivos depreciativos, atribuídos a entidades ligadas a organizações ambientais. Todavia, é quando o governo brasileiro levanta a possibilidade de proibir o cultivo de grãos transgênicos no País que a publicação da Editora Abril resolve mostrar as suas garras. Sem ser assinado, o texto “Problema artificial”, publicado na seção “Brasil”, assemelha-se muito mais a um artigo, ou a um comentário, do que a uma matéria jornalística interpretativa. Isso porque, além de não trazer nenhuma fonte, a favor ou contra a possibilidade de o governo federal proibir o cultivo comercial desses genótipos, o texto é repleto de frases opinativas, anexadas aos já conhecidos adjetivos depreciativos, atribuídos àqueles cujas opiniões são contrárias às manifestadas pela revista, e a uma série de informações confusas, sem pesquisas prévias, que transmitem ao leitor conceitos e fatos, por vezes, equivocados.
A todo o momento, plaina sobre o texto uma suposta condição: a de que não há como lutar contra o avanço tecnológico proporcionado pelos transgênicos. Logo, para a revista, a transgenia é uma condição inerente à evolução da agricultura brasileira. As evidências, mais uma vez, vem à tona a partir da linha fina da matéria: “Governo proíbe cultivo de transgênicos, que hoje já são 8% da safra nacional de soja”. E, em seguida, no texto: “O governo brasileiro corre o risco de se deixar enredar em um projeto sem futuro: a tentativa de bloquear o avanço tecnológico na agricultura” (VEJA, 2003, Ed. 1.793). Como podemos ver, há na linha fina e no início do primeiro parágrafo uma tentativa, por parte da publicação, em convencer o leitor de que a agricultura brasileira estará condenada ao fracasso caso não incorpore a prática da transgenia ao seu processo de desenvolvimento. Abaixo, outro trecho que deixa clara a condição expressa acima:
“Uma parcela importante do PT, incluindo Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, sonha em transformar o Brasil em território livre de produtos transgênicos. Foi o que Olívio Dutra, atual ministro das Cidades, tentou fazer quando era governador do Rio Grande do Sul. Apesar de seu esforço, 70% da safra de soja gaúcha, que começa a ser colhida na próxima semana, é de grãos geneticamente modificados” (VEJA, 2003, Ed. 1.793).
Em outro ponto, ademais, o texto ressalta os fatores que levaram os agricultores gaúchos a enfrentarem a oposição oficial: “A soja alterada em laboratório, contrabandeada da Argentina, foi cultivada no Sul do país porque oferece uma economia de 40% em relação à soja comum e tem produtividade entre 5% e 8% maior” (VEJA, 2003, Ed. 1.793). Como podemos ver, os transgênicos em Veja são abordados a partir de um viés monetarista, deixando de lado os perigos que a plantação ilegal destes organismos oferece ao meio ambiente e à saúde humana. Mais adiante, em um lapso de jornalismo, a publicação apresenta argumentação contrária à tecnologia. No entanto, engana-se quem pensa que a revista estabelecerá um debate plural, rico e democrático. Isso porque a matéria trata logo de desqualificar os discursos adversos à liberação do plantio comercial dos grãos manipulados: “A argumentação contrária é mais ideológica que técnica. Desagrada aos ambientalistas brasileiros o fato de a semente transgênica ser propriedade de uma empresa multinacional, a Monsanto” (VEJA, 2003, Ed. 1.793).
É importante ressaltar, no entanto, que este é apenas um dos vários argumentos apresentados pelos movimentos avessos aos transgênicos. Como vimos anteriormente, muitos outros argumentos fundamentam o discurso desses grupos, dentre os quais estudos que comprovaram, por exemplo, a possibilidade de genes oriundos de outros organismos, quando inseridos artificialmente em um código genético alheio, produzirem substâncias inesperadas, causando, dentre outras mazelas, reações alérgicas em quem os consome. Vale lembrar, neste caso, que, de acordo com um estudo publicado no Journal of Medicinal Food (v. 1, n. 4, 1999, p.7), a soja transgênica, tratada com o herbicida Roundup Ready, apresenta concentrações significativamente menores de fitoestrogênios, substâncias químicas das plantas, com efeitos semelhantes aos do hormônio feminino estrogênio, encontrado na soja, inhame, entre outras plantas, o que acaba por comprometer o valor nutricional da soja para aqueles que preferem o consumo da substância, tida como eficaz na proteção contra o câncer de mama e a osteoporose. Além desses argumentos, outro fato que legitima as preocupações dos críticos dos transgênicos em relação a sua liberação indiscriminada e sem controle foi o de cientistas da Agência Norte Americana de Proteção ao Meio Ambiente (EPA) comprovarem, de acordo com Frei Sérgio Görgen, que um tipo de grama transgênica (à época, só liberada para pesquisas) seria capaz de polinizar (cruzar por meio do pólen) com gramas não transgênicas até a uma distância de 21 quilômetros. A descoberta, no entender de Frei Görgen, reforça as preocupações de que o pólen transgênico possa contaminar outras gramas silvestres. Fica claro, assim, que é com base em estudos e descobertas como estas que esses grupos formam suas opiniões.
O ápice, apesar disso, vem quando a revista tenta transformar a prática da transgenia em algo comum, e, até mesmo, natural:
“Praticamente todos os alimentos cultivados pelo homem não existiam na natureza na forma que hoje se conhece. O milho plantado atualmente nas chamadas hortas orgânicas, sem pesticida nem insumos, está muito longe da planta original, que tinha apenas 3 centímetros e foi modificada geneticamente pelos índios por meio de cruzamentos. A seleção genética é parte de um conjunto de evoluções que passa pela irrigação, pela correção de solo, pela adubagem e pelo desenvolvimento de ferramentas, como o arado” (VEJA, 2003, Ed. 1.793).
De fato, já vimos aqui que há tempos o ser humano seleciona os alimentos que lhe são úteis à sobrevivência. Exemplo disso é o homem primitivo, que, com o passar do tempo, vivia, também, da colheita natural, passando a utilizar, de acordo com Bonetti (2001), as plantas como alimento. Isso fez com que ele, instintivamente, selecionasse as espécies, as reproduzindo em outros lugares, formalizando, assim, um processo de domesticação agrícola; isto é, de adaptação daquelas plantas às regiões onde eram cultivadas. Contudo, este é um processo de triagem natural – seleção de sementes mais produtivas, com sabor mais agradável ou com quantidade menor de características indesejáveis, como espinhos. Essa seleção natural, de certa forma, fez com que o homem interferisse no mecanismo de desenvolvimento dos organismos, o que também se caracteriza como manipulação genética. Todavia, prática completamente diferente é a transgenia, definida como ato de recombinação genética que anexa a um organismo genes que, biologicamente, não lhe pertencia, a fim de produzir, em seus descendentes, características adicionais às que compunham seu código genético natural. Isso porque no caso da seleção artificial, há um processo natural, longínquo quanto à adaptação. Contudo, Veja entrelaça ambos os processos, colocando-os no mesmo balaio.
Ao desenvolvê-los, os agrônomos e biólogos de empresas e institutos de pesquisa procuraram adicionar características que não era possível obter pela produção convencional de híbridos. Em vez de selecionar espécies por meio de cruzamentos naturais, os técnicos utilizam recursos da engenharia genética para melhorar a planta (VEJA, 2003, Ed. 1.793).
Com efeito, a engenharia genética não melhora a planta, mas, sim, a modifica. Até apresentar os resultados almejados, a planta é apenas um organismo manipulado geneticamente. Além disso, Veja ignora o fato de que todos os transgênicos são geneticamente modificados, mas que nem todos os organismos geneticamente modificados são transgênicos. Transgênico, novamente, é quando um organismo tem inserido em sua estrutura genética, um gene ou um material genético de outra espécie. Adiante, mais uma vez, a publicação afirma a não existência de nenhum registro de problemas envolvendo tais organismos; afirmação que, como já foi visto, é falsa. A verborragia opinativa, demasiada adjetivada e, por que não, anti-jornalística de Veja nesta cobertura chega ao ponto de afirmar que “a questão dos transgênicos é séria demais para ser entregue a gestores com o discernimento do vice-presidente José Alencar” (VEJA, 2003, Ed. 1.822). Na matéria em questão, intitulada “A planta que faz milagres”, a revista revigora a história de progresso e riqueza escrita pelas lavouras de soja no interior do Brasil, relatando, na ocasião, o sucesso de poucos grandes agricultores que investiram no cultivo de soja no interior do País. No decorrer da narrativa, Veja se encarrega de reforçar, mais uma vez, a não existência de estudos que comprovem um possível mal causado pelos transgênicos à saúde humana – a redundância é utilizada com frequência pela revista quando se trata de apresentar argumentos que favoreçam os transgênicos.
Desta vez, contudo, a revista se preocupa em colocar tal declaração na boca de um pesquisador: “`Não há estudo que tenha descoberto um mal para o consumidor ou um dano ao meio ambiente decorrente dos transgênicos´, diz o pesquisador Elíbio Rech, do departamento de recursos genéticos e biotecnologia da Embrapa” (VEJA, 2003, Ed. 1.822). Com base na fala de Rech, o autor do texto, José Edward, reduz as preocupações do então vice-presidente José Alencar a meras `superstições´. No entanto, esquece-se de ressaltar o fato, muito bem lembrado por Frei Sérgio, de os transgênicos, da forma como estavam sendo colocados no mercado, serem produto de um modelo científico em crise, criador de consequências ambientais funestas para a humanidade, servil aos donos do poder econômico e incapaz de dar respostas novas aos novos problemas que criou” (informação verbal em 25/04/2011).
