O recente ato de fechamento da rede de televisão de maior audiência da Venezuela por parte do presidente Hugo Chávez, a partir de alegações de que participou do golpe que o tentou derrubar e também de que apresenta programas nocivos à família venezuelana, é emblemático. De muitas coisas. Duas, principalmente.
A primeira diz respeito à absoluta falta de diferença entre as ditaduras de esquerda e de direita. Ambas queimam livros, prendem e matam intelectuais, fecham jornais, aniquilam a imprensa. Em outras palavras, rapidamente, já no nascedouro, ditaduras dextras ou sinistras identificam seu principal inimigo: a informação. Quem sabe demais pode pensar diferente. E pensar diferente é algo que nenhuma delas admite.
O argumento da participação em golpe seria crível se todas as demais envolvidas (e tudo indica que houve, sim, uma real participação da RCTV e outras redes na malograda tentativa) tivessem algum tipo de punição severa. Não é o caso. Quem se enquadrou não será importunado. Entre os que se enquadraram há um dono de emissora que é uma das maiores fortunas da América Latina. E, atualmente, camarada do governo. Algo assim para deixar qualquer defensor honesto do ‘socialismo bolivariano’ com o bigode arrepiado.
Benefício da dúvida
Então, me poupem os ingênuos, os intelectualmente incapacitados, ou ainda os imbuídos de má-fé, e tratem de dar o nome correto aos bois. O que Chávez fez não tem nada de democrático. Ou de esquerda. Ou de socialista. Ou de bolivariano. Foi, em português claro, um ato descaradamente, escancaradamente, desbragadamente ditatorial.
Mas há uma segunda questão interessante. Um dos motivos oficiais alegados foi a ‘programação nociva à família venezuelana’. Sem querer soar careta (‘sem querer querendo’, como diria outro Chaves, mais inofensivo), se esse argumento fosse sincero (certamente não é), teria minha, digamos, empatia. Sou favorável à estatização parcial (ou socialização, como queiram) da censura. Hoje, no Brasil, ela existe, sim, mas é completamente privatizada. Os canais de TV censuram o que querem. O resultado – qualquer cidadão consciente sabe – é desastroso. Acredito até que muitas vezes involuntariamente. Como pode ter sido o caso que citei aqui (‘Pornografia infantil na TV’, O Popular, 26/11/2002) do desenho japonês que mostrava explicitamente sexo e pedofilia. Às dez da manhã.
Concedo o benefício da dúvida aos responsáveis pela programação e estou disposto a engolir que eles deixam passar muita m… por não terem como vigiar tudo. Mas isso não muda as coisas. Até piora, principalmente para os adeptos do argumento fajuto do controle remoto (pelo qual seria este o meio adequado de censura, como se os pais estivessem o tempo inteiro ao lado dos filhos, com o controle na mão). É um motivo a mais para demonstrar a necessidade da vigilância de observadores externos e determinação de horários adequados para cada programa. Não que isso vá elevar significativamente o nível da TV. Mas pelo menos ajudaria a evitar distorções graves.
Fechar uma emissora, entretanto, não é remédio. É veneno.
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Médico, autor de Epitáfio (Nankin Editorial).