Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Rumo à reflexão e maturação científica

Dois novos livros sobre teoria do jornalismo foram lançados neste ano no Brasil. Com isso, já são pelo menos quatro obras sobre o assunto que chegaram às livrarias desde 2002. As novidades são Teorias do Jornalismo, volume 2, de Nelson Traquina (216 pp, Editora Insular, Florianópolis), e Teoria do Jornalismo, de Felipe Pena (240 pp, Contexto, São Paulo).

Em 2002, foi lançado por aqui Teorias da notícia e do jornalismo, de Jorge Pedro Sousa (Argos/Letras Contemporâneas, Chapecó/Florianópolis). No ano passado, Traquina editou o volume 1 de seu Teorias do Jornalismo.

De modo geral, no entanto, a produção sobre o tema está mais restrita a artigos científicos. Um exemplo: a última edição de 2004 da Estudos em Jornalismo e Mídia, revista da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), debateu se o trabalho ‘Os relatos jornalísticos’, de Tobias Peucer – considerada a tese pioneira em jornalismo –, poderia ser o texto fundador da teoria do jornalismo. Alguns autores responderam que sim. Peucer defendeu sua tese na Alemanha, em 1690.

Para falar sobre o teoria do jornalismo, este repórter entrevistou a professora Rosa Nívea Pedroso, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a primeira a lecionar a disciplina no Brasil ainda nos anos 1980. Estudiosa do jornalismo, Rosa é autora do livro Construção do discurso de sedução, no qual analisa o sensacionalismo.

Sua entrevista.

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Qual sua definição sobre teoria do jornalismo? Formule um conceito para o grande público e explique a importância desse campo no estudo do jornalismo.

Rosa Nívea Pedroso – Não tenho uma definição fechada, pronta, sobre jornalismo, notícia e reportagem e suas epistemologias. Tenho várias formulações para vários problemas teóricos do jornalismo que não cessam de se apresentar. Temos, por exemplo, a pergunta o que é e o que não é jornalismo, e a resposta: nem toda atividade de comunicação é jornalismo. A disciplina de Teoria do Jornalismo, no Brasil, tem apenas duas décadas e, em termos de tempo dispensado à reflexão e à maturação científica, é muito pouco tempo. O que falta à disciplina, para se tornar uma disciplina científica, é a constituição epistemológica dos objetos de investigação próprios do campo do jornalismo. E essa é uma tarefa que ainda levará algumas décadas e que dependerá da existência de pensadores do jornalismo.

Os objetos teóricos do jornalismo ainda estão sendo tratados pelo prisma da análise crítica da Escola de Frankfurt. É preciso estudá-los primeiro pelo prisma da filosofia empírica e, depois, sim, pelo prisma da linguagem. Ciro Marcondes Filho, um dos precursores do pensar sobre o jornalismo, diz isto no seu livro O escavador de silêncios [Editora Paulus, São Paulo, 2004]. Seria mais ou menos isto: a análise não pode preceder o conhecimento da coisa. E essa clareza conceitual só advém com o tempo de maturação. No entanto, eu poderia dizer, neste momento, que o jornalismo é ‘um lugar sociológico de produção de conhecimento’. Pois é possível pensar o jornalismo como uma instituição sociológica localizada junto às demandas sociais. O jornalismo não está longe nem fora das coisas do mundo. Está no mundo. E esta é uma formulação que não tem nada de novo pois está presente na teoria que pensa o jornalismo como uma forma de conhecimento.

Como diferenciar as atuações da teoria da comunicação e da teoria do jornalismo?

R.N.P. – O campo teórico da teoria da comunicação é pensado a partir de teorias não realistas, pois o objeto está no todo, no sentido em que tudo é comunicação. Agora, nem tudo que é comunicação é jornalismo. Publicidade, por exemplo, é comunicação, mas não é jornalismo. O jornalismo pensado apenas como comunicação leva o campo teórico do jornalismo à diluição, à derrubada de marcos teóricos, à inexistência de contornos, de limites. Assim, sem fronteiras, podemos pensar o jornalismo como uma forma de propaganda, como uma forma de persuasão etc. Mas essa perspectiva não faz avançar o conhecimento sobre o jornalismo e seus objetos próprios de investigação.

