Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Quanto custa ser jornalista

Sabendo que sou jornalista e professor de Jornalismo, uma amiga que estava interessada em trabalhar na área perguntou se eu sabia quanto custa ser jornalista. Fiquei surpreso com a pergunta, especialmente pela crueza e sinceridade contidas num enunciado aparentemente tão simples. Confesso que não soube responder. Rapidamente passaram pela minha cabeça alguns números, mas algo na formulação daquela questão me incomodava e achava que por mais precisa que pudesse ser a resposta, em cifras, algo estaria faltando.

Disse que pensaria a respeito e depois conversaríamos. Antes disso, fiz alguns cálculos: somando 10 ou 12 mensalidades de uma faculdade na faixa dos R$ 800, o ano sairia por volta dos R$ 8 mil, mas pensando em quatro anos, teríamos R$ 32 mil. Pensei na compra de 10 ou 20 livros por ano, algo em torno de R$ 500, teríamos aí R$ 1.500 a R$ 2.500 durante o curso. Somando transporte e lanches, chutei: de R$ 2 mil a R$ 3 mil. Mais uma ou outra assinatura de jornal ou revista, provedor de internet, um ou outro equipamento (como gravador, máquina fotográfica etc.), um ou outro congresso: mais uns R$ 15 mil.

Como números nunca foram o meu forte, resolvi sintetizar: ser jornalista custa mais ou menos o preço de uma quitinete razoável no centro de São Paulo. Pronto! Mas havia algo na pergunta que ainda me deixava em dúvida. Alguns dias depois, minha amiga me procurou:

– E então, quanto custa ser jornalista? Estou perguntando porque, dependendo do valor, talvez eu faça outro curso…

Disse ainda que talvez cursasse Letras, Moda, Direito ou mais uma ou duas opções que não lembro agora. Fiquei surpreso com o leque de possibilidades e voltei atrás na resposta da quitinete. Observei que em vez de perguntar ‘quanto custa’ ela deveria pensar em ‘o que custa’. E melhor ainda: em ‘o quanto vale um jornalista’.

Construção da cidadania

Jornalista não se faz, apenas, jornalista principalmente se é. O sentimento de ser jornalista não se compra. Claro que a escola, a formação, o contato com as teorias e a prática laboratorial da profissão são fundamentais para o aprendizado, mas na sociedade de consumo o sentimento da ‘venda’ de tudo quanto é coisa conseguiu distorcer e fazer se perder, em nós, a verdadeira essência das coisas.

‘Quanto custa’ ser jornalista é a parte menos importante de ‘o que é’ ser jornalista. Essa visão é importantíssima para que aqueles que pretendem seguir a carreira entendam o que estão fazendo na faculdade e possam tirar o maior proveito possível do curso, da formação e da profissão.

A primeira coisa que alguém interessado na área ou um aluno deve fazer, nesse sentido, é responder a si mesmo o que é jornalismo. Muita gente não sabe. Apesar de os diversos autores conceituarem o jornalismo de diferentes formas, cada indivíduo vai chegar ao seu próprio conceito levando em conta sua relação com seus conhecimentos de mundo, com o outro, suas experiências etc.

Pessoalmente, associo o jornalismo a um espaço de construção da cidadania em que os direitos e os deveres de cada indivíduo são preservados e defendidos. No meu entendimento, o jornalismo tem um aporte humano e ético indiscutíveis, mesmo que muito do que exista no mercado e se apresente como jornalismo tenha que ser jogado no lixo, abandonado, e pouco do que eu conceba e defenda seja efetivamente praticado.

Vale a pena

Ainda que possa ser fomentada no espaço familiar, nas relações sociais e pelos veículos de comunicação, a cidadania tem na escola um importante campo de discussão. No caso da formação do jornalista, embora contemplada nos currículos universitários, um dos aportes mais importantes da formação cidadã está na relação que os professores estabelecem com os alunos. Foi isto, inclusive, que revelou a pesquisa de mestrado A formação cidadã do jornalista no Brasil, que acabo de concluir na Escola de Comunicações e Artes (ECA/USP). O estudo de caso da formação de estudantes de Jornalismo da ECA indicou que cidadania é mais que um conteúdo a ser ensinado curricularmente: ela é trabalhada principalmente nos referenciais pedagógicos, na didática e, enfim, na relação que o docente estabelece com seus alunos.

Respeitar o aluno como cidadão talvez seja o principal estímulo que o professor possa dar aos estudantes para que eles possam responsabilizar-se por suas vidas, por sua formação e por sua profissão. O papel do professor é fundamental para que o educando conquiste sua cidadania e saiba também o que é respeitar, do ponto de vista dessa mesma cidadania, o público da informação jornalística para o qual ele deve trabalhar e a quem, de fato, ele deve servir. Este aprendizado não pode ser expresso em valores, em cifras, mas em significado. Não há, portanto, como falar em ‘quanto custa’.

Nesse sentido, convenci minha amiga de que ser jornalista, empenhar-se em uma formação na área implica esforço permanente de respeito ao outro e ao mundo em que se vive. Implica algumas noites sem dormir, leituras atentas – e não apenas de livros, mas das pessoas e da vida –, algumas doses de indignação, inquietação e esperança. Muitas vezes tudo isso numa quitinete – nem sempre razoável – no centro de São Paulo. Em todo caso, ser jornalista vale a pena, porque vale o outro e um mundo melhor. Parodiando Fernando Pessoa: vale a pena, ‘quando a alma não é pequena’.

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Jornalista, professor de Jornalismo em São Paulo, pesquisador das relações entre cidadania, educação e imprensa, mestre em Ciências da Comunicação pela USP e especialista em Jornalismo Político e Econômico