Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Policiais aprendem a dialogar com jornalistas

No maio de 68, o movimento estudantil e operário invadiu as ruas das principais capitais mundiais denunciando a opressão do sistema educacional, o racismo, a exploração dos trabalhadores (ver o livro de Zuenir Ventura, 1968: o ano que não terminou). O perigoso era enfrentar o espetáculo promovido pelo Estado e pelos meios de comunicação de massa. As greves no mundo inteiro reforçaram este temor. Os cidadãos eram sufocados pela rigidez das idéias utilitaristas nas fábricas e nas escolas.

Um dos poucos recursos contra a opressão era atirar paralelepípedos contra a sociedade. Em alguns países houve um maio vitorioso, sobretudo do ponto de vista das reformas estético-educacionais. Desse período, surgiram as experiências alternativas às políticas relativas à cidadania, ao meio ambiente e à economia. Mas não se modificou o espetáculo. Este, reforçado pela mídia, se tornou a principal arma da economia globalizada contra os estados mais pobres: uma guerrilha midiática sem tréguas.

Nessa guerrilha, no sentido da verticalização da informação, podemos destacar três focos de luta: 1) a mídia contra o Estado; 2) a mídia contra a sociedade; 3) a mídia contra o social.

Na horizontalização da informação, a luta se caracteriza como: a) a sociedade contra suas instituições; b) o social contra as instituições sociais; c) a mídia contra a sociedade; d) as barricadas culturais (a cultura do pobre) contra a cultura institucional.

Nas guerrilhas midiáticas, algumas instituições passam a ser vistas como inimigas naturais do social, mal administradas pelo Estado e desprezadas pela sociedade. Dentre essas instituições, estão as polícias civil, militar, federal, rodoviária. O desafio do Estado é promover o reconhecimento dos órgãos de segurança como partículas necessárias ao movimento dialógico do social (movimento que não separa, mas aglutina forças antagônicas).

Por isso se faz necessário que as instituições conheçam o funcionamento das mídias para não cair nas armadilhas de uma guerra simbólica.

I. Quando a munição é a linguagem

A bala de um revólver é um substantivo que mata, a bala de borracha é um adjetivo que fere. A linguagem pode ser a mais violenta de todas as munições: pode impedir o nascimento. Portanto, a principal arma das polícias deve ser a linguagem, de preferência pedagógica, capaz de reconhecer as distorções do social e da sociedade promovidas pelas mídias e pensar.

A boa munição a ser utilizada nas ruas é o verbo, pois através dele se poder perceber o movimento e a conjunção de tempos sociais diferentes. Isso ajuda a não aceitar a violência como fenômeno natural, tampouco os estereótipos como determinantes das relações sociais.

Os policiais, como quaisquer grupos de especialistas, têm um discurso, um léxico, e uma gramática interior que cimentam a relação social. Eles devem mostrar, a partir de suas falas, o papel ‘complexus’ que exercem ao promover a segurança e a alteridade como caminhos para a cidadania.

II – Como enfrentar os artefatos explosivos da linguagem jornalística

Em primeiro lugar, se faz necessário que o policial domine o discurso, os conceitos e o código de ética da instituição à qual pertence. Em segundo lugar, é preciso entender o funcionamento das mídias. Para efeito didático, vamos tomar duas providências: 1)dividir as mídias em audiovisuais e impressas; 2) trabalhar com os gêneros narrativos comuns às mídias: notícia, reportagem, entrevista.

Antes da demonstração conceitual dos gêneros jornalístico, vamos verificar as características do jornalismo:

‘O jornalismo não é, porém, um gênero literário a mais. Enquanto na literatura a forma é compreendida como portadora, em si, de informação estética, em jornalismo a ênfase desloca-se para os conteúdos, para o que é informação. O jornalismo se propõe processar informação em escala industrial e para consumo imediato. As variáveis formais devem ser reduzidas, portanto, mais radicalmente do que na literatura’ [LAGE, Nilson – Linguagem jornalística. São Paulo: Ática, 1985]

A partir dessa citação, entendemos que a informação jornalística é uma mercadoria produzida para consumo imediato e pode se tornar obsoleta.

Vamos procurar entender os gêneros comuns aos jornalismos (esta palavra deve estar sempre no plural) e a forma de nos situarmos enquanto fontes de informação.

III. Notícia

A notícia é o gênero jornalístico cuja função é captar o factual, o aqui e o agora (hic et nunc).

Toda notícia obedece à seguinte estrutura: 1) título; 2) cabeça (lead); 3) corpo.

O título tem como principal função resumir o tema, diferentemente da cabeça, ou lead, que procura a exposição dos principais detalhes da informação no primeiro parágrafo.

No corpo da notícia vamos encontrar o desenvolvimento dos fatos sintetizados no lead.

Na maioria dos manuais de jornalismo, encontramos a seguinte fórmula para a redação da notícia: 3Q+O+C+P.

Os 3Qs correspondem a Quem? Quê? Quando? O é igual a Onde; o C se refere ao modo, Como; e o P ao (motivo) Por quê?

O valor da notícia (noticiabilidade) vai depender do grau de novidade (no sentido da atualidade) e da importância (impacto) dos fatos.