Ademais, é possível observar que a revista, compulsivamente, tenta justificar o plantio comercial desses genótipos a partir de um pano de fundo construído apenas e tão somente por argumentos favoráveis à tecnologia. Em nenhum momento foi apresentado ao leitor declarações de políticos, economistas, indivíduos ligados a movimentos sociais ou organizações ambientalistas e, até mesmo, pesquisadores/cientistas avessos aos transgênicos. Muito pelo contrário: a cada edição, a publicação da Editora Abril tenta legitimar o discurso pró-transgênicos, como na matéria “O gene contra o veneno”, em que a jornalista Leandra Peres objetiva mostrar que “os alimentos geneticamente modificados ainda assustam, mas diminuem o uso de agrotóxicos e podem ser uma nova ‘revolução verde’” (VEJA, 2003, Ed 1.823). Veja não dá margem ao debate. Aos seus leitores, a revista apresenta um pensamento único. Não há mecanismos narrativos, muito menos elementos jornalísticos, que possibilitem uma análise crítica por parte do leitor, de modo que o mesmo alcance sua independência intelectual e se posicione contra ou a favor à tecnologia. Mais um ponto importante a ser destacado é o da revista, até o momento, não ter contextualizado a discussão. A partir de então, entramos em uma questão fundamental para o jornalismo.
De acordo com Clóvis Rossi (1980), um jornalista que consiga responder com exatidão o maior número possível de detalhes relevantes às seis perguntas fundamentais do famoso lide jornalístico (o quê, quem, quando, como, onde, por que), produzirá um trabalho jornalístico razoável, no mínimo aceitável. No entanto, destaca Rossi, “no universo informativo atual, uma dessas seis perguntas deveria merecer prioridade sobre as outras: por que” (1980, p.33). O porquê de um fato, explica Rossi, compreende uma investigação profunda, meticulosa, detalhista, equilibrada e, muito importante, plural quanto aos discursos. O aprofundamento do porquê de um determinado acontecimento envolve, assim, uma apuração consistente acerca de seus antecedentes e consequências.
Por ser uma publicação impressa e semanal, caberia a Veja, nesta perspectiva, uma apuração muito mais do que aceitável, haja vista que, comparada à televisão e ao rádio, a revista tem muito mais tempo para se aprofundar no contexto que cerca o fato noticiado. Não precisamos ir muito longe para exemplificar as vantagens que as publicações semanais levam sobre as diárias, no que diz respeito à apuração. Se pegarmos uma revista semanal, como Veja, e a compararmos com um jornal diário, como a Folha de S.Paulo, concluiremos rapidamente que a revista, por ir às bancas semanalmente, tem muito mais tempo para ir atrás das peculiaridades de fatos isolados. Com efeito, esta é uma das principais características que diferencia o texto jornalístico publicado em jornais diários e em revistas semanais. Quando se trata de assuntos polêmicos, como os transgênicos, o aprofundamento dos porquês, bem como a contextualização e a análise das consequências, a partir de fontes diversas e antagônicas, passa a ser uma obrigação da publicação, enquanto veículo jornalístico.
Clóvis Rossi evidencia, todavia, o fato de alguns temas, e poderíamos incluir os transgênicos neste escopo, não serem fáceis de serem abordados: “A dificuldade inicial é que também os jornalistas não podem ter uma carga universalizada de conhecimento que lhes permita escrever, com a mesma facilidade, sobre medicina, energia nuclear e meio ambiente” (1980, p.36). A lacuna, oriunda da ignorância do repórter em relação a certos temas cuja complexidade ultrapassa a capacidade do mesmo em abordá-lo, deve, nesse sentido, ser preenchida por discursos de especialistas. Contudo, uma vez inserida, no caso dos organismos transgênicos, uma declaração de um especialista que, a partir de um argumento técnico, mostra-se favorável à liberação do plantio comercial desses genótipos, uma nova lacuna se forma, sendo esta, desta vez, referente ao discurso daqueles contrários ao plantio. São estas as lacunas que fazem das matérias publicadas em Veja incompletas, tendenciosas e, sim, manipuladoras, visto que salta aos olhos as intenções da revista em calar; ou melhor, em não dar voz às perspectivas construídas pelos movimentos de oposição aos transgênicos.
Ademais, durante o período analisado, os transgênicos foram matéria de capa da revista apenas uma vez, número que pode ser considerado suficiente para a construção de um contexto para a discussão que Veja, há tempos, vinha estabelecendo com os seus leitores. Seria, também, uma ótima oportunidade para a publicação se retratar com as premissas do jornalismo interpretativo, visto que ela (Veja) as vinha descumprindo escancaradamente. Antes da análise deste texto, entretanto, seria interessante, mais uma vez, construirmos uma pequena base teórica acerca do conceito de “reportagem”. Para tanto, utilizaremos as considerações de Felipe Pena, que, em Teorias do Jornalismo, nos brinda com uma série de definições sobre o que é uma reportagem. Segundo João de Deus Corrêa, relata Pena, a “reportagem é um relato jornalístico temático, focal, envolvente e de interesse atual, que aprofunda a investigação sobre fatos e seus agentes” (2007, p.75). Para Nilson Lage, entretanto, reportagem “é a exposição que combina interesse do assunto com o maior número possível de dados, formando um todo compreensível e abrangente” (idem, p. 76). Para ele,
a reportagem compreende desde a simples complementação da notícia – uma expansão que situa o fato em suas relações mais óbvias com outros fatos antecedentes, consequentes ou correlatos – até o ensaio capaz de revelar, a partir da prática histórica, conteúdos de interesse permanente (idem).
À primeira vista, é possível notar que a reportagem de capa da revista Veja sobre os transgênicos diferencia-se da dos demais textos, publicados até então, a principio, pelo tamanho: longos dez parágrafos, enquanto que os textos anteriores reservavam um espaço de, no máximo (e apenas), três parágrafos, o que, em toques, gera pouco mais que três mil caracteres. Nas análises anteriores, foi possível constatar, também, que o espaço destinado aos transgênicos foi insuficiente, de modo que a revista não foi capaz de ir além dos fatos, acontecimentos, descobertas e/ou invenções ligadas à transgenia, bem como explicar, contextualizar as hipóteses, as teorias, os debates e as principais dúvidas que rondam esta nova tecnologia. Até então, Veja não havia sido competente o suficiente para mostrar, indagar e comentar não só as ideias científicas, mas, também, os métodos e os processos da ciência ligada aos organismos manipulados. Sendo assim, espera-se que, em uma matéria de capa, tais lacunas sejam preenchidas e que a revista, de uma vez por todas, cumpra como seu papel de informar o leitor em relação a todos os entraves anexados ao debate. De acordo com Filho (1993, p.97), no entanto, a elaboração redatorial contemporânea “trabalha sob o ritmo da compressão. Deve-se suprimir notícias longas e as matérias não devem ter mais do que três parágrafos. Assim elas devem pulverizar-se em pequenos drops informativos”.
O texto em questão intitula-se “Transgênicos, os grãos que assustam” e é assinado por Felipe Patury e Diogo Schelp. Sem linha fina, a matéria apresenta-se da seguinte maneira:
Todo grande avanço científico, quando é bom, parece mágico num primeiro momento. Passado algum tempo, acaba sendo incorporado como prática rotineira, e ninguém consegue pensar como seria viver sem ele. Em meados do século 19, a mortalidade entre as mulheres grávidas era altíssima, simplesmente porque os médicos mexiam em cadáveres e depois realizavam os partos – sem lavar as mãos. A assepsia com uma solução de cloreto de cal reduziu a mortalidade das parturientes a menos de um décimo do que era antes. Milagre! Mais ou menos na mesma época, surgiu a anestesia, dando às pessoas o direito de ser tratadas sem sentir dor. Uma bênção. Agora imagine a vida sem assepsia ou anestesia (VEJA, 2003, Ed 1.826).
Se ainda havia esperança na possibilidade de a revista Veja apresentar um relato plural, equilibrado e esclarecedor do debate político/ideológico envolvendo os transgênicos, agora, mais do que nunca, concluímos que o único objetivo da revista é o de legitimar o plantio comercial dos organismos transgênicos a partir de estratégicas conflitantes com os preceitos éticos da profissão. Para tanto, a publicação coloca a transgenia, tecnologia cujas aplicações, até hoje, não são consideradas indispensáveis à vida humana, no mesmo patamar de avanços científicos que renderam contribuições significativas à humanidade e que, há tempos, salvam vidas – no caso, a assepsia e a anestesia. Em seguida, a revista exalta os transgênicos: “No capítulo dos grandes avanços, as experiências genéticas envolvendo a fauna e a flora parecem ser aquilo em que mais perto a ciência chegou da alquimia. É mágica pura” (VEJA, 2003, Ed 1.826). O eixo narrativo do texto, apesar de se tratar de uma reportagem de capa, é o mesmo dos textos anteriores, difere-se, apenas, pelo fato de os autores terem um espaço maior para justificarem suas opiniões e posições ideológicas. Como sempre, os textos publicados em Veja apresentam um uso carregado de adjetivos. Por exemplo, ao minutar que o governo Lula havia decidido que o registro de um produto transgênico só seria concedido se passasse por cinco instâncias governamentais, os autores do texto afirmam: “Na semana passada, o governo Lula encenou um espetáculo lamentável” (idem). Mais adiante, mais uma vez, atacam a iniciativa do governo: “Trata-se de um pesadelo kafkiano” (idem). E, novamente, mais adiante: “Marina quer simplesmente banir os transgênicos do mapa e, para atingir esse objetivo, se cercou de aliados ecoxiitas no ministério” (idem). Já nos encontramos no segundo parágrafo, e nada mais foi feito pela revista senão uma série de acusações aos que são contra os transgênicos dentro do governo e tentativas e mais tentativas de legitimar a liberação do plantio comercial desses organismos. Nenhuma fonte, até este momento, foi ouvida. Contudo, a revista mostra-se preocupada em evidenciar o viés ideológico que ronda o debate. Para tanto, relata:
A oposição aos transgênicos não se limita, no entanto, a movimentos preocupados com a saúde das pessoas e o equilíbrio do meio ambiente. Ela é engrossada por opositores ideológicos, para os quais as grandes empresas multinacionais que produzem transgênicos passariam a ter controle, através do domínio dessa técnica, sobre a agricultura dos países pobres. A relação comercial cotidiana é apresentada como uma transação que reúne musculosas companhias fornecedoras de semente transgênica, todas estrangeiras, e fracotes agricultores de países em desenvolvimento, como o Brasil (VEJA, 2003, Ed 1.826).
