Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Quando a fonte paga a matéria

Acompanhando a edição do dia 24/5, o jornal A Notícia traz um suplemento especial que trata da duplicação do trecho sul da BR-101. Na capa, uma foto de uma placa com os dizeres: ‘BR-101 Trecho Sul em obras’ e um texto bem tendencioso. Por sua abertura é possível ter uma idéia: ‘Muitos não acreditavam que fosse possível. Mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cumpriu o compromisso: as obras da duplicação da BR-101 já estão sendo realizadas’. O tom otimista continua nas páginas internas, o que pode ser percebido por alguns dos títulos das matérias: ‘Obras já são realidade na 101’; ‘Para Fecomércio, progresso será conseqüência natural’ e ‘Amurel comemora o início e aguarda ritmo mais intenso’.

Além dessa tendência explícita, todas as fontes das matérias são também anunciantes do suplemento!! Assim, o AN Especial deveria, na verdade, ter sido publicado como um informe comercial. Mas no expediente do caderno, não há nenhuma menção a isso, nem qualquer advertência aos leitores nas suas páginas. Parece bobagem, preciosismo, mas não é. Conteúdo jornalístico é conteúdo jornalístico. Publicidade é publicidade. Simples e fácil.

Cada macaco no seu galho

Nos cânones do jornalismo, quer dizer, nos alicerces da profissão, há um velho ditado: Jornalismo e Publicidade são como Estado e Igreja. Os dois são importantes num meio de comunicação, exercem seus poderes, mas não se misturam. O entendimento é de que o departamento comercial de um jornal apenas se encarregue de captar recursos, vender anúncios, e não pautar a redação. A mesma coisa do outro lado: jornalista não redige anúncio publicitário nem sequer vende cota de patrocínio. No caso do suplemento de A Notícia, jornalismo e publicidade se misturaram de maneira preocupante. Precisa ficar claro pro leitor o que ele está consumindo, mesmo que ele tenha plenas capacidades de discernir uma coisa da outra.

Ora veja!

Mais do que informações sobre a duplicação, o que o leitor encontrou no dito suplemento foi uma enxurrada de declarações de políticos do Partido dos Trabalhadores (PT) e empresas e instituições ligadas de alguma forma à obra. Logo o PT que sempre condenou tais práticas! Apareceram nas páginas de AN Especial: o presidente Lula, a senadora Ideli Salvatti e os deputados Vânio dos Santos e Jorge Boeira. É isso que chamam de prestação de contas para o eleitor?

Pegando carona

Para o gran finale, o suplemento veio com uma contracapa com fotos de 43 deputados. O anúncio traz que ‘Há milhares de vozes defendendo a duplicação (…). 43 são dos deputados estaduais’. Muito bem. Quem paga o anúncio é a Assembléia Legislativa, mas há algo de errado, afinal, ela não tem apenas 40 cadeiras em seu plenário?

Publicidade do DC

A nova campanha publicitária do Diário Catarinense tem um enfoque diferente das que tinham sido produzidas anteriormente. Desta vez, não é a qualidade de informação que ganha destaque, como ocorre em grande parte da publicidade dos jornais. Com as frases ‘O DC completa’ e ‘uma fonte de opinião’, os anúncios passam ao leitor uma imagem que supera a idéia de reprodutor de fatos e fonte de informação. Apresenta assim, a opinião como um fator decisivo na escolha do veículo. Mais do que uma publicidade que se tem um enfoque diferente da realizada pela maior parte da imprensa, valorizar a opinião é também discutir a idéia de imparcialidade que é um traço estereotipado da imprensa.

