Quando se examina a maneira como os veículos tradicionais de comunicação usam a nova mídia, seja para entreter, informar ou fazer publicidade, uma das conclusões possíveis é que, para a grande maioria deles, a nova mídia é apenas um receptáculo dos diversos conteúdos da velha mídia.
Quando um produto da mídia tradicional é transposto para a nova, acontece exatamente isso: ele é simplesmente transposto, automaticamente replicado. O texto permanece o mesmo, a imagem também, o som idem, o vídeo ibidem. E o internauta acaba lendo o mesmo velho e bom jornal numa tela de computador ou de celular, deparando-se com a mesma foto da revista e assistindo ao mesmo vídeo da TV. A experiência é praticamente idêntica. Assim também muitas iniciativas online, sem correspondência na mídia tradicional, acabam replicando o modelo tradicional. O ambiente de interação e de inter-relacionamentos é desprezado, e a nova mídia é usada para prosseguir no caminho da unilateralidade e unidirecionalidade.
A produção de entretenimento ou de jornalismo é despejada no internauta da mesma forma como é derramada pelos veículos impressos, como é transmitida pela televisão. Há o emissor e o receptor. O emissor constrói o conteúdo, o receptor absorve e se mantém passivo. Ele consome no computador as reproduções exatas de títulos, textos, fotos, vídeos… No máximo, os conteúdos ganham algum complemento e mais extensão – as entrevistas podem aparecer na íntegra; as gravações podem ficar sem cortes –, porque na internet o espaço é mais barato, comparado ao papel de imprensa, e custa menos do que o minuto na TV. Podem ganhar também uma ferramenta de busca, como no caso de sites de anúncios de classificados (a maioria desenvolvida por jornais), transpostos como se, para tornarem-se versão digital, o material publicado necessitasse tão somente de tal ferramenta. Os assuntos são transferidos mecanicamente para as telas, sem preocupação com a nova plataforma nem com o principal: o jeito pelo qual o consumidor aprendeu a interagir com a nova mídia.
O tema ganha relevância ao considerarmos que a indústria da mídia engatinha no seu desenvolvimento digital, e quem não se levantar para andar vai perder a corrida. O tempo está cada vez mais curto, o que exige mais rapidez na construção desse outro modelo, no qual as ferramentas de interação dão o tom.
Para exemplificar, compare-se o valor de mercado da mais vetusta companhia alicerçada na velha mídia, a Time Warner. São US$ 90 bilhões, contra US$ 150 bilhões da jovem e interativa Google [conforme cotação nas bolsas americanas (NYSE e Nasdaq) em janeiro de 2007]. Esta última, empresa da nova mídia, sem nenhum ativo empresarial do porte da empresa da velha mídia (que tem revistas, como Time, emissoras de televisão, como a CNN, empresa cinematográfica, como a Warner Bros, e até serviços online, como a AOL), a Google conseguiu valer quase o dobro da outra porque entendeu melhor qual é o seu ativo: a capacidade de usar – e bem – a interação.
Quando alguém, em qualquer lugar do planeta, digita uma palavra na caixa de busca do Google, esse alguém passa a trabalhar para si próprio e para o Google. Trabalha para si ao encontrar o conteúdo procurado. Trabalha para o Google quando, ao informar o que procura, permite ao serviço indexar e devolver mais conteúdos e até mensagens publicitárias explícitas referentes ao conteúdo buscado. Ao clicar na sua escolha, advinda das incontáveis informações previamente indexadas pelo Google, o internauta dá relevância para um conteúdo, e o mecanismo de busca do Google anota e reindexa essa preferência. Quanto mais gente clicar em determinada informação, maior a chance de ela ser mostrada nas primeiras linhas da tela de resultados. Ao trabalhar para si, simultaneamente, o internauta faz de graça o trabalho para o Google.
Possibilidades interativas
A incapacidade da velha mídia em lidar com muita informação e com muita transformação leva à desinteligência na adaptação para o novo modelo de comunicação. Essa incapacidade está aliada a uma leitura equivocada do mote ‘o meio é a mensagem’, conceito preferido dos profissionais da televisão até a emergência da comunicação em rede mundial (McLuhan e Fiore, 1967).
As comunidades virtuais formam-se e fundam-se numa maneira distinta de ver, escrever, interagir e aprender. Os métodos usados pela velha mídia fantasiada de nova teimam em reproduzir o clássico modelo da comunicação. Quem o notou muito bem foi o executivo e scholar canadense Joe Pilotta, que, em artigo publicado na web (Pilotta, 06/06/05), reclama da comunidade da propaganda – e da mídia tradicional, acrescente-se –, desesperadamente agarrada àquele modelo, falho, da comunicação em cinco fases: fonte, transmissor, sinal, receptor e destinatário.
Para a nova mídia funcionar como tal, não basta o banner arquitetado com a mais recente das tecnologias, que o faz pular, dançar, abrir-se, tocar música, derramar-se, desconstruir-se, alongar-se e implorar por um ‘clique aqui’. Pouco valem mensagens em forma de ‘links patrocinados’, no aparente lugar e momento certo, pouco valem as malas diretas eletrônicas, se tudo isso não vier transmudado sob novos valores. Nada conseguirá o devido retorno na nova mídia, se os conteúdos continuarem a ser transferidos como se o modo como chega ao destinatário não tivesse efeito sobre a própria mensagem.