Segundo Rogério Chaves, coordenador editorial da Fundação Perseu Abramo, o MST foi um dos primeiros movimentos sociais a chamarem a atenção para o tema no Brasil, reunindo técnicos, cientistas, pesquisadores e trabalhadores rurais para discutir os transgênicos a partir da perspectiva da exploração do capital internacional, dependência tecnológica do campo brasileiro às transnacionais de sementes e veneno, soberania alimentar e saúde pública (informação verbal em 11/03/2011). Mesmo assim, Veja em momento algum deu voz ao Movimento. Muito pelo contrário: o ataca, e reafirma a sua posição e a base de sua narrativa monetarista ao afirmar, sem pudor, que “investir em biotecnologia tem-se revelado um bom negócio para as companhias” (VEJA, 2003, Ed 1.826). Em seguida, a fim de rebater e derrubar as críticas do MST, a revista ressalta as vantagens financeiras em cultivar sementes transgênicas, chamando a atenção para o poder da Monsanto:
nos EUA, chegou à conclusão de que, em 1999, o plantio de soja transgênica resultou em um excedente de 2,7 bilhões de reais em toda a cadeia. A maior parte desse dinheiro, 55%, ficou com a Monsanto; os outros 45% foram distribuídos pelos milhares de fazendeiros que plantaram as sementes modificadas. Apesar das críticas do MST, nenhum produtor rural é obrigado por quem quer que seja a plantar transgênicos. Compra grão modificado quem quer. Quem não quer compra as sementes comuns. O atrativo é o aumento de lucratividade. Os estudos mostram que, em troca de royalties, as empresas oferecem aos fazendeiros lucro que pode ser até 25% maior do que aquele que obteriam se cultivassem a lavoura com sementes comuns” (VEJA, 2003, Ed 1.826).
Ao afirmar “compra grãos modificados quem quer. Quem não quer compra as sementes comuns”, Veja oculta o fato, elucidado por Rogério Chaves, de, na época, trabalhadores estarem sendo vítimas de uma relação injusta, em que só podiam comprar sementes de fornecedores transnacionais, que comercializavam grãos carregados de modificação genética sem qualquer comprovação dos males que certamente causariam à saúde do povo brasileiro (informação verbal em 24/03/2011). Chaves relata, ainda, que o MST convidou vários especialistas para tratar do assunto, seja nas suas atividades formativas, seja nas publicações da época. No entanto, afirma, não me lembro de haver um interesse, por parte da grande mídia, em falar com o Movimento sobre o tema (informação verbal em 24/03/2011). Cientista social, Rogério Chaves, que atualmente, como já foi dito, é coordenador editorial da Fundação Perseu Abramo, uma instituição ligada ao Partido dos Trabalhadores (PT), instituída por decisão do diretório nacional, cuja editora tem como missão publicar e fazer circular livros e outros materiais que sirvam para a reflexão política e cultural do País, explica que os argumentos do Movimento estão vinculados, fundamentalmente, ao atrelamento de pesquisas a empresas transnacionais ligadas à produção de veneno; aos males que cientistas de saúde apontavam nas gerações futuras (afinal, algumas sementes tinham o poder de eliminar qualquer tipo de vida de insetos na área produtiva em que se plantava); e à dependência econômica que os trabalhadores e trabalhadoras teriam com estas empresas transnacionais (informação verbal em 24/03/2011). Todavia, relata, a velha mídia nunca prestou a devida atenção às opiniões e provocações do Movimento nem de qualquer outro grupo que desafiou a chegada deste tipo de mudança na produção da agricultura do país. Distorcida? Sempre que possível. Plural? Nunca. Ideológica? Sempre. Esclarecedora? De jeito nenhum (informação verbal em 24/03/2011), ressalta.
Coincidência ou não, também é notória, na maioria das edições da revista, a presença de anúncios publicitários da própria Monsanto. Notamos, nesse sentido, que a publicação, assim como qualquer empresa privada, visa, sobretudo, o lucro. Seu crescimento depende, por conseguinte, dos anúncios que publica e não mais única e exclusivamente dos leitores que a lê. Logo, surge a dúvida: como uma empresa jornalística, como a Editora Abril, que, para sobreviver, depende do dinheiro dos anunciantes, pode realizar um jornalismo independente? A resposta é: ela não é independente. Para ser independente ela precisaria apoiar-se em bases econômicas próprias, obtendo seus lucros sem ser subvencionada. “Não pode servir ao público que a apoia, se estiver ligada a alguém que a manobra” (BOND, 1959, p.3). Se a imprensa prega um discurso que garante à sociedade o pleno desenvolvimento de sua função social; ou seja, informar, é inadmissível que os interesses dos anunciantes se sobressaiam ao compromisso firmado entre veículo e leitor. Contudo, esta premissa não se aplica a Veja.
Em suma, a revista, em sua mais importante (e mais extensa) reportagem, mais uma vez contradisse o Código de Conduta da própria empresa que a produz. O Grupo Abril afirma, explicitamente, que sua missão é a de contribuir para a difusão de informação, cultura e entretenimento, para o progresso da educação e a melhoria da qualidade de vida. Para tanto, pauta-se nos seguintes pressupostos: respeito às leis e reconhecimento de sua responsabilidade perante a sociedade brasileira pela publicação e disseminação de informações corretas, isentas e produzidas em boa-fé. Em outro ponto, o Código é ainda mais incisivo: “O Grupo Abril repudia qualquer tipo de descriminação ideológica, condição socioeconômica e rejeita toda e qualquer agressão aos Direitos Universais do ser humano”. Ora, de que maneira tais tópicos podem ser seguidos e, principalmente, cumpridos, se a publicação, e seus jornalistas, rejeitam fundamentos éticos da profissão?
O jornalista, por mais capacitado que possa ser, condenará suas horas de trabalho ao fracasso, caso não tenha uma conduta ética sólida, transparente e se não for capaz de buscar a máxima aproximação possível da verdade. E aí, pode-se afirmar que o conceito de verdade passa a ser o principal compromisso do jornalista, pois ele engloba uma série de outros princípios básicos que compõem um acordo implícito com o público. Esses princípios, segundo Fraser Bond, podem ser listados da seguinte forma: a imprensa deve ser Independente; Imparcial; Exata; Honesta; Responsável e Decente (ANDRADE, 2010, p.6).
Além desses princípios, seria importante acrescentar à lista de Bond a pluralidade. A matéria de capa da revista sobre os transgênicos, por exemplo, com pouco mais de treze mil caracteres, não trouxe nenhuma fonte. Logo, não seria exagero afirmar que o texto, como um todo, assemelha-se muito mais a um panfleto publicitário/ideológico, intencionalmente camuflado de texto jornalístico analítico/interpretativo, do que a uma matéria crítica, plural, contextualizada e esclarecedora. A revista Veja, com base nesta perspectiva, engana o leitor, fazendo com que ele acredite que esta sendo informado jornalisticamente, quando, na verdade, esta lendo uma interpretação tendenciosa, equivocada (em vários pontos), solilóquia, ideológica, taxativa; afinal, trata-se de uma narrativa demasiadamente adjetivada, e que, por isso, atribuí aos atores inseridos no debate características que os fazem assumir posições favoráveis ou contrárias à transgenia tendo como base argumentos reduzidos à superficialidade pela revista, e anti-jornalística.
O jornalismo é um instrumento democrático de conscientização e esclarecimento, fornecedor de informações e mediador de debates públicos, sendo o porta-voz dos desamparados. O jornalista precisa estar ciente de que sua função é, por meio do relato mais próximo possível da verdade, subsidiar a população, para que, a mesma, alcance sua independência intelectual (ANDRADE, 2010, p. 5).
