Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Proibição de bingos tem cobertura fria

Segundo a Associação de Bingos do Brasil, existem cerca de mil e cem de seus estabelecimentos espalhados por todo o país. O setor movimenta entre 1 e 3 bilhões de reais por ano, estima-se. Existem cerca de 100 mil máquinas caça-níqueis em operação nos bingos, sem contar as que estão em bares, padarias e pequenas lojas. Hoje, a importação é proibida e em alguns estados essas máquinas são legalizadas. Em 1946, os jogos de azar foram proibidos em todo o país. A partir de então, apenas loterias federais foram permitidas. Em 1993, a Lei Zico abriu brecha para a exploração de bingos e similares por entidades privadas. Foi nessa época que a importação das máquinas caça–níqueis aumentou assustadoramente, possibilitando a sua proliferação. Em 1998, a Lei Pelé regulamentou a atividade dos bingos. Depois, a Caixa Econômica Federal passou a fiscalizar essas casas. Em 2002, o funcionamento desses estabelecimentos voltou a ser considerado ilegal.

Sintético, o histórico foi publicado no Jornal de Santa Catarina em 21 de fevereiro último, um dia depois da Medida Provisória que proibia o funcionamento dos bingos no país. A MP de Lula causou surpresa e revolta entre os que atuavam no ramo. Nos jornais, a polêmica dos bingos foi revelada através da sutileza. O que parecia uma bomba prestes a explodir não teve tanta relevância para os periódicos locais.

O assunto logo se tornou capa do Diário Catarinense e de A Noticia no dia 21. As manchetes: ‘Lula reage e proíbe bingos no país’ (DC); ‘Governo fecha jogos de Bingo do país’. Ao longo de fevereiro e março, de uma maneira ou de outra, os jornais apresentavam o assunto em manchetes ou simplesmente como chamadas de capa.

No entanto, o assunto é tratado nas matérias em tom informativo. No período analisado por este Monitor de Mídia – de 20 de fevereiro a 12 de março -, o DC, o AN e o Santa preocupam-se apenas a simplesmente noticiar o caso. E embora ele ocupe espaço considerável nas edições, é tratado de maneira explicativa. A medida provisória, as liminares das casas de bingo e a sucessiva cassação das mesmas foram detalhadas no AN, mas sempre seguindo uma linha mais isenta.

A voz do governo

Outro aspecto que chamou a atenção foi o fato de o assunto ser tratado em sua maioria com o respaldo das fontes oficiais, como revela o trecho: ‘Lula relatou conversa que tinha tido instantes antes com Dirceu. Na conversa, Dirceu contou que tinha falado com o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. ‘Eu determinei que fosse editada uma medida provisória proibindo os bingos e os caça-níqueis neste País até que se encontre uma solução definitiva para essa situação’, informou, acrescentando que o governo continuará buscando credibilidade: ‘Não haverá problema político que atrapalhe os passos que o Brasil precisa dar’’ (A Notícia, 21/02). E ‘Se até o presente momento a atividade de bingo funcionou regularmente com o beneplácito (consentimento) do Poder Público, não é por uma penada de ocasião que extinguirá com toda a modalidade do jogo de bingo’, salientou o juiz’ (DC, 26/02). O que inicialmente daria consistência ao assunto pode confundir o leitor. Como é caso da declaração do juiz federal substituto Rogério Didonet Teixeira, citada acima. O uso dos termos técnicos tende a pouco contribuir para compreensão do leitor.

Apesar do uso generalizado do tom informativo, os periódicos trouxeram também questões adicionais para o leitor. O uso de infográficos e boxes para explicar as diferentes situações é utilizado pelo AN, Santa e DC. No dia 26 de fevereiro, o DC traz a ilustração de uma máquina de caça-níquel detalhada na maneira de seu funcionamento. O mesmo aconteceu com A Notícia que, em 3 de março, trouxe box com foto de deputados e senadores e suas opiniões sobre o caso.