Pilotta reforça que ainda se imagina haver separação entre canal e conteúdo, que a mensagem preceda a transferência e que a contribuição do meio (novo ou velho) de distribuição seja evitar o ruído, a distorção da mensagem original. Ou que os sujeitos em comunicação estão predeterminados e não são realmente afetados pelo processo de comunicação, pois simplesmente emitem e recebem mensagens.
No entanto, as novas mídias viraram de ponta cabeça a comunicação. As possibilidades interativas carregadas pelos computadores, pelos aparelhos celulares, pelos dispositivos de jogos e de música e pela televisão digital exigem mais reflexão, compreensão e criatividade do que revela a capacidade criativa dos criativos. Fato incrível foi o velho homem de mídia Rupert Murdoch, nascido em 1931, colocar o dedo na ferida ao citar o ‘media man’ Jeff Jarvis: ‘Dê às pessoas o controle da mídia, elas o usarão. Não dê às pessoas o controle da mídia, você as perderá’. [A frase foi dita em 13 de abril de 2005 num discurso de Rupert Murdoch, patriarca da News Corporation, à American Society of Newspaper Editors: ‘One commentator, Jeff Jarvis, puts it this way: give the people control of media, they will use it. Don’t give people control of media, and you will lose them’. O discurso pode ser lido na íntegra aqui.]
O desenvolvimento das novas tecnologias de comunicação é capaz de alterar continuamente o ambiente, e exige que se compartilhe o poder da comunicação com o consumidor. Não pode ser visto como capaz de anular as capacidades humanas e delegá-las apenas à mídia, como sempre fez a mídia. No começo, a televisão era preguiçosa, produzida como rádio com imagem: locução e exibição da imagem do locutor. Depois ela desenvolveu grandes recursos para o uso da imagem – mas sempre ‘broadcasting’. A internet é rica porque pode misturar texto, foto, áudio e vídeo na tela do computador à sua maneira – exigindo a interação. Permite não só exibir a reação, mas igualmente a intervenção direta do consumidor, de uma forma difícil para os mais velhos entenderem, mas que qualquer criança intui. Por isso os jovens navegam mundo afora via internet, manipulam equipamentos eletrônicos e jogam games sem precisar de manual.
A televisão levou no mínimo quatro décadas para se erigir em negócio e ganhar sua personalidade própria. Vem do tempo em que o mundo tinha tempo. Assim, os protagonistas da nova mídia não entendem que a internet continua com participação tão pequena no total das receitas da publicidade [no Brasil, dez anos após a emergência da internet comercial, a participação da internet no mercado total das receitas de publicidade era de 1,9%; nos EUA 6% e na Inglaterra 10%], apesar de existir há mais de dez anos, porque os veículos que eles constroem, na maioria, apenas reproduzem mecanismos esgarçados das mídias tradicionais, que são inadequados para o jeito de ser da nova mídia.
Mídia impressa, televisão e novas mídias
‘Quem matou os jornais?’, perguntava a capa da prestigiosa publicação The Economist – de papel – em 26 de agosto de 2006. Muito foi dito a propósito do fim dos jornais, porque podem ser lidos no computador. A internet iria matar a indústria do jornal e da revista. No entanto, o jornal não matou o livro, a televisão não matou o rádio, o DVD não matou o cinema.
Ninguém vai matar o jornal, embora o elemento vivificador, a tecnologia propiciadora de acesso universal e móvel à profusão das informações, leve indústrias, como a do jornal, a entrar em declínio. Passou o apogeu. As circulações dos jornais não crescem mais da maneira como cresciam, não geram mais resultados crescentes – de uma forma geral. A circulação até pode aumentar por conta da explosão do mercado de jornais gratuitos ou dos jornais de preço baixo, mas a indústria não consegue fazer crescer receitas ou a venda de produtos impressos na mesma escala e velocidade do passado. Desde a década de 90, do século passado, essa indústria necessita voltar sua atenção total às margens decrescentes de lucro, e tornou-se imperativo cortar custos – seja de mão-de-obra seja de matéria-prima. Ela não está condenada a morrer, mas está destinada a parar de crescer da maneira como sempre cresceu, a não ser que domine a plataforma da nova mídia, caso contrário, alguém lhe toma o lugar.
Os problemas de parada de crescimento não se restringem à mídia impressa. Em um de seus comentários, Scott Karp [os comentários de Scott Karp podem ser encontrados no seu blog], o colunista mais branché da internet, pergunta-se quem pagará para ter TV, agora que existem os DVRs (com ‘ad-skipping’, um mecanismo que faz pular os anúncios) e o vídeo sob demanda, ambos trabalhando celeremente para destruir o modelo tradicional de publicidade nos meios de comunicação de massa. Se a nova geração de conteúdo digital estiver baseada na produção de vídeos amadores, para que continuar a investir na custosa produção profissional de vídeos? O mercado não respondeu à pergunta, mas já a endereçou.
