Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Projeto de lei tumultua debate

Passados quatro anos desde a desastrada tentativa da Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj) e do Governo Federal de criação do Conselho Federal de Jornalismo (CFJ), o tema ameaça se tornar agora um imbróglio com o Projeto de Lei nº 3.981, proposto em 2 de setembro pelo deputado federal Celso Russomano (PP-SP), que ‘dispõe sobre a criação do Conselho Federal e dos Conselhos Regionais de Jornalismo, sobre o exercício da profissão de Jornalista, e dá outras providências’.


Não bastassem a espera pela votação no STF (Supremo Tribunal Federal) da obrigatoriedade do diploma de jornalismo e o grupo de estudos criado pelo MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) ‘para propor alterações na legislação em vigor a fim de viabilizar a regulamentação da profissão de jornalistas’, o novo projeto de lei prevê ‘exame de ordem’ para acesso à profissão (art. 12, inc. V), competência para determinar ‘critérios para o traje dos jornalistas’ (art. 12, inc. XI), obrigatoriedade de ‘diploma ou certificado de graduação ou pós-graduação em jornalismo’ (art. 33, inc. II) e a criação de tribunais de ética para julgar processos disciplinares (art. 14).


A dúvida principal que envolve esse PL é se parlamentares têm competência legal para a proporem. Conforme seu artigo 2º, ‘o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Jornalismo constituem, em seu conjunto, uma autarquia federal, com personalidade jurídica de direito público e autonomia administrativa e financeira’. Entretanto, a Constituição Federal estabelece que são da competência exclusiva da Presidência da República as leis que disponham sobre a ‘criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública’ (artigo 61, § 1º, inciso II, alínea ‘e’).


Foi justamente por causa dessa competência privativa que a Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj) propôs pela primeira vez em 2002 para o governo federal – ainda na gestão FHC – seu primeiro anteprojeto de lei de criação do CFJ. Outro anteprojeto foi enviado em 2004, já na gestão do presidente Lula, que, após diversas alterações, o encaminhou à Câmara em agosto daquele ano, onde se tornou o Projeto de Lei nº 3.985, que acabou sendo rejeitado pelo plenário em votação simbólica de lideranças partidárias em 15/12/2004.


Manifestação no STF


O PL de Russomano não é a primeira tentativa desse deputado para regulamentar a profissão de jornalista. Ele já havia apresentado o Projeto de Lei nº 6.817/2002, que previa a criação da Ordem dos Jornalistas do Brasil como uma entidade não governamental e acabou sendo arquivado com a proposta do CFJ em dezembro de 2004.


A nova proposta de Russomano incorporou alguns cacoetes autoritários que não existiam nem sequer no PL do CFJ de 2004, mas que foram encaminhados ao Legislativo pela Fenaj por outros meios. Um exemplo disso é a definição das atividades privativas de jornalista, que já havia sido proposta por meio do Projeto de Lei nº 708/2003, de autoria do deputado Pastor Amarildo (PSB-TO e depois PSC-TO), que foi aprovado na Câmara e no Senado, mas foi vetado por Lula em 26/07/2006.


O artigo 32 da atual proposta de Russomano prevê como atividades privativas de jornalista a ‘execução de desenhos artísticos ou técnicos de caráter jornalístico’, ‘revisão de originais de matéria jornalística com vistas à correção redacional e à adequação da linguagem’ e o ‘ensino, em qualquer nível, de técnicas de jornalismo’. Esta última esbarra no artigo 207 da Constituição Federal, que estabelece a autonomia universitária, devidamente explicitada pela jurisprudência a seguir:




‘As Instituições de Ensino Superior (IES) não se sujeitam à fiscalização das Autárquicas Corporativas, sob pena de violação ao princípio da Autonomia das Universidades, de cunho Constitucional e precisa definição da Lei-CF88.’ [JSTJ e TRF, Volume 103, página 575. Apelação Cível n. 106.388-Pb]


Para esquentar ainda mais o clima em Brasília, está prevista para quarta-feira (17/90, dia seguinte à divulgação do PL de Russomano, uma manifestação junto ao STF pela manutenção da obrigatoriedade do diploma de jornalistas promovida pela Fenaj e pelos sindicatos a ela associados, que afirmaram desconhecer a proposta do deputado.


 


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Jornalista especializado em ciência e meio ambiente; editor do blog Laudas Críticas