A revista continua perpetuando suas opiniões, transfiguradas de textos jornalísticos interpretativos, a respeito dos transgênicos nas reportagens subsequentes. No texto “A soja ideológica”, publicada na seção “Economia e Negócios”, por exemplo, podemos, mais uma vez, verificar as estratégias da revista em criar personagens antagônicos quanto às suas intenções e ações, de modo a reduzir os fatos, e até mesmo o debate, às ideologias, superficializadas pela revista, dos mocinhos (pró-transgênicos) e dos bandidos (contra os transgênicos). O texto acima citado, além de não ser assinado, o que evidência uma prática rotineira de Veja em publicar matérias sem assinatura, fato que faz da revista uma publicação repleta de editoriais, que, por sua vez, abordam temas de áreas das mais variadas, lançando à sociedade opiniões que vem ao encontro dos interesses de um pequeno grupo de indivíduos – neste caso, podemos salientar, facilmente, dois deles: a Monsanto, interessada na liberação do plantio comercial dos organismos transgênicos; e a própria Veja, que publica os anúncios da Monsanto, recebendo da mesma subsídios financeiros para manter a revista –, traz em sua linha fina a seguinte afirmação: “Deputado petista pró-transgênicos leva a melhor sobre a ministra natureba” (VEJA, 2003, Ed.1.829). Logo em seguida, a publicação traz duas fotos, reproduzidas lado a lado, do então deputado gaúcho Paulo Pimenta, do PT, e da ex-ministra Marina Silva, na época, também do PT. É curioso, no entanto, a maneira como as imagens são apresentadas ao leitor: diferentemente da foto do deputado Paulo Pimenta, a da ministra Marina Silva, capturada pela lente de Fabio Motta, além de estar carregada de atribuições negativas, construídas pela própria Veja nas matérias anteriores, traz uma Ministra com um semblante ríspido, agressivo, antipático, desagradável aos olhos dos leitores.
O texto, por sua vez, traz as mesmas características dos anteriores: nenhuma fonte é ouvida, um primeiro parágrafo que se preocupa, no caso, em reverenciar a atitude do deputado gaúcho, de acordo com a matéria, “um petista de tipo raro – é o único, pelo menos até agora, a defender abertamente os transgênicos” (idem), e um segundo parágrafo que apela para adjetivos negativos (levando em consideração o contexto em que foram inseridos), como no trecho abaixo:
A medida provisória, nos termos em que foi aprovada pela Câmara, é um avanço, mas, como a discussão sobre o assunto começou atrasada, criou-se uma situação esquizóide: está tudo liberado, mas só até a próxima colheita, em 2004. A votação representa nova derrota para a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que é contra todo e qualquer transgênico e ficou especialmente irritada com a autorização para a pesquisa. Ela supõe que se trata de um passo para a legalização definitiva da soja transgênica. Pode até ser que venha a acontecer, mas isso não retira o caráter medieval, pré-iluminista, de sua posição contrária à pesquisa científica (VEJA, 2003, Ed.1.829).
Veja atenta-se, ainda, em montar um quadro em que faz saltar às vistas “o avanço gaúcho”. Antes de apresentar os números deste avanço, no entanto, a publicação apresenta a seguinte declaração: “Enquanto o Congresso Nacional debate medida provisória, projeto de lei e instalação de CPI sobre a soja transgênica, a semente se espalha pelo Rio Grande do Sul, o terceiro maior produtor do grão no país” (VEJA, 2003, Ed.1.829).
É importante destacar, aqui, o fato de a cobertura dos transgênicos feita, até então, pela revista Veja seguir uma organização narrativa cujos elementos figurativos são muito bem explorados por José Luiz Aidar Padro e Sérgio Bairon. De acordo com os pesquisadores, a narrativa jornalística “tem na figuralidade um dos pilares para a criação do efeito de realidade e de veridicção, ao mostrar o enunciador saber do que fala, demonstrando que apresenta melhor os fatos do mundo e sabe mais do que outros veículos” (in LAGO; BENETTI, 2010, p.252). Ainda segundo Padro e Bairon, os veículos de comunicação, frente ao processo de construção de contratos de longa duração com os seus leitores, procuram reforçar suas posições política/ideológica ao retratarem os fatos e os discursos do mundo social. Para isso, utilizam-se das mais variadas estratégias discursivas, dentre as quais, a mais comum: enquanto certos valores são euforizados, outros são descartados. Com base nesta perspectiva, o “Outro”; isto é, os que proclamam discursos avessos aos efeitos de realidade que os veículos estão dispostos a construir, ou que defendem valores alheios aos que os mesmos julgam ser legítimos, é resguardado, qualificado de exótico e, em certos (ou muitos) casos, ocultado. Esta estratégia facilita, no entender de Landowski (2003 apud PADRO; BAIRON in LAGO; BENETTI, 2010), sua inscrição como “inimigo”. Sendo Veja nosso objeto de análise, é importante ressaltar uma de suas mais importantes armas; ou seja, seu agente de sucesso na construção de seus “saberes”: o significante de vitória. “Na construção simbólica do Outro, o significante de vitória é sempre delineado na mídia semanal, e em especial em Veja, a partir da apresentação de figuras de sucesso no mundo do dinheiro” (PADRO; BAIRON in LAGO; BENETTI, 2010, p.253), fenômeno perceptível nas matérias “A planta que faz milagres”, já analisada aqui, e “A rota dos transgênicos” – texto que analisaremos a seguir. Esta tendência narrativa, além de fomentar práticas individualistas, se intensificou nos anos de 1990, quando o pensamento único neoliberal acentuou-se.
Além deste artefato discursivo, Veja, com vistas à legitimação de sua construção ideológica da realidade, utiliza-se de outra estratégia muito bem observada por Padro e Bairon.
Por vezes, a revista passeia pelo mundo examinando outras circunstâncias e situações, consideradas melhores (como a norte-americana) ou piores que as brasileiras (como a boliviana e colombiana), dando ao leitor a impressão de um saber amplo e verdadeiro, na medida em que conhece o que se passa no mundo (PADRO; BAIRON in LAGO; BENETTI, 2010, p.260).
Com isso, segundo os dois teóricos, Veja tenta se colocar na vanguarda da informação, efeito que tende a se manter mesmo a revista não citando as fontes e os dados empregados em suas argumentações. Este elemento narrativo foi utilizado em praticamente todos os textos estudados até aqui. Exemplo disso são as referências feitas à Índia, que vinha desenvolvendo variedades de batatas transgênicas; aos EUA, que há tempos desenvolvem estes organismos, enviando, inclusive, “doações” de alimentos modificados a países mais pobres, e produzem cigarros feitos a partir de organismos manipulados; à Argentina, que forneceu grãos ilegais a brasileiros no sul do País; e à multinacionais como a Monsanto, empresa americana que, segundo a própria Veja “desenvolveu e patenteou as sementes transgênicas – e agora quer receber royalties pelos resultados das safras colhidas a partir do uso de sua tecnologia” (Veja, 2003, Ed.1.831). O próprio estado do Rio Grande do Sul é citado pela revista como região brasileira em que a situação dos transgênicos é melhor que a do resto do País.
Estudos recentes citados por Prado e Bairon constatam, ainda, que estes elementos, utilizados demasiadamente pela revista, são frutos de um mapeamento das tendências do capitalismo, que aponta como pensam e agem os homens cuja competência máxima é saber ganhar dinheiro e dominar as dinâmicas do mercado global, a partir da ação individualista, não coletiva, fomentada pelo livre comércio e o Estado mínimo. Tal narrativa, como já foi visto anteriormente, pode ser encontrada em matérias já analisadas, como “A planta que faz milagres”. Todavia, Veja é perspicaz e, por isso, sabe que a redundância é um componente fundamental para a criação de falsas verdades absolutas. Sendo assim, utiliza-se das mesmas estratégias no texto “A rota dos transgênicos”, escrita por Malu Gaspar. O personagem principal, nesta “reportagem”, é Beno Arns, um fazendeiro de 70 anos que possuía, na época, uma propriedade de 1.100 hectares em Cruz Alta, interior do Rio Grande do Sul. O texto apresenta-se da seguinte maneira:
“Arns, olhos azuis e rosto avermelhado pelo sol, está entre os primeiríssimos agricultores gaúchos que conheceram o que parecia promessa de alquimista: a soja transgênica. Em 1993, ele viajou para os Estados Unidos e ouviu falar da semente que, geneticamente alterada, resistia a fungos. No ano seguinte, em visita à fazenda de seu irmão na Argentina, voltou a ouvir falar da tal soja, numa versão que resistia aos agrotóxicos. Curioso incorrigível, pediu que lhe mandassem uma amostra. Corriam os primeiros meses de 1995 quando recebeu três sacos com sementes da Argentina. Plantou tudo, para testar. Na safra, colheu 64 sacos de soja, sem precisar recorrer a defensivos agrícolas, o que reduziu o custo. Um resultado animador. Distribuiu as sementes a agricultores amigos – e assim, movido pelo ímpeto de desbravar e conhecer, Beno Arns nem supunha que estava semeando uma polêmica nacional” (Veja, 2003, Ed 1.831).