A maior novidade é que a televisão não perde audiência, perde tempo de audiência. As pessoas transferem o tempo para a música, os games, os filmes em DVD ou para a própria internet, quando não assistem TV ao mesmo tempo em que navegam na rede. O fenômeno independe de estatística, uma vez que é empiricamente perceptível em qualquer domicílio de classe média ou alta.
Sobre a televisão, por ocasião da Copa mundial de futebol de 2006, a velha mídia noticiou com freqüência que a Fifa nunca fizera tantas restrições à internet como então. Fechou conteúdos, cobrou o que quis para vender as transmissões ao vivo das partidas e a exibição dos gols, em tempo diferido. Muitos portais pagaram caro (as cotas estavam na base de US$ 750 mil) para transmitir os gols uma hora depois do fim das partidas. Era muito mais caro transmitir jogos ao vivo na internet, e este direito pertencia, no Brasil, à Rede Globo, dona da exclusividade de transmissão das copas de 2002 e de 2006 para a televisão, incluindo internet, por US$ 450 milhões [ver aqui]. Não funcionou. Sites piratas, especialmente na China, transmitiram ao vivo as partidas, os gols estavam postados nos sites de vídeo imediatamente depois – havia até quem gravasse partidas diretamente nos estádios com seus celulares e muitas dessas cenas estavam disponíveis nos sítios de troca de vídeos, como o You Tube.
Em janeiro de 2007, o COB (Comitê Olímpico Brasileiro) e o CO-Rio (Comitê Organizador dos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro) anunciaram oficialmente que os veículos de internet não teriam direito à produção ou transmissão ao vivo de conteúdo próprio que incluísse vídeo ou áudio captado em áreas oficiais dos Jogos Pan-Americanos de 2007. Vinham na contramão da história, ignorando que, quanto mais se tenta amarrar os conteúdos na rede, mais as pessoas encontram meios de escapar.Basta lembrar o caso da censura ao You Tube, perpetrada pela Justiça brasileira em janeiro de 2007, quando as empresas de telecomunicações receberam determinação judicial para bloquear o acesso total ao portal por conta da exibição, continuamente postada pelos usuários, do vídeo no qual a modelo brasileira Daniella Cicarelli fazia sexo em público com seu namorado, Renato Malzoni Filho, numa praia da Espanha.
Além de ser uma violência anticonstitucional, um autoritarismo – censurar todo o portal é algo que aproxima o Brasil de países como China ou Cuba –, e revelar uma incompreensão de como funciona a rede, pois a censura não impede a postagem do vídeo por qualquer pessoa, a qualquer outro momento, em qualquer lugar do mundo, a decisão causou muito mais exposição ao vídeo. Ampliou a repercussão nacional e internacional que teve ao surgir na rede, em setembro de 2006. É um caso típico de incompreensão das novas regras necessárias para um novo mundo. Elas exigem um repensar da Justiça. Sem contar que, ao pedir o bloqueio, o tiro da dupla Malzoni/Cicarelli saiu pela culatra – isso se a idéia foi mesmo a de bloquear o vídeo, porque nesse mundo das celebridades nunca se sabe as reais intenções.
O desafio, tanto para a nova quanto para a velha mídia, é encontrar os meios de atacar a falta de entendimento sobre as profundas e constantes mudanças, as quais exigem iniciativas rápidas e enérgicas. Como discutir o futuro a partir de um ponto de vista que adicione tecnologia à política, ao ambiente e à cultura?
Google em ação
O maior expoente da nova mídia tenta dar conta disso. Anualmente, os criadores do Google reúnem e misturam especialistas de todas as áreas e pedem a eles para falar e discutir com uma platéia composta de gente do mercado vinda das várias partes do planeta. Realizam essa discussão num encontro chamado Zeitgeist, palavra alemã que significa ‘o espírito do tempo’. Em 2006, o evento aconteceu no começo de outubro, em Mountain View, Califórnia, na sede do Google.
A fórmula dessa operação revelou-se maquiavélica. O Google nomeou mestre de cerimônia um jornalista da Atlantic Monthly, a mais tradicional das revistas liberais da velha mídia, James Fallows, um especialista em interação da tecnologia com política, negócios e cultura. Fallows apresentava os convidados, resumia as falas e conduzia os debates. Pedir à velha mídia para explicar o mundo aos parceiros de elite da internet é dar-lhe respeito, submeter-se. Falows, por exemplo, mostrou-se preocupado com as conseqüências de se estar conectado e a responsabilidade social advinda disso.
O Google misturou gente da nova e da velha mídia, criou cumplicidades e opôs o mais novo profeta ambiental (o ex-vice-presidente dos EUA Al Gore, publicamente aterrorizado com o degelo da calota polar) ao tradicional profeta da guerra (o general da reserva Colin Powell, convicto da missão patriótica de polícia do mundo: ‘O exército americano é um construtor de nações’).
Durante um dia e meio, passou pelo púlpito do refeitório transformado em auditório e provido de um telão, onde se liam todas as palavras pesquisadas no Google em tempo real, a mais eclética mistura de tecnólogos, presidentes de empresas da velha e da nova mídia, publicitários, marqueteiros, políticos, jovens empreendedores e pesquisadores, além do futuro, como o cientista James Garvin, da Nasa, um dos pais dos experimentos que podem levar o homem a Marte, ou alguém preocupado com a distribuição da riqueza na terra, como Hans Rosling, do Instituto Karolinska, de Estocolmo, Suécia, o qual mostrou ser possível diminuir a pobreza até 2015 – se o mundo quiser. As apresentações foram instrutivas, inclusive para mostrar quanto a velha mídia continuava cega, mas mesmo assim feliz em falar à elite mundial da internet.
