ARTIGO
A mesa do rei Arthur não tinha ponta nem cabeceira. Na lenda de Camelot, procurava simbolizar a igualdade entre o soberano e os cavaleiros. Em volta dela se argumentaria em favor da justiça e de valores universais. Imagem que inspirou Paulo Alberto Monteiro de Barros a se transformar em Artur da Távola, na época em que começou a escrever uma coluna sobre televisão para o Última Hora, de Samuel Wainer. E sob esse pseudônimo, até o seu falecimento, imprimiu a marca de um intelectual devotado ao grande público.
Seu trabalho de crítico de TV esteve depois por quinze anos no jornal O Globo, inclusive em períodos espinhosos, como quando da demissão de Walter Clark. Foi professor de Jornalismo no Chile, no período em que esteve exilado, no final da década de 1960. Trocou mais tarde a docência em Comunicação pela escrita de livros. Faleceu como funcionário mais antigo da Rádio MEC. Em entrevista concedida a José Reinaldo Marques, no ano 2000, ele mesmo se perguntava como conseguia cumprir uma agenda semanal intensa – três crônicas para O Dia, dois programas na Rádio MEC, um para TV Cultura (São Paulo) e quatro para o Senado (três para rádio, um para TV).
‘Música é vida interior’
Identificava-se nele um intelectual devotado ao grande público. Em um momento de sua vida, ele fez essa opção em detrimento do prestígio que teria em circuitos elitizados. E se tornou uma referência nessa categoria de atuação. Ele, enfim, preferiu falar a muitos, sendo um jornalista dedicado à formação. Usou suas habilidades na organização de conteúdos para fazer da comunicação de massa uma grande ferramenta pedagógica. Entendia a cultura como um exercício do espírito, um cultivo da condição humana, sobretudo como uma incitação à liberdade, à autonomia.
Praticamente toda a minha formação em jornalismo foi acompanhada do seu programa na TV Senado, o Quem tem medo da música clássica?. Espaço em que ele criava um ambiente com forte identificação com o telespectador. Facilmente comparável à voz que ouvimos de um autor durante a leitura de um livro. Távola nos fazia refletir sobre a música erudita, habilitando nossa mente e ouvidos para captar melodias e harmonias mais profundas, ampliando esse contato com a arte para uma disposição a valores em favor da paz. Com sua visão gentil e seu tom de cronista, apresentava um mundo humanizado. Como dizia, ‘música é vida interior’ e, completava, ‘quem tem vida interior nunca padecerá de solidão’. E por isso entendo como eu estabelecia uma rápida afinidade com outros membros dessa comunidade telespectadora – era um clima semelhante de quando se aprecia o mesmo romancista ou poeta.
Socialização do conhecimento
Entre notáveis edições do programa, uma delas apresentada neste 2008 trazia Plácido Domingo a um parque alemão. Ele participava como regente da Filarmônica de Berlim em uma sofisticada concha acústica. A cena estava emoldurada por um belo cair de tarde, o que era reforçado pelos planos de filmagem abertos e pela narração de Távola. Durante o andamento da música, o apresentador sublinhava não só o ambiente de contemplação, mas a capacidade que a música tinha de unir os povos.
Ou seja, o conhecimento formal de Artur da Távola estava sempre acompanhado pela motivação humanista. Com os requintes de sua observação, Távola ora falava da música, ora da cena, ora da beleza da harpista que feria as cordas com grande elegância. E passeávamos pela música, descobrindo a diferença entre instrumentos, compositores e spallas. Artur da Távola ensinava que não precisávamos ter medo da música clássica ou do conhecimento. Como um enciclopedista, era promotor do conhecimento e do belo ideal iluminista de fazê-lo elemento de autonomia. Fará muita falta esse notável exemplo de um intelectual vocacionado a socializar o conhecimento.
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Jornalista, especialista em Jornalismo Literário pela ABJL; atualmente faz mestrado em Jornalismo na UFSC