A voz da rua

As versões da população também puderam ser lidas no AN. O jogo como vício foi apresentado para alertar sobre os perigos sociais dessa prática. Em 27 de fevereiro, a edição vem com ‘Cabeleireira aprova medida’, onde o assunto é tratado do ponto de vista de quem ‘sofre’ com o bingo. É o que revela o trecho: ‘A cabeleireira Lucinda Marques ‘adorou’ a determinação do governo federal em suspender a atividade dos bingos no País. Ela disse que há mais de um ano se viciou no jogo e foi a pior coisa que lhe aconteceu. ‘Comecei a jogar nas máquinas caça-níqueis e muitas vezes saía no meu trabalho para jogar. Nesse tempo que joguei, ganhei R$ 10 mil e aos poucos perdi tudo. Ir a estes lugares é ilusão. Eles dão o dinheiro e depois tiram tudo’, contou ontem. ‘Estou fazendo uma corrente de oração para ver se não entro mais em casas de bingo. Faz um mês que não vou’, comemorou’. O mesmo acontece no DC de 3 de março que utiliza da ‘desgraça’ do desemprego para explicar a situação de uma família de Chapecó ‘Ficou complicado para a gente se manter’ disse Rosane, segurando o choro’.

Sem gritaria

Editada na véspera do Carnaval, a Medida Provisória não só chacoalhou as casas de jogos do país, mas toda a oposição ao governo que vinha clamando por CPI para o caso do ex-assessor do ministro José Dirceu, Waldomiro Diniz. Analistas mais experientes entendem que a edição da MP tentou matar dois coelhos com um golpe só: acabou com a jogatina e criou um fato político novo, capaz de desviar o olhar da ferida aberta por Diniz. Se isso aconteceu de fato ou não, ainda é cedo para dizer. O que se pode afirmar é que os bingos catarinenses foram rápidos, correndo à Justiça e obtendo liminares para seu funcionamento. A mídia nacional voltou seus olhos para o Estado e acompanhou de perto a celeuma. Cassadas as liminares e lacradas as máquinas, pouco sobrou para os apostadores e aposentados que gastavam seus tempos e dinheiros com a distração eletrônica. Na imprensa catarinense, o barulho foi menor que nos tribunais. Houve frieza no tratamento das informações, nenhuma paixão e um silêncio dos jornais que parecia atestar que a medida tinha vindo em bom tempo.

Editoriais e Waldomiro

Embora a cobertura informativa do caso dos bingos tenha sido fria e burocrática, a temperatura só subiu mesmo nos editoriais e nas análises dos colunistas dos jornais. Foi para esses poucos espaços que foram canalizados algum descontentamento ou aplauso à Medida Provisória que fechou as casas de jogos eletrônicos no país.

No editorial de A Notícia intitulado ‘A Justiça e os Bingos’, fica clara a insatisfação do veículo com o surgimento das liminares destinadas a permitir a reabertura das casas em Santa Catarina. Fato este que contribuirá para desorientar a opinião pública diante da legalidade da Medida Provisória, e conseqüentemente, desmoralizar o governo. O jornal indaga: ‘Até que ponto uma decisão do presidente da República, respaldada pela assessoria jurídica de tão elevado nível, pode merecer tão imediata suspensão?’

O AN vai mais longe, e questiona as reais intenções do governo ao fechar as casas de bingo. Nesse ponto, o editorial assume uma posição severamente crítica em relação à medida, e declara: ‘Na verdade, a medida provisória assinada pelo presidente Lula sempre teve muito mais a intenção de abafar o escândalo Waldomiro Diniz e garantir a sobrevivência política do ministro José Dirceu, do que propriamente de acabar com os bingos e os jogos eletrônicos’. Uma declaração forte, que assume a postura do jornal diante das recentes atitudes do PT e que marca posição frente aos solavancos políticos recentes.

Essa visível insatisfação é retomada em 5 de março, no editorial intitulado ‘O PT e as CPIs’, onde o jornal não mede esforços para atacar o governo e criticar seu partido-base: ‘O caso dos bingos vem causando um desgaste brutal ao Partido dos Trabalhadores e revela que o PT sabe agir na oposição, mas sai-se muito mal quando está no governo’. O fogo cerrado continua: ‘O que o PT vem propiciando, nessa que é chamada de primeira crise, é um espetáculo de incoerência, amadorismo e desencontro’. O editorial, nas últimas linhas, ressalta ainda que a crise política mostra um governo desorientado e sem estratégia, mostrando que o PT não detém o monopólio da virtude.