‘Se você acha que eu sou velha mídia, tome cuidado porque estou trabalhando’, afirmou Leslie Moonves, presidente da CBS, uma das três maiores redes de TV dos EUA. Ele citou sites e blogs, mas permaneceu aferrado ao sucesso da transmissão do campeonato de futebol americano pela televisão, porque vendera 70% das cotas por nada menos do que US$ 2,5 milhões para cada comercial de 30 segundos.
A contraposição veio na hora, ao vivo: ‘Esperamos investir três quartos do dinheiro em outras mídias que não a televisão’, previu Sir Martin Sorrell, presidente da WPP, uma das maiores agências de publicidade do mundo, presente em 106 países, Brasil inclusive, com a Ogilvy e a Y&R, entre outras.
O nada suspeito presidente da fabricante de celulares Motorola, Ed Zander, lançou de imediato: ‘O gigabyte é o novo Gutenberg’. Para ele, tudo o que é escrito, falado, cantado ou visto vai virar bit – a menor unidade de informação num computador, contração das palavras ‘binary digit’. Para Zander, o protocolo da internet é ubíquo e a mobilidade é a ‘energia social’. Em 2006 existiam 2 bilhões de celulares em funcionamento no planeta, e as outras mídias contavam muito menos: 1,5 bilhão de televisores, 820 milhões de computadores pessoais, 190 milhões de games, 50 milhões de computadores de mão. Para ele, a bilionária quantidade de celulares refletia a conexão pessoal, e sua previsão é de que a mídia seguirá cada pessoa onde ela estiver. Vai acompanhar com aparelhos distintos e ferramentas e preços variados. Haverá um produto para cada perfil, para cada estilo de vida. Porque a humanidade compra mais aparelhos celulares do que produz filhos. Vendem-se 25 aparelhos celulares por segundo em todo o mundo, enquanto, no mesmo segundo, nascem apenas quatro pessoas, informa Zander.
Para o pessoal do Yahoo, o grande precursor da ferramenta de busca, ‘o mundo está mudando dramaticamente’, conforme declarou Cammie Dunaway, diretora de marketing do maior concorrente do Google. Aliás, enquanto o Google se vê como uma empresa de publicidade, carregador de anúncios, o Yahoo descreve-se como uma empresa fundada em quatro pilares: Busca, Conteúdo, Comunidades e Personalização. Questão de foco, e nunca de incompreensão do motor da nova mídia.
‘É preciso permitir ao consumidor fazer as escolhas’, reconheceu Andrew House, da Sony, de maneira torta, porque a afirmação carrega a imutável convicção de que o dono da mídia ‘permite’ alguma coisa ao consumidor. ‘O consumidor decide’, como definiu categoricamente o homem de marketing da Nike, Trevor Edwards, que agora vende um modelo com espaço para um chip que, ligado ao iPod, mede o ritmo do atleta.
E o consumidor já decidiu: usa a nova mídia confortavelmente, tanto nos bons quanto nos maus momentos.
São Paulo, 15 de maio de 2006
Consideremos os acontecimentos na cidade de São Paulo, em 15 de maio de 2006, quando o paulistano viveu um dia de pânico e voltou para casa atendendo a um inexistente ‘toque de recolher’, que produziu um dos maiores engarrafamentos da história da cidade. A partir de uma ordem advinda dos presídios, dada pela organização criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital), em protesto contra a transferência de seus líderes para presídios mais isolados, bandidos metralharam bases policiais, explodiram bombas em instituições e atearam fogo em ônibus, além de provocarem motins em cadeias públicas. Houve mais de 100 mortes, somando-se bandidos, policiais e cidadãos inocentes, e mais de 600 prisões, tanto de criminosos quanto de inocentes.
Enquanto polícia e bandido se matavam nas ruas de São Paulo, também foi abatida uma outra vítima, o celular, a ‘arma’ que permitiu parar a cidade desde os presídios de onde vieram as ordens do PCC. ‘Agora, sim, derrotamos o crime organizado’, reagiu com ironia o especialista em novas tecnologias, ao explicar com detalhes como as autoridades sabem que o bloqueio do celular nos presídios seria facilmente burlado, porque o vilão não é o aparelho, mas quem o usa como arma (Siqueira, 21/5/2006).
Uma vez que o nosso 15 de maio se compara, ao menos no pânico, ao 11 de setembro de Nova York, quando a Al-Qaeda derrubou as torres gêmeas, é possível analisar o acontecido em São Paulo a partir de uma nova perspectiva, relacionada com o 11 de março de 2004 em Madri, na Espanha, onde quatro explosões feriram e mataram cidadãos dentro de estações de trem. O celular, lá usado criminosamente para ativar as bombas, também permitiu aos espanhóis seu uso de forma cidadã, principalmente via mensagens de textos, ao trocarem entre si a informação de que a velha mídia estava dando curso à informação falsa, advinda do governo conservador de José Maria Aznar, de que o atentado teria sido obra do grupo separatista basco ETA. Falso. Ele foi perpetrado pelos mesmos autores do espetaculoso ataque a Nova York. Pelo celular e pelo computador, via e-mail, os espanhóis derrubaram a mentira e, em seguida, derrotaram o favorito Aznar nas eleições gerais, levando a Espanha a retirar suas tropas do Iraque.
Se a selvageria dos ataques aproximou o 15 de maio brasileiro aos atentados de cunho político e religioso do Hemisfério Norte – embora no Brasil não houvesse militante xiita por trás deles –, outro dado precisa ser levado em conta e carece de análise: o papel das novas mídias.
A ordem veio repassada pelo amigo, irmão, mãe, cunhado, primo, colega, chefe… O comando veio pelo celular, pelo mensageiro instantâneo e, principalmente, pelo e-mail, o grande meio de comunicação. Fez o povo se precipitar pelas ruas sem ônibus e sem táxi. A pé, de carona, de carro, como desse. O enorme engarrafamento começou por volta das 15 horas para, milagrosamente, acabar na hora exata da ordem dada. A população fugiu para casa, imaginando que ali estivesse a salvo. Às 20 horas, as ruas da metrópole de 18 milhões de habitantes estavam vazias.
Quem deu o toque de recolher? De onde veio a ordem? Pouco foi dito do toque de recolher em rádios e TVs naquela tarde, a não ser numa única emissão da TV Record, onde um repórter considerou a debandada ‘uma espécie de toque de recolher’. As autoridades só apareceram mesmo e em bloco depois das 19 horas.
Uma novidade paradoxal havia se incorporado em definitivo à vida do brasileiro. Dois poderosos instrumentos da nova mídia foram utilizados para levar a população a voltar ordenadamente para casa: o celular e o computador. Infelizmente não foram usados pelas autoridades para se comunicarem com a população, porque tanto elas quanto a velha mídia – com as exceções de sempre, e algumas delas estão aqui neste texto – não os entendem na sua condição revolucionária de nova mídia.
Habermas e a nova esfera pública
Embora grande parte da velha mídia não tenha deglutido essa novidade por inteiro, alguns especialistas do assunto comunicação, do ponto de vista conceitual, o enfrentam bem. Uma voz poderosa veio no tom cadenciado de Jürgen Habermas, nascido em 1929, talvez o maior filósofo vivo. Ao receber o Prêmio Bruno Kreisky, dedicou seu discurso não somente ao ‘caos na esfera pública’, seu tema predileto, como entrou enfaticamente na discussão da questão das novas tecnologias. O texto resultante foi publicado em português (Habermas, 13/8/2006). Nele, aponta quanto os intelectuais estão perplexos e não dão conta do recado. Lança a pergunta certeira: ‘Será que na nossa sociedade midiática não ocorre uma nova mudança estrutural da esfera pública?’.
Habermas responde coisas que os comunicadores precisam não só escutar, mas entender em profundidade: ‘A reorientação da comunicação, da imprensa e do jornalismo escrito para a televisão e a internet conduziu a uma ampliação insuspeitada da esfera pública midiática e a uma condensação ímpar das redes de comunicação’.
Para Habermas, a esfera pública tornou-se mais includente. Troca-se então muito mais informação do que em qualquer época da humanidade. Isso pode parecer um truísmo, mas o óbvio muitas vezes não se deixa ver em sua totalidade e não basta enxergá-lo, é preciso entendê-lo também.
E os intelectuais? ‘Parecem morrer sufocados diante do transbordamento desse elemento vivificador, como se ele lhes fosse administrado em overdose’. Habermas usa uma imagem boa: ‘A bênção parece transformar-se em maldição’. As razões para isso lhe parecem ser uma ‘informalização’ da esfera pública e uma indiferenciação dos papéis correspondentes.
A novidade interativa mais visível, na esteira dessa informalização e indiferenciação, é aquela chamada de fenômeno: a do blog, aquele sítio no qual o autor posta seus textos (os ‘posts’) e dialoga com a comunidade que o freqüenta e insere comentários. Existe um serviço para medir os blogs mais visitados do mundo (chamado Top 100 Blogs), hospedado pelo sítio Technorati. Em 2006, o campeão era um blog chinês, algo facilmente compreensível porque há mais de 100 milhões de internautas na China, menos de 10% da população, mas um número absoluto muito grande entre os usuários da internet em todo o planeta. Importante notar que a internet é a mídia que mais cresce em todo o mundo. Recebe 1 milhão de novos usuários por semana. Havia cerca de 1 bilhão e 100 milhões de internautas em todo o mundo no início de 2007. [Ver aqui. A quantidade mundial de internautas no começo de 2007 era de um total de 1,1, bilhão assim divididos: Ásia: 389 milhões; Europa: 313 milhões; América do Norte: 282 milhões; América Latina e Caribe: 88 milhões; África: 33 milhões; Oriente Médio: 19 milhões e Oceania: 19 milhões, com 16,6% de penetração em toda a população mundial.]
O blog é – ao lado dos jogos online e da possibilidade de se postar vídeos em rede – uma das maiores estrelas da Web 2.0, maneira de dizer que, na internet, conteúdo interativo é tudo. Sem conteúdo interativo, não há como mostrar anúncio de forma adequada. Sem conteúdo para interagir, porque o internauta tem o poder de interferir nele, não há possibilidade de dar eficiência à web. Interagir, neste caso, significa permitir a não-profissionais da comunicação a comunicação online e imediata entre si, e de forma pública – nunca mais restrita às seções de cartas da imprensa tradicional. O blog é um fenômeno que explodiu, no entanto, não enquanto audiência de massa, mas audiência de nicho, segmentada, individualizada, dispersa mundo afora.
Jornalismo sem jornalistas?
Scott Karp [idem nota 4] sustenta que essa web aposta na participação ativa do usuário comum, o não-profissional, na produção de notícia e de informação. Em 2006, ele não tinha dúvida de que essa mecânica alcançara uma boa audiência de nicho, mas se perguntava se funcionaria para audiência de massa. A mudança de paradigma não está mais no ar, está na rede. Chamado de internauta-repórter, repórter-cidadão ou jornalista-cidadão (‘citizen journalist’), sua constituição provocou reações da velha mídia em medida complexa e ambígua, mas bastante inferior à explosão da colaboração de ‘amadores’ na rede mundial. Alguns sustentáculos da velha mídia reagiram cooptando os amadores. Outros reagiram criticando-os, naquela situação típica do jus esperneandi, aquele direito sagrado de espernear, contestar, reclamar.
Um dos esperneios mais interessantes emergiu numa das edições da New Yorker, a mais cultuada das revistas da velha mídia, com o texto ‘A hora dos amadores: jornalismo sem jornalistas’ (Lemann, 4 a 7/8/2005:44-49). A revista investiu 4.266 palavras para mostrar quão ‘ridículas’ podiam ser essas notícias: ‘Imprimir seu próprio robô? Whoa!’. As críticas parafraseavam o dito de Andy Warhol sobre os 15 minutos de fama, afirmando que ‘na web qualquer um será famoso quinze pessoas’. Tentava sacramentar, com preconceito, que o conteúdo do jornalista cidadão soará familiar somente aos adeptos de boletins de igreja ou de jornais comunitários.
Uma semana depois, como que irmanado pela prima de papel, um dos mais sérios jornais da velha mídia, The New York Times, manchetou em página inteira: ‘Amadores entram na praia dos paparazzi’. Tratou da enorme quantidade de vídeos aparecidos na internet, retirando o emprego dos fotógrafos especialistas em clicar cenas não-autorizadas de celebridades pegas em algum flagrante (Tsortzis, 14/8/2006).
A velha mídia começava a se incomodar para valer com o sucesso de sites colaborativos, como o coreano Oh My News, o americano Backfence e mesmo a Wikepedia, o You Tube e o MySpace (este último rapidamente incorporado pela velha mídia, em julho de 2005, quando adquirido por US$ 580 milhões pela News Corporation, de Rupert Murdoch). No Brasil, surgiram o Vc Repórter, no Terra, e o Minha Notícia, no iG.
Outra boa acolhida ao repórter-cidadão veio do tablóide alemão Bild. Ele anunciou pagar até 500 mil euros para os cidadãos que emplacassem suas fotos nas páginas do jornal. A inglesa BBC rendeu-se (vide o uso editorial de fotos e vídeos feitos por internautas com celulares nos ataques em Londres em 2005), a americana CNN idem. Ambas vieram engordar o chamado ‘conteúdo colaborativo’.
A capitulação, retórica, apareceu no fim de 2006, quando a revista Time elegeu você (‘you’) a personalidade do ano, reconhecendo a emergência da web 2.0 e do poder do internauta na construção de conteúdos. A capa da revista trazia um teclado de computador e uma tela de monitor espelhada em que cada leitor de Time podia se ver no reflexo e entender ser ele próprio o protagonista da internet ganhador do prêmio de personalidade do ano.
Comunicação pervasiva
‘A primeira e mais evidente das ironias é que cada pessoa que olhe a capa da Time não verá as demais pessoas com quem supostamente se relaciona diretamente, e sim um reflexo de sua própria imagem’, escreveu o sociólogo e filósofo esloveno Slavoj Zizek, nascido em 1949, em ensaio traduzido no Brasil (Zizek, 7/1/2007:10). A sua crítica se funda na suspeita de que o internauta típico, sozinho diante da tela do computador, representa uma mônada sem janelas diretas para a realidade e está envolvido apenas com simulacros virtuais. Zizek refere-se às afirmações de marxistas e críticos diversos, segundo as quais é enganosa a dita igualdade ou democracia proporcionada pela internet porque ignora as complexas disposições materiais da vida real, sua inércia, as fricções do cotidiano, coisas como ‘meu patrimônio, minha posição social, meu poder ou falta dele, etc.’ (Zizek, 7/1/2007:10).
A maior crítica ao ciberespaço é a de que ele proporciona uma existência sublimada – isso vale especialmente para jogos como Second Life e usuários de pseudônimos para se relacionar nas salas de bate-papo e nas comunidades do estilo Orkut. Usam, para se comunicar, a interface do computador. ‘Interface quer dizer exatamente que minha relação com o outro nunca acontece face a face, que sempre há a mediação de uma maquinaria digital interposta…’, conforme Zizek.