Filha de peixe

No dia 22, o DC publica a matéria ‘Isabella tem a natação no Sangue’, que traz as perspectivas da filha de Fernando Scherer (o Xuxa) na natação. O texto apresenta as conquistas já alcançadas pela menina através dos depoimentos em terceira pessoa de familiares e da treinadora. Na edição de 24 de maio, o jornal traz sob o título ‘Sinto que Isabella tem jeito’ numa entrevista com o pai da menina. As informações contidas nesse texto são as mesmas que foram publicadas no dia 22. Além de não acrescentar nenhum novo dado, a foto utilizada também é a mesma. Corujice de pai pode, mas do jornal já é demais…

O papa ainda é pop

Mesmo passado um mês da escolha do novo papa, os assuntos do Vaticano ainda são destaque nos jornais catarinenses. Seja em pequenas notas ou mesmo em matérias mais detalhadas, as ações de Bento XVI e todo o procedimento de beatificação de João Paulo II têm espaço garantido. Seja em pequenas notas, da relação de Bento e João Paulo, como ‘Bento homenageia João Paulo II’, no dia 19, passando por outras mais corriqueiras do tipo ‘Papa vende sua casa’, até matérias mais detalhadas do desenvolvimento da religião como ‘Papa vai lutar pela unidade cristã’ no dia 30. Aos olhos deste Monitor, é possível que a atenção dada aos fatos relacionados à igreja católica estejam no embalo da grande movimentação que os fatos em Roma motivaram. Ou ainda, pode estar em andamento um processo de ‘popificação’ de Bento XVI…

Nas ondas da política

Acostumado às siglas partidárias, o leitor da coluna ‘Informe Político’ do DC deve ter se surpreendido, no dia 14, ao ler uma bem diferente. A nota intitulada ‘Na onda’ traz que ‘Santa Catarina vai sediar, em novembro, a única etapa sul-americana do campeonato mundial de surfe da divisão de elite, o WCT’. Nenhum aspecto político, nenhuma errata no dia seguinte. No mínimo, estranho…

Gaúcho no Diário Catarinense

Para os leitores do DC, é cotidiano encontrar o colunista Roberto Alves na Editoria de esportes do jornal. Há algum tempo, porém, não são só as suas opiniões que aparecem no diário da capital. Luiz Zini Pires assina, uma vez por semana, a coluna ’90 minutos’ que tem como foco futebol nacional e internacional. É claro que é interessante apresentar outro ponto de vista ao leitor, mas uma pergunta fica: por que é um colaborador do Zero Hora que assina a coluna? Não há no Estado alguém com conhecimento da área? Ou é mais cômodo utilizar material já produzido por seu companheiro de Grupo RBS?

Estepe e currículo

Analisando os cadernos de empregos e veículos dos três principais jornais catarinenses na última quinzena de maio, percebeu-se que em A Notícia, o caderno de veículos contava apenas com matérias de caráter de consumo, com os lançamentos do mercado automotivo. Informação pra valer e prestação de serviços ficam em segundo plano. Já o Diário Catarinense preocupou-se mais com dicas de manutenção. Enquanto o Santa diversificou, publicando toques, lançamentos e eventos automotivos.

Estratégia?

Nos cadernos de empregos, foi o AN quem teve um diferencial: trouxe material sobre qualificação e oportunidades. Em todos os casos, entretanto, o espaço dedicado às matérias é ínfimo, se comparado ao espaço dado aos anúncios. Na verdade, parece que o material jornalístico só é publicado como gancho para os anunciantes, já que a maior parte é de agências de notícias.

Doeu!

Diário Catarinense e Santa compartilham formato, matérias e até o mesmo erro no caderno de empregos. No dia 15 de maio, a matéria sobre doenças profissionais apontava casos de doenças mentais comuns em decorrência do trabalho. Publicado tanto no DC quanto no Santa, o texto, apesar de ter como fonte agências de notícias diferentes, possuía conteúdo e erro idênticos. Alguns dos sintomas sugeridos, de acordo com opinião de uma especialista, eram ‘alegria, queda de cabelo ou surto psicótico’. A alegria mencionada tratava-se possivelmente de alergia… No período analisado, foi possível encontrar o mesmo material em mais duas edições dos jornais do Grupo RBS.

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