Ciro Marcondes Filho, no seu livro Comunicação e jornalismo [Hacker, São Paulo, 2000], aponta para uma atividade informativa em extinção, pois o que se prenuncia é um tempo de comunicação integrada, de perda de contornos, em um mundo em que tudo é comunicação e todos comunicam. Dessa perspectiva, o paradigma é que as notícias ou são distorções sistemáticas ou são construções. E desse enredo tem brotado muitas teorias não realistas que não comportam o substrato sociológico do jornalismo.

Como foi a introdução da disciplina Teoria do Jornalismo na UFRGS nos anos 1980? Consta que a sra. foi a primeira docente no país a ministrar essa disciplina.

R.N.P. – A disciplina de Teoria do Jornalismo foi criada pela Comissão de Graduação do Curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul quando da implantação do novo currículo, em 1983. Assumi a disciplina, em outubro de 1985, que estava sem professor. Na época, Nilson Lage já havia publicado o seu livro Ideologia e técnica da notícia e Ciro Marcondes Filho, O capital da notícia. Havia também o livro de pesquisa Jornalismo comparado, de José Marques de Melo. Em 1986, Adelmo Genro Filho publica o seu livro O segredo da pirâmide invertida. Era tudo o que se tinha em termos de bibliografia em língua portuguesa. Claro, havia uma vasta bibliografia em língua espanhola e em língua inglesa. Mas era difícil o acesso às editoras estrangeiras. Então, era o livro da Gaye Tuchman [Producción de la noticia : estudio sobre la construcción de la realidad] em espanhol, da Mar Fontcuberta, artigos e etc.

Nesse meio tempo, um aluno, Marcelo Dornelles Coelho, faz um curso sobre jornalismo com o Adelmo Genro Filho em Porto Alegre. E, partir daí, começamos a pensar o jornalismo como uma forma de conhecimento. Fazíamos seminários entre nós: a professora pensando junto com os alunos. Na verdade, devo minhas reflexões, em grande parte, à sala de aula. Nos meados de 1990, em uma outra fase, agora do computador e da internet, surge outro aluno, Marcelo Soares da Silva, hoje gerente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), com as novas demandas do mundo tecnológico. Meus alunos eram meus interlocutores preferenciais.

As editoras descobriram um novo filão, isto é, as novas publicações sobre teoria do jornalismo ou o tema ainda é restrito à academia?

R.N.P. – Hoje o jornalismo é objeto de estudo de vários segmentos acadêmicos brasileiros, como da Sociedade Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor), do Fórum de Professores de Jornalismo, do Grupo de Estudos em Jornalismo da Comissão dos Cursos de Pós-Graduação em Comunicação, do Grupo de Estudos em Jornalismo da Intercom e do Curso de Pós-Graduação em Jornalismo e Mídia da Universidade Federal de Santa Catarina. Então, é natural que a produção acadêmica esteja em ebulição e que editoras tenham descoberto o jornalismo como um filão editorial promissor. Paradoxalmente, não vejo reflexos dessa produção sobre a academia. Os currículos ainda refletem aquela velha visão polivalente dos anos 1970. Os teóricos do jornalismo ainda sentem-se (auto)constrangidos em eleger o jornalismo como objeto de investigação.

Se depender da academia como um todo, o campo teórico do jornalismo ainda vai esperar muito tempo para avançar epistemologicamente. No entanto, é preciso dizer que temos pensadores que prometem, em um futuro muito próximo, apresentar um mapa mais nítido da teoria do jornalismo. Esse movimento já podemos observar nos trabalhos de Eduardo Meditsch e de Orlando Tambosi, da UFSC, na perspectiva do jornalismo como uma forma de conhecimento.

Qual sua análise dos livros recentemente lançados no Brasil sobre teoria do jornalismo?

R.N.P. – Depois da publicação do livro do Adelmo Genro Filho, em 1986, a obra do professor Nelson Traquina, da Universidade Nova de Lisboa, incluindo aí as primeiras publicações portuguesas e as mais recentes, lançadas por editoras brasileiras, constitui, em termos editoriais, o que mais movimentou terras no campo do ensino e da pesquisa em jornalismo no Brasil. Basicamente, tudo o que se tem escrito e dito decorre do trabalho feito por Nelson Traquina.

Quando um livro pode ser considerado de teoria do jornalismo?