Ora, desde quando as relações humanas ocorrem total, universal e simultaneamente face a face? E a interface do livro, da carta, do jornal, do panfleto e da televisão? Esse palavreado ortodoxo desconhece que, por mais virtual que seja o relacionamento em rede, a mesma rede proporciona, de forma inequívoca, a possibilidade de a comunicação ser bidirecional e instantânea – exatamente em contraponto ao que sempre foi o livro, o jornal, a revista ou a televisão, mesmo quando usava o telefone para algum tipo de retorno. Nunca é demais repetir: o ciberespaço é bidirecional, interativo e instantâneo.
Por mais que profissionais de comunicação ou intelectuais não queiram entender o conteúdo colaborativo, uma coisa é certa: ele sugere a proximidade de um salto quântico (ou seja, um enorme pulo, de maneira descontínua, diverso dos crescimentos geométricos ou exponenciais) no horizonte do negócio da comunicação. Esse salto está em processo de realização, e vem acompanhado de uma outra forma de comunicação, que não será apenas interativa. Ela será ‘pervasiva’, palavra proveniente do adjetivo inglês ‘pervasive’, presente em tudo, difundido em todas as partes, algo que está em todo lugar. O celular aponta esse destino.
Medo da canibalização: caso Time Warner
O caso mais emblemático de como a velha mídia trata mal a nova mídia, de como teme a canibalização ou de como reage forte e inconscientemente contra ela, vem sendo protagonizado desde os primeiros anos do século XXI pela fusão da América Online, a AOL, com a Time Warner.
A AOL, cujos primórdios remontam a 1983, viu-se transformada numa das mais valorizadas companhias de internet no final do século XX, quando chegou a um valor de mercado de US$ 163 bilhões.
Em 2000, por conta desse sucesso todo, acabou comprando a Time Warner, então maior companhia de mídia do mundo, num negócio que proporcionaria uma nova empresa de um valor estimado em US$ 350 bilhões. A Time Warner tinha um valor de mercado de US$ 83 bilhões. A AOL pagou, em ações, o equivalente a US$ 164 bilhões, o dobro do valor da Time Warner na época, além de incorporar uma dívida de US$ 17,2 bilhões. Juntas, seriam imbatíveis em serviços, em conteúdos e, naturalmente, em valor (Johnson, 10/01/2000).
Pois a Time Warner, ícone da velha mídia, tanto fez que conseguiu expelir da companhia resultante da fusão, a AOL Time Warner, o núcleo dirigente egresso da AOL, Steve Case dentro dele, uma dos maiores experts em serviços online em todo o mundo. A empresa que sobrou dessa fusão, e que teria um valor de mercado superior aos US$ 350 bilhões noticiados nos primeiros dias, continua uma companhia igualmente grande, mas que apresenta um valor de mercado, conforme dito no começo, muito menor frente ao Google e também ao valor projetado pela fusão. [Seguem a Time Warner, pela ordem, em faturamento: Disney (US$ 31,9 bilhões), Vivendi Universal (US$ 24,4 bilhões), News Corporation (US$ 23,8 bilhões), Bertelsmann (US$ 22,4 bilhões), CBS (US$14,5 bilhões) e Viacom (US$ 9,6 bilhões). Mais a Time Warner, as sete faturam US$ 170 bilhões, quase a metade do faturamento das 70 maiores empresas de mídia do planeta. A projeção dos analistas para o faturamento do Google em 2006 está em na versão online da Forbes; ver aqui.] Paradoxalmente, em faturamento, a Time Warner continua a maior gigante entre as sete maiores empresas de mídia de todo o mundo, um clube ao qual o Google ainda não pertence. Teve receita de US$ 42,4 bilhões em 2005, quatro vezes mais do que o faturamento projetado para o Google em 2006, de US$ 10 bilhões.
Mas foi a AOL, quando era uma BBS (iniciais de ‘bulletin board system’), um sistema de conexão online entre computadores sem usar o protocolo da internet, a primeira a dar sentido a conteúdos exclusivos na rede. Até então, no começo dos anos 1990, as BBSs concorrentes, como Compuserve e Prodigy, trabalhavam de forma tímida com conteúdos de terceiros. A AOL nasceu, lotou-se dos mais diversos produtos para os mais diferentes paladares e ganhou mercado. Levou a Prodigy à falência, desbancou e comprou a Compuserve, abraçou a internet e virou quase monopólio, nos EUA, com mais de 30 milhões de assinantes. Isso nos tempos do acesso possível apenas via telefone discado. O crescimento exponencial da rede, a infinita oferta de conteúdos e a multiplicidade de acessos em banda larga fizeram a coisa mudar, e a Time Warner não conseguiu acompanhar essa evolução, não deu sentido aos novos tempos dentro de sua casa. Em vez de buscar a agilidade da mudança, preferiu reter seu velho modelo ancorado nas mídias tradicionais. Não enxergou, por exemplo, a necessidade premente de parceiros de telecomunicações para acertar na questão da banda larga, mesmo sendo dona de uma empresa de cabo, a Time Warner Cable.