O texto como um todo, exposto pela Veja como um relato da entrada dos grãos modificados no País, desenvolve-se a partir de uma narrativa publicitária, cujo objetivo maior é promover a nova tecnologia, bem como os agricultores que a utiliza em suas plantações. Como não poderia deixar de ser, em Veja, apenas os militantes favoráveis aos transgênicos são retratados, ouvidos e, a partir daí, exaltados. A revista se encarrega, inclusive, de reportar aos seus leitores pequenos detalhes, tais como os adesivos colados nos carros dos empresários agrícolas gaúchos: “não existe polêmica, dúvida ou receio. Eles (os agricultores) são todos inteira e militantemente favoráveis à transgenia”, afirma a jornalista. “Como propagandeiam os adesivos que levam nos vidros dos carros. ‘100% transgênico’, diz um deles, com desenho de vagens de soja. ‘Fome Zero só com 100% transgênico’, avisa outro” (Veja, 2003, Ed 1.831). A revista preocupa-se em evidenciar, também, o fato de ter percorrido 1.500 quilômetros no interior do Rio Grande do Sul, visitado cinco cidades e conversado com vinte produtores rurais no coração da transgenia brasileira, mas esquece-se que, diante da práxis jornalística, de nada adianta a quantidade de entrevistados se todos compartilham dos mesmos argumentos ou se o jornalista (no caso, a jornalista) reproduz em seu texto final a opinião de apenas uma parcela reduzida dos discursos, ao passo que oculta os que se mantêm contrários aos argumentos dos primeiros. A repórter, ademais, em mais uma tentativa de desqualificar o MST, afirma que “a sedução pelos lucros” dos transgênicos atraiu até agricultores de setores de onde menos se esperava; isto é, gente ligada ao MST, que, segundo a revista, em 2001, chegou a destruir plantações em protesto contra o cultivo de soja geneticamente modificada.
Hildo Lorenzetti, um pequeno agricultor de 44 anos, não se arrepende da opção. Membro do MST, em 1994 ele recebeu um lote de 25 hectares no assentamento de Nova Ramada, noroeste do Estado. Três anos depois, ele e um colega souberam da novidade que corria à boca pequena entre os produtores, mas também conheciam a posição do MST sobre o assunto. Ainda assim resolveram arriscar. Lorenzetti conseguiu um saco de semente transgênica, que escondeu no mato. “Havia muita pressão psicológica contra a soja transgênica, falavam que a gente ia perder a terra, que não podia plantar”, lembra. Seu companheiro, menos cuidadoso, foi descoberto e obrigado pela direção do MST a jogar fora toda a soja que já estava plantada. “Ele foi obrigado a roçar toda a plantação e perdeu tudo. Tu já imaginou o que é isso?”, relembra (Veja, 2003, Ed 1.831).
Como ressalta Padro e Bairon (in LAGO; BENETTI, 2010, p.272), “o MST é um dos poucos movimentos sociais que têm visibilidade na mídia semanal, mas resulta visível ao preço de ser estigmatizado e negativizado”. Sendo assim, sempre que possível, explicam os pesquisadores, Veja constrói sentidos que ligam o Movimento ao medo, de modo a afirmar, nas entrelinhas, que o anti-sujeito MST é perigoso, reacionário, radical, extremista, violento, etc. “Também as demais vozes trazidas nas matérias qualificam o MST como sem-lei” (idem). No texto descrito acima, é possível notar que a publicação utiliza-se desta estratégia para minimizar a postura do Movimento frente à polêmica envolvendo os transgênicos, colocando o MST na posição de um ditador do campo. Rogério Chaves lembra, no entanto, que o Movimento, na luta pela organização dos pobres, prestigiou a formação e politização de lideranças, colocando os trabalhadores organizados em posição de certo empoderamento diante, por exemplo, dos Incras da vida, dos ministérios do período FHC, que nunca os recebia, e do período Lula, que os tratou de maneira diferente, com a dignidade merecida (informação verbal em 24/03/2011). De acordo com Chaves, o Movimento é marginalizado pela velha mídia porque a comunicação, no Brasil, é um instrumento das classes dominantes, das elites brancas e urbanas, preconceituosas contra tudo que poderia servir para a emancipação do povo (informação verbal em 23/03/2011). O jornalista, teólogo e escritor Carlos Alberto Libâno Christo, mais conhecido como Frei Betto, em entrevistas passadas, identificou os mesmos problemas. Para ele, “o jornalismo serve para fortalecer a desigualdade ou favorecer os que lutam por uma sociedade mais justa”. O Velho Marx, continua, “já ensinava que em uma sociedade dividida em classes, a ideologia que a domina tende a ser a da classe mais poderosa, que oprime as demais. E essa ideologia é disseminada, sobretudo pela mídia, a serviço dos donos do dinheiro” (ANDRADE, 2010, p.5).
Chaves relembra, ainda, que pelos idos do ano 2000, provocados por alguns professores universitários apoiadores do MST e da luta pela terra, o Movimento propôs encontros de formação com jovens estudantes recém-formados ou em seu último ano de curso sobre a realidade brasileira e a luta pela terra. Via-se que dificilmente haveria diálogo adequado com os jornalistas das redações dos veículos da mídia. Então, o melhor seria investir na informação para aqueles que ainda não estavam naqueles ambientes, às vezes nocivos à independência de opinião e à crítica. Esses cursos de formação cresceram com o apoio de muitas instituições universitárias, felizmente (informação verbal em 24/03/2011). Nota-se, assim, que o enunciador de Veja, de um modo geral, “é forte, premonitório, sempre assumindo a posição de sabedor da verdade, de guardião da razão, munido de soluções contra um movimento social retratado como criminoso e revolucionário” (PRADO; BAIRON in LAGO; BENETTI, 2010, p.272). Tal postura mantém-se firme e inalterada em toda a cobertura da revista sobre os transgênicos e, assim como quando trabalha assuntos ligados ao MST, Veja também tenta construir sentidos ligados ao medo quando retrata a possibilidade de o governo brasileiro proibir a plantação comercial dos genótipos modificados. No texto “Mais confusão”, publicado na seção “Brasil” e, novamente, sem assinatura, salta aos olhos o tom prepotente da revista.
O texto da lei, defendido pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, irá agora ao Senado e ainda pode sofrer alterações. Se aprovado como está, no entanto, entregará a um conselho político decisões de caráter técnico. Além disso, estimulará a morosidade, já que dificilmente se obterá consenso num colegiado tão grande. As leis bem-feitas ajudam a solucionar conflitos em campos em que, pela falta de regras, prevalecem a confusão e a dúvida. No Brasil, frequentemente as leis produzem o efeito inverso, geram instabilidade. Sempre que isso ocorre, a sociedade paga caro. Um exemplo é a Consolidação das Leis do Trabalho. Criada para proteger os trabalhadores, é apontada como um componente importante do desemprego. Repetiu-se a confusão com a lei de biossegurança (Veja, 2004, Ed 1.840).
Nenhum membro do conselho que, na época, seria responsável pela análise dos produtos transgênicos que poderiam ser vendidos foi ouvido. Nem mesmo a ministra Marina Silva, defensora do projeto de lei, foi procurada pela revista para dar a sua versão dos acontecimentos. Veja, simplesmente, relatou o fato e, a ele, anexou sua opinião. Outra característica dos textos publicados pela revista acerca dos organismos manipulados é a de descontextualizar a declaração dos especialistas, de modo que suas falas legitimem a opinião da revista. Exemplo disso pode ser encontrado no texto “A solução chamada transgênicos”, publicado em dezembro de 2004 na edição especial de retrospectiva da revista. Na ocasião, o jornalista, desconhecido, pois não há assinatura, utiliza a seguinte linha fina para, mais uma vez, tentar elevar os transgênicos ao plano natural: “Alimentos geneticamente modificados são mais antigos do que se imagina – e mais os benefícios ao meio ambiente”. O texto, logo de cara, apresenta a declaração de uma pesquisadora:
“Os transgênicos existem há mais tempo do que a maioria das pessoas imagina. `Há 80 anos a humanidade consome produtos com algum tipo de alteração genética´, diz a geneticista Maria Helena Zanettini, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul” (Veja, 2004, Ed.1.885).
A frase da pesquisadora, descontextualizada de seu raciocínio apresentado a Veja, por si só, coloca os dois métodos de seleção no mesmo balaio. Contudo, como já foi visto, há uma expressiva diferença entre as alterações genéticas frutos da seleção natural e da recombinação genética via transgenia.
Assim, em linhas gerais, Veja, em sua cobertura sobre os organismos transgênicos, não cumpriu com sua função social enquanto veículo jornalístico de comunicação de massa. Não porque se posicionou de modo favorável ao plantio comercial de sementes modificadas e a continuação de pesquisas acerca da transgenia. Afinal, como vimos anteriormente, não há imparcialidade no jornalismo, nem mesmo no científico. Ao darmos início à análise da cobertura da revista já esperávamos um posicionamento da mesma, a favor ou contra esta tecnologia. Contudo, independente do posicionamento político/ideológico da publicação em relação ao tema, alguns preceitos precisavam ter sido seguidos, tanto do ponto de vista da ética quanto do jornalismo. Fábio Cardoso Marques, com muita propriedade, afirma, no entanto, que as características da cobertura da revista Veja acerca dos transgênicos aqui ressaltadas fazem parte de um conjunto de estratégias dos grandes veículos de comunicação para fixar padrões de pensamento como “clichês” ou preconceitos. Para isso, os repetem até se fixarem como verdades incontestáveis.
Os grandes veículos de comunicação preferem, na maioria das vezes, utilizar um jargão jornalístico formado por uma conceituação funcional ou operacional, desvalorizando o pensamento conceitual não funcional ou crítico; isto é, aquele que consegue perceber os elementos que compõem um objeto ou um fato e suas contradições, que são comuns nas sociedades capitalistas. Esses meios de comunicação, de um modo geral, apresentam fatos e ideias sem maiores contextualizações ou relações que lhes possam dar um sentido histórico, e passam, assim, a fixar padrões de pensamento […] pertencentes a um universo unidimensional da locução (in COELHO; CASTRO, 2006, p.44).