R.N.P. – A grande parte da literatura publicada no Brasil não trata dos fundamentos teóricos do jornalismo. Esta é uma condição sine qua non para saber se tal livro é de teoria ou de análise ou de crítica etc. A bibliografia que trata da natureza do jornalismo está mais concentrada e, ao mesmo tempo, diluída em artigos e ensaios publicados em revistas científicas. O livro Os elementos do jornalismo, de Bill Kovach e Tom Rosenstiel (Geração Editorial, São Paulo, 2003), por exemplo, é um livro que você pode ler do ponto de vista de uma teoria, mas não de todas ou de várias. O livro nos alerta para a perda dos valores que constituem o jornalismo como uma atividade de natureza social e como uma profissão comprometida com a cidadania. E isto você pode encontrar na teoria do espelho, uma teoria geralmente interpretada ao pé da letra, o que a leva a ser a mais criticada e combatida de todas as teorias. Em geral, é assim, cada autor realça, escolhe, elege um aspecto sob a perspectiva de uma teoria e faz suas defesas pessoais. Na maioria das vezes não está formulando novos problemas, novas perguntas, isto é, teorizando, pois grande parte das nossas publicações não primam pelo conhecimento dos elementos do jornalismo, pois visam analisar ou criticar o jornalismo de uma perspectiva já dada, de uma tese ou hipótese preconcebida que se tenta provar.

Grande parte da literatura hoje filia-se às teorias de ação política pelas quais os autores questionam a legitimidade da imprensa. Não chegam a tratar, por exemplo, de problemas como a relação estrutural entre público, fonte e jornalistas. Tratar de questões estruturais significa pensar o sistema, as relações e os fatores que interagem no processo, pois o jornalismo não é um monolito produtivo nem ideológico. Observa-se, no atual estado dos estudos, uma grande produção de trabalhos que analisam ou criticam o jornalismo de uma perspectiva teórica, geralmente da análise do discurso ou das teorias da ação política ou do agendamento, principalmente daquelas teorias que tratam da relação jornalismo e poder. Mas isto não significa que o conhecimento esteja avançando porque, em geral, a intenção de fundo não é conhecer, mas provar uma tese.

Com certeza, o jornalismo é uma das áreas mais criticadas da sociedade. E isto é muito bom porque inibe a cultura de erros, de partidarismos etc. Existe um excesso de críticas desprovidas de teoria e de pesquisa e de teses sedimentadas, estratificadas, prontas para serem provadas. O que pouco existe é uma atitude de abertura para compreender por que o jornalismo e as notícias são como são, como diz Nelson Traquina. O desejo de apresentar provas contra a legimitidade da imprensa e seu processo incessante de manipulação contra os contrariados pelo noticiário é maior que a curiosidade de conhecer, que o desejo de conhecer a cultura profissional do jornalismo que se caracteriza exatamente pela falta de transparência, pela opacidade de sua produção.

Nelson Traquina diz, no volume 1 do livro Teorias do Jornalismo, que o jornalismo é uma das áreas mais criticadas da sociedade…

R.N.P. – Sem dúvida alguma o jornalismo é uma das áreas da sociedade mais criticadas e isto é muito bom para o seu aprimoramento. A crítica aprimora o jornalismo. No entanto, a crítica não implica o conhecimento da coisa. Muito do que se diz sobre o jornalismo está preso a equívocos resultantes do fato de que a complexidade da atividade jornalística é opaca para a maioria da população e dos intelectuais. Grande parte do conteúdo das teorias da manipulação e da conspiração está enredado na opacidade do processo de produção do jornalismo.

É preciso dizer que o fato não é a notícia, a notícia é o relato do fato. Esta é a mais básica de todas as premissas. É evidente que uma das tarefas da teoria é exatamente conhecer o processo, as relações, os fatores, os elementos que fazem o jornalismo ser como é e, por intermédio do avanço do conhecimento, ir aumentando a transparência do sistema jornalístico junto à população e aos intelectuais.

Na bibliografia sobre jornalismo há lacunas. Alguns livros até hoje não foram traduzidos, como Michael Schudson, Discovering the news: a Social History of American Newspapers.

R.N.P. – Os que estão em língua espanhola, podemos considerá-los como traduzidos. Nesta categoria está o clássico livro da Gaye Tuchman e as inúmeras publicações das editoras espanholas, como da Universidade Complutense. Agora, a grande dificuldade é quanto às publicações que ainda estão em língua inglesa. Aqui podemos citar o clássico livro de Walter Lippmann, A opinião pública, e o próprio Schudson. Este é um filão editorial a ser descoberto mas, antes, revela o atual estado da disciplina de Teoria do Jornalismo na academia brasileira.

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Jornalista e professor de jornalismo; neste semestre irá lecionar a disciplina Teorias do Jornalismo na Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp)