Os protestos em resposta à republicação das charges do profeta Maomé por jornais europeus, cinco meses após a primeira divulgação pelo diário dinamarquês Jyllands-Posten, aumentaram nos últimos dias, mas o debate sobre os polêmicos desenhos começou bem antes disto. A pressão contra as charges teve início em outubro do ano passado, quando fundamentalistas muçulmanos dinamarqueses fizeram lobby com embaixadores árabes, e estes com governos árabes.
A princípio, o movimento era restrito à Dinamarca. Logo após a primeira publicação das charges, o Comitê Europeu para Honrar Maomé – grupo formado por organizações muçulmanas dinamarquesas – coletou 17 mil assinaturas em uma petição entregue ao primeiro-ministro dinamarquês, que por sua vez não fez nada a respeito. Frustrado, o grupo pediu a embaixadores de países de maioria muçulmana para falar com o primeiro-ministro – que se recusou a encontrá-los.
‘Decidimos então preparar um dossiê com as charges [do Jyllands-Posten] e outras três que havíamos recebido por e-mail, e entregá-lo ao mufti do Cairo, Muhammad Sayid Tantawi, ao ministro do Exterior do Cairo, Ahmed Aboul Gheit, e ao chefe da Liga Árabe, Amr Moussa’, conta o porta-voz do Comitê, Ahmed Akkari. Depois disto, o governo do Cairo e a Liga Árabe convocaram o embaixador dinamarquês no Egito para uma conversa. Em viagem ao Oriente Médio, em dezembro do ano passado, a delegação também teve encontros com autoridades e líderes religiosos no Líbano, Síria e Turquia.
Neste mesmo mês, líderes de 57 nações muçulmanas discutiram o assunto na Organização da Conferência Islâmica, em Meca, cidade sagrada para os muçulmanos. Os líderes debateram questões sobre extremismo religioso, mas os desenhos também entraram na pauta.
O comunicado extraído do encontro revela que foram expostas ‘preocupações em relação ao crescente ódio contra o Islã e contra os muçulmanos e condenações ao recente incidente de profanação da imagem do profeta sagrado Maomé na mídia de alguns países’, assim como ao ‘uso da liberdade de expressão como um pretexto para difamar religiões’.
Apoio aos protestos
A reunião não atraiu atenção da mídia internacional na época, embora líderes como o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, estivessem presentes. Foi depois do encontro, entretanto, que governos árabes passaram a condenar publicamente as charges de Maomé. Desde então, houve, em países como Síria e Irã, pesada cobertura da imprensa oficial e, mais recentemente, o apoio dos governos à onda de protestos que terminou com incêndios a embaixadas da Dinamarca. Nos últimos dias, governos de alguns países muçulmanos tentaram acalmar os fiéis, preocupados com o aumento da violência e o registro de mortes em algumas das manifestações.
Quando, em janeiro, um jornal norueguês republicou as charges em apoio à Dinamarca, levou muitos muçulmanos a acreditarem que uma campanha contra eles havia se iniciado. Desde então, clérigos da Arábia Saudita pediram um boicote a produtos dinamarqueses. Segundo Muhammad el-Sayed Said, vice-diretor do Centro Ahram de Estudos Políticos e Estratégicos, no Cairo, eventos recentes como as eleições no Egito e a vitória do Hamas nas eleições palestinas fortaleceram os movimentos islâmicos na região e muitas nações, especialmente no Golfo Pérsico, conscientizaram-se de seu poder econômico com relação à Dinamarca.
Os protestos dos muçulmanos teriam constituído também uma oportunidade para que governos árabes pudessem criticar a tão alardeada liberdade do Ocidente, segundo análise de Sari Hanafi, professor da Universidade Americana de Beirute. ‘Os protestos começaram como uma reação visceral – claro, eles estavam ofendidos – e então houve regimes que tiraram proveito disto, afirmando ‘Olhem, esta é a democracia da qual eles falam´’, argumenta. As informações são de Hassan M. Fattah [The New York Times, 9/2/06].