Em suma, além dessas características, Marques relata, ainda, que é frequente nos grandes jornais e revistas, e podemos incluir Veja neste balaio, a defesa da lógica pragmática da administração de recursos econômicos como premissa básica para investimentos sociais. Em outras palavras, significa justificar a ineficiência de medidas políticas que resolvam problemas sociais tendo como argumento razões de ordem econômica. Tal prerrogativa aplicou-se, também, na cobertura da revista sobre os organismos manipulados. Diante da preocupação de setores da sociedade acerca dos riscos que os transgênicos oferecem ao meio ambiente e a saúde humana, Veja ressalta o desempenho do País em termos macroeconômicos, bem como sua estabilidade financeira caso nossa agricultura adote a transgenia ao seu processo de desenvolvimento. Com isso, Veja “reforça uma presença hegemônica da razão instrumental e de seu pensamento estratégico” (idem, p.47), ocultando, dessa forma, a discussão de alternativas políticas que coloquem o ser humano como objeto central. Com este tipo de narrativa, Veja deixa à margem da discussão questões sociais que têm como base perspectivas de desenvolvimento humano e de cidadania, compreendida, neste caso, pela participação ativa da sociedade acerca do debate sobre o plantio comercial de organismos transgênicos, bem como do desenvolvimento de pesquisas na área.
Trata-se, nesse sentido, de uma cobertura rasa, com um discurso simplista, que, além de defender uma ciência totalitária, se preocupa, apenas, com uma área da desta ciência: a biotecnologia, ignorando, por conseguinte, os determinantes sociais envolvendo a aplicação dos transgênicos à nossa agricultura e, consequentemente, à nossa dieta alimentícia. Além disso, vale ressaltar que a biotecnologia abordada em Veja fora reduzida à de laboratório, que, no entender de Frei Sérgio Görgen, se aproveita do melhoramento genético realizado pelas comunidades camponesas e pelos melhoristas tendo como base nossa fantástica biodiversidade vegetal e animal, para comercializar a tecnologia. Frei Görgen lembra, ainda, que essa biotecnologia de laboratório, por razões certamente impublicáveis, restringe-se à defesa sectária de aplicações tecnológicas controladas por poucas grandes multinacionais, de modo a demonstrarem cegueira científica ou comprometimentos de outra ordem, camuflados de defesa da ciência. Em nome do avanço da ciência, o que estão defendendo, na prática, é uma técnica de laboratório limitada à manipulação genética de interesse comercial, controlada por monopólios econômicos. Estão promovendo produtos tecnológicos de alto risco, mercantilizados sem controle ético, sem testes de médio prazo, sem análises de biossegurança, sem avaliação de potenciais bioriscos, sem avaliação de impactos na biodiversidade e, o que é pior, colocando o interesse de lucro de grandes empresas acima da proteção da vida, ignorando por completo, portanto, a bioética (informação verbal em 25/04/2011).
Veja confunde, assim, o princípio da precaução adotado pelos contrários aos transgênicos com questões de cunho ideológico, deixando à margem de sua cobertura o fato de o chamado fluxo gênico e a consequente poluição genética já serem, na época, um problema real. Logo, diante da perspectiva de um futuro favorável à introdução da transgenia no processo de desenvolvimento agrícola brasileiro, Frei Sérgio Görgen alerta: caso algum problema grave venha a ser constatado, tanto em relação à produtividade agrícola, à doença de plantas, à microbiologia do solo ou à saúde humana teremos enormes dificuldades de dar marcha ré. Qualquer processo de descontaminação será caro, difícil e demorado. Por isto impõe-se o princípio da precaução. Antes de liberar comercialmente, procedam-se exaustivos estudos de biossegurança. Chegou a hora das ciências, no plural mesmo, com abordagem transdisciplinar, holística, ampla, integral, debruçarem-se e pesquisarem o conjunto das questões envolvidas no tema, de modo a pôr um fim no método científico reducionista, centrado na segmentação do objeto e na crença cega no determinismo genético, cujos adeptos provêm de uma escola científica incapaz de praticar a transdisciplinariedade, pouco afeita a reconhecer a complexa interação entre os sistemas vitais (informação verbal em 25/04/2011).
Considerações finais
A partir das considerações de Eugênio Bucci (2000), podemos afirmar, com base nas análises aqui estabelecidas, que Veja, monologa, estando vinculada aos interesses políticos de famílias oligárquicas, deforma o espaço público, bem como o debate maduro e responsável em torno de questões polêmicas de interesse coletivo, como os transgênicos, haja vista que sua cobertura foi marcada pela disseminação deliberada de distorções informativas transfiguradas de matérias jornalísticas interpretativas. Tal prática, por conseguinte, sustenta-se, segundo Bucci (2000, p.140), na impunidade; isto é, “na sensação compartilhada pelos donos dos órgãos de imprensa e pelos jornalistas no comando das redações de que não serão chamados a responder, perante o público, pelas mentiras que difundem”. De acordo com autor, sem pluralidade e diversidade nas comunicações, essas deficiências dificilmente serão combatidas.
Muito se falou, durante a construção lógica deste trabalho, sobre a edificação de uma cultura científica, a partir da qual a população, após ser alfabetizada cientificamente, dominaria conceitos básicos da ciência, de modo a compreender de uma forma mais concreta controvérsias envolvendo novas tecnologias e/ou descobertas científicas, passando, então, a participar do debate envolvendo temas como os transgênicos, da realização de pesquisas à sua introdução em nosso cotidiano social. Também é evidente, ainda mais por se tratar de uma prática recente do ponto de vista histórico, o caráter educativo do jornalismo científico, cujo público encontra-se, hoje, em formação. Igualmente, este público, cada vez mais, mostra-se interessado em compreender o universo científico – pesquisas recentes de percepção pública da C&T corroboram tal afirmação. Todavia, há uma dúvida que insiste em se insinuar quando se trata de questões polêmicas envolvendo interesses político/econômico/ideológicos: seria este público capaz de julgar e adotar decisões racionais em relação a estes temas? No entender de Eugênio Bucci, o ideal democrático iria supor que sim. Contudo, o autor ressalta que seria necessário, antes, preparar os comuns do povo para que estes pudessem assumir tão elevado encargo. Tal perspectiva, todavia, nos impõe uma nova indagação:
“Como, então, preparar o povo para convertê-lo em opinião pública? A resposta do iluminismo era direta: pela ação pedagógica e doutrinária dos philosophers, os `iluminadores´ por excelência, `O povo só será soberano; isto é, só se constituirá como detentor do poder máximo da sociedade, se for suficientemente esclarecido pelos homens de letras´, escreve Meira do Nascimento, sintetizando o pensamento de um dos pensadores da época, Louis-Sebastien Mercier (BUCCI, 2000, p.168).”
Ocorre, no entanto, que, hoje, o conhecimento, assim como na Idade Média, destina-se, apenas, àqueles pertencentes às altas castas. E, assim como naquela época, o domínio sobre tais saberes lhes dá o poder de governar o povo, que se submete ao seu domínio por ter suas vozes abafadas pela desigualdade econômica/social. Diante deste cenário, é preciso compreender a prática jornalística como elemento de fundamental importância para a construção de uma sociedade mais justa e democrática, atuando como um agente político que visa transformar quadros sociais por meio de debates ideológicos, trazendo à tona discussões envolvendo líderes políticos, intelectuais e os próprios jornalistas, para que, por meio da troca de conhecimento, pontos de vista e ideologias, se possa mudar a realidade de uma sociedade.
Mais do que ser apenas uma batalha pela conquista das mentes e corações de seus leitores, telespectadores ou ouvintes, como afirma Clóvis Rossi (1980, p.7), o jornalismo é um instrumento democrático de conscientização e esclarecimento, fornecedor de informações e mediador de debates públicos, sendo o porta-voz dos desamparados (ANDRADE, 2010, p.4).
O caminho rumo a este jornalismo ideal, no entanto, é marcada por uma série de dificuldades, sendo a maioria delas de caráter ético, tais como suborno e ofertas de dinheiro para anunciar, no caso do jornalismo científico, determinada droga. De acordo com Burkett (1990), por exemplo, Alton Blakeslee, um respeitado redator de ciência da Associated Press chegou a receber uma oferta de 17 mil dólares para mencionar o nome de uma droga comercial em uma de suas matérias. Em outro episódio, editores da Time e Newsweek chegaram a minimizar os perigos do fumo em matérias dos suplementos especiais de saúde das revistas a fim de evitar conflitos com seus anunciantes de cigarros. Na maioria das vezes, a escolha ética dos jornalistas baseia-se nos códigos de ética e conduta dos próprios veículos em que trabalham. Alguns desses códigos costumam proibir seus funcionários de aceitar viagens grátis, alimentação e alojamento de uma fonte noticiosa, bem como presentes ou “lembranças”. Isso porque tais regalias, na maior parte dos casos, visam apenas um objetivo: conduzir os jornalistas a um pensamento não crítico, de modo a os afastar de pontos de vista adicionais. “Essas fontes, obviamente, têm um interesse em obter publicidade em troca de pagar todas ou parte das despesas do redator” (BURKETT, 1990, p.201).
Porém, o que esperar de um veículo como Veja, cujo teor das “reportagens” contradiz seu próprio Código de Conduta? Sua cobertura acerca dos transgênicos, além de ignorar os riscos que tais organismos oferecem à saúde humana e o meio ambiente, se preocupou, apenas, em evidenciar as supostas vantagens da tecnologia para o desenvolvimento agrícola brasileiro, os lucros que os grandes proprietários de terras teriam caso adotassem esta “maravilha da ciência moderna” e em capturar, única e exclusivamente, declarações de indivíduos favoráveis à transgenia, principalmente agricultores que enriqueceram com a comercialização ilegal de grãos manipulados no sul do País. Dessa forma, podemos constatar que a narrativa adotada pela revista em sua cobertura fundamentou-se em uma perspectiva monetária, deixando à margem da discussão os determinantes sociais da saúde, cujas definições, no entender de Buss e Filho (2007), expressam, com maior ou menor nível de detalhe, o conceito de que as condições de vida e trabalho dos indivíduos e de grupos da população estão relacionadas com sua situação de saúde. “Para a Comissão Nacional sobre os Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS), os determinantes sociais da saúde são os fatores sociais, econômicos, culturais, étnico-raciais, psicológicos e comportamentais que influenciam a ocorrência de problemas de saúde e seus fatores de risco na população” (p.78).
Como se isso não bastasse, a publicação da Editora Abril utilizou, em praticamente todas as matérias analisadas, a mesma retórica redundante, segundo a qual os organismos manipulados representariam a erradicação da fome e da desnutrição no Brasil e no mundo, de modo a transmitir ao seu leitor a errônea conclusão de que este problema provém da quantidade de alimentos produzidos no planeta e não do método excludente como são distribuídos. Além disso, manteve um discurso monólogo no decorrer de toda a sua cobertura, perpetuando, com isso, um pensamento unidimensional sem análises – quando muito, três fontes foram ouvidas, sendo a maioria e, às vezes, todas, favoráveis aos transgênicos. Veja também omitiu estudos que, na época, comprovavam a possibilidade de serem manifestadas reações indevidas e indesejáveis em organismos que consumissem alimentos transgênicos. Aos aspectos quantitativos da cobertura também sobram críticas. A publicação destinou aos organismos manipulados uma quantidade insuficiente de páginas e caracteres – oito, das treze matérias analisadas, tinham de dois a quatro mil caracteres; isto é, cerca de três ou quatro parágrafos e, no máximo uma página e meia. Para um tema da complexidade dos transgênicos, haveria de ter sido dado um espaço maior para que cada peculiaridade da então nova tecnologia fosse abordada. O espaço destinado à transgenia, contudo, foi limitado, restrito às vozes que promovessem os transgênicos. Em suma, trata-se de uma cobertura superficial e tendenciosa. Infelizmente, no entanto, tal prática, como já foi visto anteriormente, ganha cada vez mais força no jornalismo.
Outro ponto a ser destacado diz respeito aos anúncios da empresa Monsanto do Brasil Ltda. publicados com frequência em Veja no decorrer de sua cobertura, fenômeno que evidencia a incapacidade da revista em adotar um método específico de administração pelo qual sua redação “seja autorizada oficialmente a decidir os assuntos editoriais sem ter de consultar os setores comerciais da companhia, ou sem ter de passar pelo seu crivo” (BUCCI, 2000, p.60). A construção de uma rotina que equacione os atritos entre as razões do anunciante e o direito à informação, sendo este representado pelos jornalistas, no entender de Bucci, carrega, ainda, uma vantagem de ordem ética, segundo a qual se procura evitar a contaminação do relato jornalístico por interesses alheios aos do titular do direito à informação; isto é, a sociedade.
Pense-se num jornal: às vezes, a missão de dizer a verdade ao leitor significa pôr em apuros um anunciante. E aí? Como ordenar a convivência entre a missão de informar e a dedicação ao cliente-anunciante? Como abrigar os dois lados na mesma empresa? A melhor solução inventada até hoje é uma solução elementar: pondo cada lado para o seu lado. Outra seria retirar inteiramente o jornalismo do universo dos negócios capitalistas, proibindo a existência de empresas privadas dedicadas ao negócio de informar o cidadão, ideia que nunca deu bons resultados para o público. Ao menos até hoje (BUCCI, 2000, p.61).
De fato, isolar o jornalismo dos negócios parece ser a solução mais sensata para garantir a um veículo de comunicação uma maior independência editorial e evitar, nas palavras de Bucci, que o anunciante, ao comprar uma página na revista, alimente a expectativa de que as reportagens lhe reservarão um tratamento diferenciado. Entretanto, do ponto de vista financeiro, tal solução é a menos atrativa. Como vimos anteriormente, a grande imprensa, hoje, encontra-se submissa às diretrizes mercadológicas do capitalismo global e, por isso, está a serviço do grande capital, “visam acumular cada vez mais dinheiro, formar seus conglomerados e monopolizar o fluxo de informação” (ANDRADE, 2010, p.13). Logo, a manipulação dos fatos com o objetivo de harmonizar as informações veiculadas pela publicação com os interesses dos anunciantes passa a conduzir a rotina de trabalho de redações como a de Veja.
Compreendida como uma questão política, a manipulação, por vezes, é atribuída à esfera moral. De acordo com Filho (1993, p.134), no entanto, o ato de manipular pode ser compreendido como uma “prática comum nos jogos, institucionalizado no blefe, mas incidente, igualmente, na política, assim como no processo de informação”. Nem sempre, vale ressaltar, a manipulação, no jornalismo, envolve a distorção deliberada dos fatos. A tentativa de vender ao mundo uma ideia subjetiva, pessoal, particularista como objeto geral e social, no entender de Filho, também se caracteriza como manipulação. Isso porque parte-se da divulgação de dados que interessam à publicação e da sonegação daqueles que não lhe convém perpetuar. Lembremos diante desta colocação que Veja, em muitas de suas matérias, omitiu fontes de pesquisas e estudos contrários à transgenia, além de ter abafado falas, como as do MST, e fatos como os relatados por Rogério Chaves (vide página 103). Assim, partindo do pressuposto de que todo aquele que tem diante de si um veículo de comunicação realiza, na prática, uma propaganda de ideias, podemos concluir que há no processo de comunicação jornalístico um embate entre veículos e leitores, em que um tenta passar ao outro sua versão dos fatos, buscando ganhá-lo no combate maior de opiniões que se desenvolve na sociedade.
A política de massas vive disso. Não importa o grau de verdade ou fidedignidade, mas a força da retórica; isto é, a qualidade da manipulação. Isso porque, do outro lado, no receptor, ocorre o jogo inverso, o da resistência ou desconfiança em relação ao comunicador, que varia de caso para caso (FILHO, 1993, p.135).
Todavia, mesmo acuado pelos efeitos da manipulação, o leitor tem à sua disposição certos elementos que o protegem dos rumos pelos quais tais informações o conduzem. São eles: a memória, a vivência e a visão de conjunto. Juntas, elas constituem um conjunto de informações que, se não bloqueiam, no mínimo, minimizam os efeitos da manipulação deliberada sobre a concepção dos leitores acerca dos fatos noticiados pela mídia. Ciro Marcondes Filho explica, nesse sentido, que a principal arma contra a manipulação é a própria informação. No entanto, ela não é, apenas, um jogo retórico em que a partir de premissas falsas, mas com uma lógica correta, chega-se a uma conclusão errônea, aparentemente correta. A manipulação, muitas vezes, utiliza-se de “cartas novas, desconhecidas, que vencem as resistências anteriores do receptor” (FILHO, 1993, p. 136). Ora, que tipo de memória e/ou vivência poderiam ser resgatadas pelo leitor acerca dos transgênicos durante suas leituras das matérias publicadas em Veja se o assunto acabara de se tornar foco de análise dos veículos de comunicação do País? De que visão de conjunto o leitor poderia se valer para analisar a cobertura da revista se a mesma omitia discursos distintos aos publicados? Nesse sentido, se levarmos em conta o fato de os transgênicos serem, na época, uma tecnologia nova, sem um relacionamento prévio com o jornalismo, fenômeno que, por sua vez, impede a construção de uma memória em torno da transgenia, a manipulação promovida em Veja sobre a informação referente aos organismos manipulados encontrou um caminho fácil.
Isso se baseia no princípio de que a resistência à manipulação é construída a partir da informação anterior, vinda da vivência, da memória ou do conhecimento do contexto. Sem a instalação dessas imunidades na consciência do receptor da comunicação, sua contaminação pela versão manipuladora é instantânea (FILHO, 1993, p. 136).
As estratégias em Veja para transmitir ao seu leitor informações distorcidas em relação aos transgênicos alinham-se, também, à tênue fronteira, promovida pela própria publicação, entre artigos opinativos e reportagens interpretativas, bem como à não distinção destas narrativas em suas publicações – norma ética completamente ignorada pela revista em sua cobertura. De acordo com Eugênio Bucci (2000), os veículos de comunicação, de um modo geral, precisam ajudar seus leitores/ouvintes/telespectadores a distinguir o que é opinião do que é informação. Trata-se de uma transparência fundamental para que sociedade e jornalista possam criar uma relação baseada no ideal da verdade e do equilíbrio. “A confiança se apoia naquilo que uma redação promete procurar fazer; isto é, na tentativa de buscar separar, ao máximo, opinião de informação” (BUCCI, 2000, p.108). Para Veja, no entanto, nenhum código de ética parece ter valor.
