Tuesday, 24 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Quando política vira polícia nos jornais

Os últimos trinta dias foram explosivos nas páginas dos diários, tornando o hábito de se informar pelos jornais um tormento para os leitores, muitas vezes. Os escândalos recentes na política nacional, a execução sumária do emigrante brasileiro em Londres confundido com um terrorista e o caso do delegado catarinense que foi afastado do cargo por ilegalidades no serviço público foram destaques.

Termômetro na sessão de Política

A ‘Crise no Planalto’, como é intitulada a sessão especial do Diário Catarinense, é destaque durante todo o período de revelações em Brasília. No início, as matérias referentes aos problemas particulares do PT eram encontradas em maior quantidade. No decorrer das edições, as matérias acerca do Partido dos Trabalhadores (PT) deram lugar às noticias de revelações que envolvem empresários e diversas figuras do governo. Pelos créditos, percebe-se que o DC aproveita muito o material enviado pela agência de Brasília.

O Santa e A Notícia, nesse período, ativeram-se a cobrir a CPI, que é o carro-chefe de toda a cobertura. Os jornais apresentaram as matérias da crise do PT como resultante do escândalo. O AN do dia 25 publicou, junto às matérias relacionadas à crise, que Karina Somaggio, ex-secretária de Marcos Valério, estaria negociando um contrato com a revista Playboy.

Assim, foi possível perceber que mesmo apresentando diferenciais, os periódicos apenas acompanharam as investigações e as agências de notícias. Os jornais, no entanto, não utilizaram o espaço que lhes cabe para, por exemplo, fazer um resgate dos principais acontecimentos. De tal modo, o leitor que ‘pegou o bonde andando’ não teve um completo entendimento dos fatos.

Carta na manga

Um infográfico, na edição do dia 24 do Diário Catarinense, apresentou perspectivas acerca dos possíveis ‘caminhos’ para o Brasil sair da crise. Em ‘Onde é a Saída’, foram apresentados depoimentos de vários cientistas políticos e especialistas. As soluções apontadas variaram desde impeachment até a tomada pelo Parlamento. Independente de apresentar o que está acontecendo ou sendo cogitado, a publicação apresentou possibilidades em dois sentidos, tanto no sucesso quanto da falta de preparo na realização.

Uma maneira também interessante e dinâmica de demonstrar os reflexos da crise política na economia foi o box do caderno de Economia do AN no dia 26 de julho. O espaço ‘cronologia da crise do mensalão’ relacionava datas, fotos dos envolvidos e altas ou quedas do dólar e do Ibovespa.

No Santa, o diferencial foi a enquete realizada com a população, sob o título: ‘O que você faria se ganhasse um mensalão?’. Acompanhando as respostas dos populares, a consulta destacou a perda da noção de valores em Brasília.

Denúncia e investigação

Na edição de sábado, 30 de julho, o Diário Catarinense denunciou o uso indevido de carros pertencentes à Segurança Pública do Estado, em uma reunião de candidatura do Chefe da Polícia Civil Ricardo Lemos Thomé. A matéria trouxe, além de detalhes do fato, a afirmação de que ‘o DC flagrou na noite de quinta’ a reunião. Na edição do dia seguinte, o jornal apresentou matéria com mais informações referentes ao caso, completando com o trecho: ‘na Quarta-feira, uma empresa de comunicação enviou ao DC’, referindo-se às informações. O papel da imprensa em denunciar casos que ferem a lei, não só em tempos como este, é importante para a melhoria da sociedade onde se vive. Mas, mesmo a matéria tendo o impacto que tem, não se pode deixar de lado questões da imprensa, como as fontes e a maneira que a matéria chega ou mesmo a posição do denunciado, que teve seu depoimento somente na segunda matéria.

Depois da concorrência

A Notícia informou no dia 23 de julho a morte de um suspeito pelos ataques terroristas em Londres. O fato ocorreu, dentre outras razões, devido à aparência asiática do mesmo. O AN, no entanto, ainda não possuía conhecimento sobre a identidade do homem assassinado. No dia seguinte, estampa ‘Suspeito morto em Londres era brasileiro’, que revelou Jean Charles Menezes como vitimado, acompanhado por uma marca de carimbo: ‘Antes da Concorrência’.

Assim como aconteceu na cobertura da morte do Papa, os jornais do grupo RBS perderam o furo. No caso do Santa, é compreensível devido ao fato das edições de sábado e domingo serem conjuntas, diferente do DC, o que leva a crer que a edição de domingo do Diário estava fechada desde sexta-feira já que a identificação do corpo ocorreu no sábado.

Mantendo a tradição

No período de 20 a 30 de julho, A Notícia publicou seu caderno especial do festival de dança de Joinville, evento que entrou na edição deste ano do ‘Guinness Book’ como o maior festival de dança do mundo. Como nos outros anos, o suplemento apresentou a programação geral do evento (horários, locais), bem como diversas entrevistas e matérias acerca dos cursos, oficinas e apresentações realizadas por toda cidade. Quem teve o AN nas mãos durante o festival não pôde se perder, estava tudo lá, inclusive a programação da 12ª mostra de dança de Florianópolis. O repertório mágico de fotos documentou os bailarinos e as diversas coreografias, no entanto, a impressão do caderno ofuscou o brilho do trabalho dos fotógrafos, a distorção das imagens impediu uma boa visualização do figurino e da expressão dos artistas.

Café requentado

É legítimo que os jornais locais usem os conteúdos que compram das agências notícias. Mas algumas práticas são questionáveis. É o caso da entrevista com o escritor Cristóvão Tezza que A Notícia trouxe no dia 20 de julho, na capa do caderno Anexo. Não se discute o interesse nem a qualidade do material: a entrevista é boa e o autor é catarinense, o que justificaria o destaque de uma página para Tezza. O problema é que a mesma entrevista já tinha sido publicada 33 dias antes no caderno Cultura de O Estado de S. Paulo, edição de 17 de junho, p.7.