Como o ‘sensacional’ é um dos fatores mais importantes da noticiabilidade, podemos constatar que a notícia obedece à estrutura de uma pirâmide invertida (não linear), na qual os fatos mais ‘importantes’ aparecem em primeiro lugar.

IV – Como se relacionar com a notícia

O delegado, o agente, os comandantes, todos têm que enfrentar a imprensa, mas, como se diz no jargão jornalístico, ‘não brigar com a notícia’. Em geral, os repórteres policiais trabalham a partir dos BO’s (os boletins de ocorrência) e não entendem a linguagem jurídica. Portanto, como os policiais devem proceder diante da pressa dos repórteres de TV, do instantâneo dos programas radiofônicos, da argumentação dos meios impressos (jornais e revistas)? Se os fatos estão sob investigação, os agentes de segurança devem propor o seguinte lead aos jornalistas – de preferência através da assessoria de imprensa e por escrito: 1) quê – o fato; 2) quando – data; 3) onde – lugar.

Com a conclusão das investigações, pode-se acrescentar o quem – pessoas –, mas deve-se deixar o por quê? (motivo) para o desenrolar do processo judicial.

Entregar as informações por escrito, se antecipando à cobertura jornalística, é uma das estratégias que os agentes de segurança devem construir para evitar a manipulação das informações.

V – Entre a notícia e a reportagem: a pauta

A construção dos gêneros informativos, no jornalismo, obedece à pauta, mesmo que a notícia, em si, traga um método de apreensão do factual. Mas é preciso planejamento para distinguir o que se pode noticiar ou não. As diferenças entre notícia e reportagem são demarcadas pela pauta. Esta significa o planejamento, método de abordagem dos fatos sociais com ênfase na forma narrativa. Isso quer dizer: na reportagem o importante é a polifonia – o maior número de falantes possíveis.

A reportagem não trabalha com a hierarquização dos fatos proposta pelo lead da notícia. Mas tem como principal função aguçar a sensibilidade do leitor através das impressões, sonoridades e imagens, o que alguns teóricos do jornalismo chamam de realces: 1) realce na visão – processo descritivo das cenas; 2) realce na imaginação – processo comparativo ou metafórico dos objetos; 3) realce na audição – transcrições de sons, vozes, onomatopéias. Os realces são os textos de abertura que conduzem os leitores ao início da narrativa.

O narrador da reportagem (o repórter) se orienta pela pauta (conjunto de informações prévias e flexíveis) para investigar os fatos e selecionar as fontes (os personagens). Depois de ouvir as fontes, o narrador coloca, no corpo da reportagem, o discurso dos entrevistados na forma direta ou indireta.

O texto-reportagem deve conter um título (que anuncia a temática e pode ser interpretado lato sensu); um subtítulo (o tema); os intertítulos, que ajudam na divisão de parágrafos (isso na mídia impressa), chapéu (rubrica antes do título) e as janelas (destaque de uma parte do texto exposto como elemento gráfico).

VI – Como interpretar a reportagem e evitar o sensacionalismo

Os agentes de segurança devem fazer uma primeira pergunta aos repórteres que estão cobrindo o evento: você vai produzir um texto noticioso ou uma reportagem?

Caso a afirmação seja: ‘Estou produzindo uma reportagem’, as providências a serem tomadas são as seguintes: 1) Qual a angulação da pauta? 2) Quais são as fontes? 3) As vozes vão ser utilizadas para reforçar conceitos já estabelecidos? 4) A reportagem vai respeitar a alteridade das pessoas? 5) Como o repórter vai trabalhar o meu discurso, na forma direta ou indireta? 6) Qual o tempo de exibição da reportagem no rádio ou na TV? 7) Qual a contribuição desta matéria na elucidação do fato?

Depois, o entrevistado pode lembrar ao repórter: 1) suas imagens não podem ferir a ética jornalística nem a relação entre cidadãos e direitos humanos; 2) evite as distorções conceituais que podem ser provocadas pela pauta na busca de sensacionalismo; 10) respeite o direito de o cidadão permanecer calado (no caso de entrevista construída por repórteres policiais que, às vezes, chegam a ser violentas).

VII – Entrevistando o entrevistador

Ao repórter cabe perguntar, ao entrevistado responder? Nem sempre! Na maioria das vezes, os jornalistas não perguntam – afirmam, induzem o entrevistado a uma resposta. Então, o que fazer?

O agente de segurança deve se limitar a responder aos repórteres considerando a seqüência dos fatos (na mesma ordem do lead para fatos em investigação), escolhendo o modelo de entrevista conceitual, aquela que vai tipificar os delitos, evitando o ‘eu acho que…’

Na guerrilha midiática, para quem está à frente das barricadas, o importante é pensar que a informação mal construída exclui os cidadãos, e apaga, historicamente, os problemas sócio-culturais, promovendo a espetacularização das formas de violência.

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Doutor em Sociologia pela Université Paris V, Sorbonne, professor do Curso de Comunicação Social e da Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal da Paraíba, coordena o Grupo de Pesquisa sobre o Cotidiano e o Jornalismo