No Jornal de Santa Catarina, os editorialistas também não poupam críticas ao governo. É o que pode ser percebido na edição conjunta de 21 e 22 de fevereiro. Sob o título ‘A administração da turbulência’, pode-se ler que ‘até mesmo essa decisão governamental aparece com a marca da improvisação, uma vez que o fechamento dessas casas não era cogitado até segunda-feira’. O editorial do dia 24 segue a mesma linha. O jornal defende que ‘uma decisão precisa ser adotada por exigência inquestionável da sociedade: o jogo precisa ser mantido à distância do financiamento de campanhas eleitorais’. ‘A CPI bloqueada’, publicado na edição de 6 e 7 de março, critica ainda a posição do PT ao impedir as investigações sobre a atuação dos bingos e o escândalo Waldomiro Diniz.

Seu parceiro entre os jornais locais no Grupo RBS – o Diário Catarinense – além de, também publicar ‘A administração da turbulência’ e ‘A batalha do bingo’, trouxe mais dois editoriais tratando do assunto. Em 25 de fevereiro, o DC afirma que a Medida Provisória teve ‘o duplo mérito de recolocar o governo na ofensiva e de forçar o Congresso a examinar seriamente a legalização dessa polêmica atividade’. E alfineta: ‘Mas não trouxe um só fato novo sobre a irregularidade cometida por um alto funcionário do governo’. Quatro dias depois, ‘O Brasil e o jogo’ aborda um outro aspecto da questão: ‘Jogos como bingos e caça-níqueis são prejudiciais em si mesmos?’. E sugere que ‘o mais sensato é seguir o exemplo de países que conseguiram regulamentar os jogos, evitando que eles sirvam de cobertura para atividades criminosas’.

Ironia entre os colunistas

Nas colunas, muitas notas informativas e críticas apresentadas em tom irônico. Moacir Pereira, de A Notícia, assumiu a posição mais informativa, limitando-se somente a divulgar as repercussões da decisão do presidente. Transmitiu as medidas tomadas pelo Supremo Tribunal Federal e as ações dos trabalhadores envolvidos – como a passeata até a Assembléia Legislativa e a mobilização no Lago da Alfândega. Somente no dia 4 de março é que podemos perceber uma posição mais declarada do colunista em relação à Medida Provisória. Pereira ressalta a situação delicada em que permanece o governo: ‘O PT, acostumado a liderar os grandes protestos contra o governo central, provou pela primeira vez, o próprio veneno. A medida provisória fechou os bingos, mas ampliou a crise’.

No Jornal de Santa Catarina, Valter Ostermann relaciona os bingos com outro jogo de azar praticado no país. No dia 24 de fevereiro, traz que ‘o governo vai propor a estatização do bingo. Poderia aproveitar e estatizar também o jogo do bicho’. No dia 2 de março, volta a comparar a diferente posição do governo em relação a estes jogos: ‘Pelo andar da carruagem, os bingos não reabrem’. Já o jogo do bicho é considerado ‘proibido desde sempre e funcionando para sempre’.

Paulo Alceu, do DC, também utiliza o mesmo recurso. No dia 7 de março, sob nota intitulada ‘Apostas’, traz que ‘avestruz e macaco representam os números da MP 168/04, que acabou com os bingos e as máquinas caça-níqueis mas não com o jogo do bicho’. Fabian Lemos, do Santa, também veio com ironia: ‘Se um agente do governo federal for flagrado pedindo propina de campanha a algum alto empresário ligado ao Clube dos Treze ou à CBF, Brasília manda fechar os estádios e clubes de futebol?’. Paulo Alceu também satiriza: ‘Dizem por aí que por conta dos elevados índices de acidentes nas rodovias do país, Lula, de repente, numa canetada, acaba com as fábricas de automóveis’.