De fato, com o passar de poucos (e velozes) anos, dois fenômenos, Yahoo e Google, sobressaíram num modelo diferente daquele ‘patenteado’ pela AOL, fundado na composição de receitas majoritárias de assinaturas de acesso com receitas minoritárias de publicidade. Cerca de 80% do faturamento da AOL provinha das assinaturas de acesso antes de ela centrar seu novo modelo na publicidade, reviravolta anunciada em agosto de 2006. O acesso era crucial e tinha no seu gene as telecomunicações. Com a dificuldade de negociar melhor a banda larga com as empresas de telecomunicações ou mesmo com sua irmã no cabo, a AOL procurou imitar o modelo de Google e Yahoo. Seu faturamento havia caído por conta da queda na quantidade de assinantes, que trocaram a AOL por outros provedores, em especial os de banda larga, mais em conta.
Os números da AOL mostravam a queda do faturamento com clareza: a receita com assinaturas caiu 10% em 2005. Os US$ 7,5 bilhões conquistados com assinantes em 2004 reduziram-se a US$ 6,7 bilhões em 2005, embora a receita com publicidade tenha subido de US$ 1 bilhão para US$ 1,3 bilhão, aumento de 33%, coisa para encher os olhos da velha mídia, acostumada a retirar grande parte de suas margens da publicidade, mas ainda pouco se comparado às receitas do Google, majoritariamente de publicidade e que, como dito acima, podem alcançar US$ 10 bilhões em 2006.
A Time Warner, expurgado o acrônimo AOL da marca, olhou para o lado e ficou espantada com os faturamentos quase unicamente advindos da publicidade dos concorrentes imediatos da AOL. O Yahoo faturou US$ 5,2 bilhões em 2005 e o Google o ultrapassou, conquistando US$ 6,2 bilhões no mesmo ano, um crescimento de 92% em relação a 2004.
Perda do monopólio de manipulação
Na outra ponta, a administração da Time Warner deixou de ver, por exemplo, que o sítio de relacionamentos MySpace foi campeão de alcance junto ao público americano e, em meados de 2006, agrupava 4,46% de todas as visitas às páginas da internet contra o até então campeão, o Yahoo. Pouco importava se o MySpace lutava para achar seu modelo de negócio, a velha agilidade da AOL em acompanhar de perto os movimentos do público usuário havia desaparecido. Não conseguiu desenvolver nada capaz de disputar audiência com o MySpace, nem com You Tube, nem com o Google.
É contraditório, mas os dinossauros da Time Warner venceram. Se a velha mídia ganhou, a empresa, como um todo, perdeu. Perdeu valor.
Ninguém coloca em questão a credibilidade criada pela velha mídia para si própria. Nem duvida que é mais fácil transferir credibilidade do veículo tradicional para um sítio na web, em vez de criá-la a partir do zero. No entanto, algo de estratégico mudou: a velha mídia, e com ela os seus profissionais de comunicação não são mais os atores principais e determinantes no espetáculo da comunicação. Até há pouco tempo dividiam orgulhosamente esse papel principal com as fontes de informação. Agora apareceram uns atores pequeninos que são, ao mesmo tempo, incontáveis. Estão dispostos a roubar um pedaço dessa atenção. Esses atores são os internautas.
O público não precisa mais ser passivo. Ganhou ferramentas capazes de dar lhe exposição local, regional, nacional e até mundial. Deixou de ser mero espectador, de ser destinatário. Participa. As velhas mídias e os velhos intelectuais querem manter o monopólio da unilateralidade, o monopólio que lhes permite derramar conteúdos sobre as pessoas, sem contestação. Talvez reajam tão fortemente às novas mídias porque perceberam a inevitável perda do monopólio da manipulação, ou, mais simplesmente, a perda do poder.
Referências
HABERMAS, Jürgen. ‘O caos da esfera pública’. São Paulo: Folha de S.Paulo, ‘Mais!’ 13/8/2006.
JOHNSON, Tom. That’s AOL folks… EUA: CNNMoney, 10/1/2000. http://money.cnn.com/2000/01/10/deals/aol_warner/
LEMANN, Nicholas. ‘Amateur hour: Journalism without journalists’. New York: New Yorker, 7 a 14/8/2006.
McLUHAN, Marshal e FIORE, Quentin. The medium is the massage: an inventory of effects. Harmondsworh: Penguin, 1967.
PILOTTA, Joe. What´s new about new media? Publicado em duas partes, a primeira em 06/06/05: http://www.imediaconnection.com/content/6056.asp, e a segunda em 7/6/2005: http://www.imediaconnection.com/content/6065.asp
SIQUEIRA, Ethevaldo. ‘Agora, sim, derrotamos o crime organizado’. São Paulo: O Estado de S. Paulo, 21/5/2006.
TSORTZIS, Andreas. ‘Amateurs get in on the paparazzi beat’. New York: The New York Times, 14/8/2006.
ZIZEK, Slavoj. ‘Identidades vazis’. São Paulo: Folha de S. Paulo, ‘Mais!’ 7/1/2007.
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Doutorando em Ciências da Comunicação (USP), professor de Ética Jornalística da Faculdade Cásper Líbero, CEO da unidade de internet da Brasil Telecom