A publicação da Editora Abril, deliberadamente, conduz sua narrativa opinativa; ou seja, sua argumentação subjetiva, carregada de juízos de valor, em espaços destinados às reportagens, que, em tese, deveriam conter relatos baseados em observações empíricas relativamente impessoais; isto é, descrições intersubjetivas do repórter. Isso acontece mesmo sendo explícitas as orientações dos códigos de ética quanto à distinção destas narrativas. Bucci (2000) relata, por exemplo, que, segundo a Sociedade de Jornalistas Profissionais dos EUA, a prática jornalística sadia faz uma clara distinção entre reportagem noticiosa e expressões de opinião. Algo semelhante diz o código da Associated Press Managing Editors Association: “Os editoriais e outras expressões de opinião por repórteres e editores devem ser claramente rotulados”. Também os Cânones do Jornalismo da American Society of Newspaper Editors (ASNE) fazem referência à esta distinção: “A prática sadia estabelece clara distinção entre reportagens noticiosas e expressões de opinião. As reportagens noticiosas devem ser livres de opinião ou preconceito de qualquer espécie”.
Alguns desdenham dessa separação, alegando que ela não passa de formalidade. O fato, no entanto, é que a simples observância da formalidade, assim mesmo, como formalidade, já indica uma tendência de respeito à confiança do público. Um jornal será tanto mais confiável quanto menos as argumentações expressas em seus editoriais interferirem na correção empírica de suas reportagens (BUCCI, 2000, p.108).
Podemos considerar Veja, portanto, uma publicação cujos textos carregam em sua essência um julgamento subjetivo do editor, que, por sua vez, pontua todo o conteúdo noticioso da publicação. Trata-se, assim, de uma revista “editorializada”, em que a opinião partidária prevalece sobre o bom senso, a verdade e, principalmente, a ética jornalística. Nela, luta-se pelo esvaziamento das considerações utópicas, macrossociais e filosóficas, a partir da redução da complexidade social “a uma regra elementar de ambição e satisfação egoísta, como se o subjetivismo soçobrasse sozinho na crise dos sistemas objetivos gerais de orientação” (FILHO, 1993, p.53). Nesse sentido, a discussão ética acerca de suas práticas só originaria resultados se acontecesse sobre uma base de compromissos com a verdade e o equilíbrio, preceitos que não fazem parte da rotina de trabalho da publicação.
Logo, se a ética jornalística delimita limites para o pragmatismo mercadológico, em Veja, ela (a ética jornalística) é considerada a negação do espírito pragmático que caracteriza o mundo dos negócios. Afinal, aceita-la; ou melhor, exercê-la, significaria abdicar-se da utilização de um conjunto de técnicas jornalísticas como ferramenta de manipulação. Isso porque suas matérias, ao mesmo tempo em que tratam as informações como bens privados, sendo utilizadas, desse modo, a bel-prazer, transmitem à sociedade a falsa impressão de que a publicação encontra-se comprometida com o direito à informação, a verdade e o interesse público (não confundir com interesse do público), bem como com as premissas do bom jornalismo, segundo as quais a imprensa deve estar engajada na luta política identificada com causas sociais, como saúde, educação e trabalho (TRAQUINA 2005).
Nesse sentido, aos se submeter às conveniências comerciais e políticas de terceiros, Veja sacrifica o direito à informação, tanto quanto a ética jornalística, de modo a projetar um regime, segundo Bucci (2000), de não-valor moral em detrimento à busca por mecanismos que propague valores coletivamente eleitos. Não se trata, e que isso fique bem claro, de descriminar o posicionamento da revista frente à polêmica acerca dos transgênicos, mas, sim, de condenar os métodos utilizados pela mesma para legitimar suas opiniões, transfiguradas de informação jornalística. Assim, mesmo a liberdade de informação sendo considerada uma questão entrelaçada ao quadro das liberdades democráticas em geral, sendo, dessa forma, pouco lógico esperar que, “em um país onde os Parlamentos são meros apêndices do Poder Executivo e onde os sindicatos vivem atrelados ao Estado, a imprensa se transforme no único espaço de liberdade para todas as correntes de opinião e para todos os setores sociais” (ROSSI, 1980, p.63), é preciso exigir que as premissas jornalísticas sejam cumpridas e que o direito à informação oriente a conduta dos jornalistas, a fim de que a prática torne-se insubordinável a poderes político/econômicos de classes comprometidas, apenas, com seus próprios interesses. Com base nesta perspectiva, mesmo não se tratando de uma publicação dedicada única e exclusivamente à cobertura de temas ligados à C&T, a publicação da Editora Abril, ao propor à sociedade uma abordagem condizente com o Código de Conduta da empresa que a gerencia em torno de um tema da complexidade dos transgênicos, precisa estar ciente de que está lidando com uma rede de informações demasiada complexa, uma vez que sua aplicação em nosso cotidiano está estritamente relacionada à bases estruturais de caráter político, econômico, social e cultural.
A importância da ciência e da tecnologia para o cidadão do novo milênio, extremada pelo advento da Sociedade da Informação e da Nova Economia, requer de todos uma mobilização permanente, aquele espírito cético a que se referia Carl Sagan, sob pena de nos vermos, jornalistas científicos, de mãos atadas para enfrentar os desafios da nova comunicação científica, que aproxima, de maneira vertiginosa, e muitas vezes sutil, informação e marketing, ciência e mercado, tecnologia e capital financeiro (BUENO, 2010).
Hoje, contudo, o pressuposto da discussão ética na imprensa vem sendo reduzido a uma perspectiva utópica da prática jornalística. Isso porque as relações mercantis vêm se tornando a única forma de relação social possível (COELHO, 2006), fenômeno que, por sua vez, vem fazendo com que o jornalismo perca, gradativamente, seus ideais sociais. O mesmo acontece quando se tenta chamar a atenção para a necessidade de a sociedade dominar conceitos básicos ligados à C&T. Ora, mas se o ideal de uma sociedade mais justa e democrática, bem como o de um jornalismo empenhado em fazer valer o que está documentado em seu Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, encontra-se banalizado ou à margem da lógica de mercado, à qual estamos submetidos, e, dessa forma, é encarado como utopia, resta-nos, então, o abandono de toda pretensão a uma convivência melhor. Trata-se, no entender de Bucci, de uma encruzilhada lógica:
“De um lado, abre-se o caminho do vale-tudo, já que a ética não passaria de um sonho pueril como o das crianças que acreditam em Papai Noel; do outro lado, está a estrada mais tortuosa e difícil, na qual é preciso combater o vale-tudo porque, embora Papai Noel não exista, as práticas humanas podem ser melhores do que são. Não é ingenuidade pretender que as empresas de comunicação devam dar prioridade, como valor, ao direito à informação (2000, p.35).”
Exigir dos profissionais da imprensa uma postura crítica que, nas palavras de Marques (in COELHO; CASTRO, 2006), busque evidenciar as contradições da ordem social estabelecida, de modo a negar o seu caráter de inevitabilidade, significa exigir um jornalismo avesso ao pensamento afirmativo responsável pela adaptação do homem ao funcionamento dessa ordem, sem transcendê-la. Contudo, por se tratar de um posicionamento contrário ao pensamento afirmativo, que, por sua vez, rege o contexto social das sociedades capitalistas modernas, tal exigência passa a ser considerada inviável; isto é, contraproducente aos interesses tanto dos empresários da comunicação quanto dos grupos beneficiados pelos aspectos ideológicos transmitidos pelas mercadorias-notícias. Isso porque “nesse contexto social, o homem contemporâneo tende a se afastar do sentido e da origem das contradições que estão presentes nas relações sociais de trabalho, consumo, etc.” (MARQUES in COELHO; CASTRO, 2006, p.42). Veja, desse modo, tende a alienar seu leitor, de modo a criar necessidades de consumo artificiais acerca dos transgênicos, além de desviar o interesse do mesmo das atividades participativas envolvendo esta tecnologia. Tal processo de alienação fomentado em Veja faz com que seus leitores passem a “assimilar parâmetros cognitivos que não lhes dão condições de transcender o funcionamento dessa sociedade, para mudá-la em pensamento e em ação” (idem).
As análises aqui desenvolvidas, nesse sentido, certamente não esgotam o debate acerca do papel da prática jornalística em torno da cobertura de temas polêmicos ligados à C&T, assim como também não pretendem cessar a reflexão sobre a postura da revista Veja, no que diz respeito à difusão de distorções ideológicas em suas “matérias” interpretativas, e os limites da liberdade de imprensa, utilizada rotineiramente como escudo pelos empresários da comunicação quando questionados sobre as informações propagadas em seus veículos de comunicação de massa. Nossa contribuição, aqui, restringe-se apenas à construção de uma narrativa plural e ética dentro do jornalismo; afinal, estamos diante de uma profissão de fundamental importância para o desenvolvimento de uma sociedade livre e democrática. Com isso, a análise da cobertura de Veja sobre os transgênicos visa, sobretudo, reforçar os compromissos que o jornalismo possui com a sociedade, tendo como pano de fundo a identificação dos riscos que se corre quando influências de caráter político, econômico e ideológico interferem na metodologia adotada pelas redações, quanto à elaboração das matérias, e dos atos antiéticos, antidemocráticos e anti-jornalísticos praticados pela publicação em questão, que, ao agir em conformidade com os interesses privados de grupos específicos, priva a sociedade de mais um de seus direitos: o direito à informação, cuja definição, segundo o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, abrange o direito de informar, de ser informado e de ter acesso à informação, de modo que a divulgação da informação, ainda segundo o Código, precisa ser cumprida independentemente da linha política de seus proprietários e/ou diretores ou da natureza econômica de suas empresas. Este trabalho de pesquisa, portanto, tem como um de seus objetivos a conscientização popular frente às relações entre interesse financeiro e ideológico, hoje, infelizmente, intrínseco no cotidiano das grandes redações.
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[Rodrigo de Oliveira Andrade é jornalista, São Paulo, SP]