Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Publicidade e agendamento da mídia

Até que ponto um jornal ou revista pode ser considerado como serviço à sociedade e onde ele começa a ser tratado como produto é uma questão que permeia a preocupação de jornalistas, pois perpassa a natureza e finalidade da profissão. Joseph Pulitzer, proeminente nome da área, financiador da primeira Escola de Jornalismo (Universidade Columbia), em 1904 acentuava sua pretensão: ‘O jornalista não está pensando no salário ou no lucro, mas na segurança e bem-estar da sociedade’ (in: KOCH, 1991, p.3).

Javier Darío Restrepo, em seu consultório online de ética, opina que ‘a situação ideal é que o leitor seja o começo e fim de todo o processo’. [Consultório ético, questão de número 203. Neste sítio, o jornalista colombiano Javier Darío Restrepo oferece apoio aos jornalistas para discussão de seus dilemas éticos. Cada questão é respondida com base na experiência de Restrepo e com o oferecimento de referência bibliográfica sobre o assunto.] No entanto, ao transpô-los para a prática atual da profissão, encontram-se muitos casos onde tais ideais não são seguidos, o que pode levar ao questionamento deles enquanto princípios deontológicos, já que o serviço da ética se dá em sua adequação com a realidade.

Em Journalism for the 21st century, o pesquisador norte-americano Tom Koch critica o mito institucional apregoado ao jornalismo que faz deste o porta-voz da população na divulgação de informação sem qualquer interesse ou influência. Koch faz uma provocação frente à frase de Pulitzer, dizendo que ‘O jornalista serve primeiro à empresa, depois ao público. A notícia serve de adorno para espaços de anúncio’.

Revista cita anunciante 4 vezes

Apesar do tom pesado, a crítica é contundente. A afirmação tem fundamento e é verificável quando da diagramação dos jornais, quando primeiro são definidos os espaços dos anúncios e as notícias são encaixadas nos espaços restantes. A proposta de Koch não é deixar o jornalismo puramente à mercê do negócio, mas não deixar a questão comercial de lado. Como solução, o autor propõe que se fale em metas. A finalidade da meta institucional é a mesma do mito exposta acima – muda o modo como é considerada, compreendendo-se que jornal ou revista se tratam também de produtos cuja função é obter lucros.

Voltando à questão inicial: como fazer com que estes veículos atuem ao mesmo tempo enquanto serviço aos leitores e produtos lucrativos? Em jogo, para as empresas de mídia, os interesses de seus dois clientes: leitores e anunciantes. Entre as dificuldades pode-se falar da definição sobre o que entra e o que fica de fora das notícias. Dar aos anunciantes o poder de participar do agendamento da mídia, por exemplo, sugere um excesso de cuidado para com essa clientela, antepondo seus interesses aos dos leitores, caso em que o objetivo primordial de lucratividade fica claramente exposto. Ao prestar esse serviço, unindo publicidade ao jornalismo sem o estabelecimento de limites claros em seus conteúdos, o jornalismo, não mantendo seu compromisso de informação isenta, prejudica a visão do mundo, vendendo um mito da realidade.

É o que se observa, para citar um caso, na matéria ‘Compre Verde’, capa da edição de 31 de março de 2008 da revista Época, editora Globo. Uma das correlatas, intitulada ‘Ecologia no dia-a-dia’, ilustra uma casa ecologicamente correta, citando 17 marcas de produtos, do detergente, passando pelos armários e eletrodomésticos, às lojas onde se compram lixeiras coloridas para prática da reciclagem. Entre as frases das matérias que compõem a reportagem, vale destacar: ‘Hoje, o Wal-Mart tem as metas ambientais mais ambiciosas do mercado’ e ‘A linha Taeq, do grupo Pão de Açúcar, tem alimentos orgânicos. Há frutas, legumes e até saladas prontas’. O grupo Pão de Açúcar, um dos oito anunciantes da reportagem, é citado quatro vezes.

A janela do mundo

A venda do espaço publicitário é livre, desde que seus anúncios não interfiram no espaço das notícias, o qual não condiz com propagandas nem prestação de serviços. Daniel Morgaine (1971), puxando esclarecimentos do marketing, afirmava que os leitores não compram produtos, mas satisfações. Atingir um equilíbrio, tornar o leitor satisfeito com a reportagem, pode ser a resposta para a missão do jornalismo contemporâneo. Para manutenção do ofício do jornalismo, prossegue a meta de que o jornalista deve buscar informação sem influências.

Lembre-se aqui da contribuição de Gaye Tuchman em entender as notícias como a janela do mundo. Para que esse objetivo se cumpra, obedecendo ao princípio da independência, vale acrescentar as considerações de Koch: ‘Vai depender se ela é grande ou pequena, limpa ou suja.’

Referências bibliográficas:

KOCH, Tom. Journalism for the 21st century – online information, electronic databases, and the news. Nova York: Praeger, 1991

MORGAINE, Daniel. Diez años para sobrevivir (el diario de masas de 1980). Madrid: Editora Nacional, 1972. Título original Dix ans pour survivre (Un quotidien grand public em 1980). Paris: Hachette, 1971.

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Estudante de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina