Em dois textos da mesma Página 2 da Folha de S.Paulo de domingo (3/6), menciona-se aquele que inspirou o primeiro nome do senador alagoano hoje no centro do picadeiro político. No primeiro editorial, ‘Mundo submerso’ e no texto ‘A democracia coroada’, de raspão fala-se no francês Ernest Renan (1823-1892), filólogo, filósofo, historiador e teólogo que pretendeu um ‘cristianismo racional e crítico’ através de obras ousadas, antidogmáticas e precursoras do ecumenismo (A Vida de Jesus, História das Origens do Cristianismo e História do Povo de Israel).
Ainda é cedo para prever a esfera e a maneira como o outro Renan, o Calheiros, será conhecido pelos pósteros. De alguma forma o seu nome estará associado ao jornalismo: a) como dono de um conglomerado regional de mídia (já abiscoitou quatro concessões do Congresso que preside); b) como pivô de uma inusitada disputa entre os semanários e, caso as denúncias sejam levadas adiante, c) como mais um senador que renuncia para não ter o seu mandato cassado.
Alcovitagem pública
O Renan que não é Ernesto e agora parece muito à vontade na fase-2 do calvário apareceu nos quatro semanários do último fim de semana com imagens não apenas diferenciadas, mas completamente antagônicas:
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Veja não conseguiu comprovar as denúncias da edição passada onde Renan aparecia como beneficiário de pagamentos a terceiros (e terceiras) efetuados pela construtora Mendes Júnior. Em matéria mais escondida do que a anterior, permeada de perguntas (quatro) sem respostas, consegue pelo menos comprovar a sólida ligação entre o senador e o lobista da empreiteira, Cláudio Gontijo. Se a partir de agora empenhar-se numa investigação séria (como deveria ter feito antes de colocar a boca no trombone), talvez consiga ir adiante e comprovar que o protetor Gontijo, além de amigão, teve o suporte da Mendes Jr. para cobrir os gastos pessoais do senador.**
Época assumiu a defesa explícita de Renan Calheiros: apresentou os documentos ‘sigilosos’ que este encaminhou à Corregedoria do Senado no quais tenta provar que os pagamentos à jornalista Mônica Veloso, mãe de sua filha numa relação extra-conjugal, saíram do seu bolso e não do caixa da Mendes Jr.**
CartaCapital, que só pensa naquilo (a defesa do governo), inventou nova teoria conspiratória: as denúncias contra Renan são uma forma de manter o governo sob pressão. Em outras palavras: investigar Renan e investir contra a corrupção não seria a obrigação de uma imprensa independente, mas evidência dos instintos golpistas da mídia. Os bravos defensores da imprensa engajada (com seis páginas de anúncios de estatais e governo) apropriaram-se da tese defendida por este Observatório da Imprensa de que denúncias levianas e pouco investigadas só enfraquecem a Operação Navalha [ver ‘Denúncia apressada pode abafar Operação Navalha‘, de 29/5/2007]. E foram adiante: preservar Renan significa preservar a coalizão oficialista.**
IstoÉ não esqueceu o estilo araponga adotado na cobertura do Dossiê Vedoin. Resolveu oficializá-lo na base da apelação, gravações clandestinas, conversas de alcova. Renan Calheiros é comparado a Hillary Clinton e a sua namorada, Mônica Veloso, apresentada como chantagista. O semanário não está preocupado com tráfico de influência, licitações fraudadas, corrupção. Nem poderia: a matéria é rigorosamente favorável aos interesses de Renan que, à esta altura, prefere o ‘calvário’ da alcovitagem pública ao aparecimento de provas que possam afastá-lo do poder.Leia também
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