Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Três deslizes em dez dias

O erro faz parte da conduta humana, está previsto nas regras do jogo da vida. Há erros que são banais e que pouco comprometem; outros, no entanto, são graves e afetam diretamente o convívio das pessoas, provocando conflitos e reações. No mundo do trabalho, cada vez menos tolera-se o erro. Algumas atividades tentam controlar ao máximo a incidência dos erros, tentando não só propiciar produtos e serviços de maior qualidade, mas também zelando pela sobrevivência e credibilidade dos seus responsáveis. No jornalismo, a preocupação também é grande, mas isso não impede que repórteres, redatores e editores derrapem e provoquem certos estragos em algumas edições. Este Monitor de Mídia pinçou três deslizes consideráveis em 10 dias de análise (entre 12 e 22 de julho).

Omissão imperdoável

No dia 12, foram anunciados os vencedores do Prêmio Jabuti, o mais prestigiado prêmio da literatura no país. Entre os ganhadores, o catarinense Donaldo Schüller, na categoria Tradução. Na mesma data, o Jornal de Santa Catarina trouxe não só o anúncio dos laureados, mas uma matéria específica sobre o conterrâneo com a chamada na capa: ‘Literatura: catarinense Donaldo Schüller ganha Prêmio Jabuti de Tradução’, no canto superior direito da capa com foto do autor. No caderno de lazer, onde o assunto foi desmembrado, a manchete ‘Desafio Premiado’ vinha com matéria sobre o feito do intelectual: traduzir o romance Finnegans Wake, de James Joyce.

No concorrente A Notícia, nem parecia que um conterrâneo havia vencido o mais importante prêmio da cultura nacional. O assunto mereceu uma nota no dia 12, com a menção aos vencedores de diversas categorias, menos a de tradução. Justo essa! A omissão fez com que o leitor do AN deixasse de estar informado sobre o assunto. Aliás, mesmo a conquista do maestro Edino Krieger, o vencedor do Prêmio Jorge Amado deste ano, não foi lá muito ovacionada. Tais deslizes demonstram ignorância da importância dessas figuras, descaso ou desprezo?

Não foi bem assim

A mesma semana, o mesmo jornal, mas editorias diferentes. Em 17 de julho, A Notícia trouxe na sua primeira página a manchete ‘SC desiste de disputar royalties do petróleo’. O AN conta que o ‘Estado vai abandonar disputa judicial com o Paraná para receber renda sobre exploração’. A matéria traça toda a disputa envolvendo os três estados do sul para o recebimento dos royalties da Petrobrás para extração do petróleo. O jornal se preocupou em deixar claro para o leitor a situação dos royalties utilizando além da matéria, um quadro intitulado ‘Entenda o caso’. Pronto: o leitor entendeu o caso, certo? Não foi bem isso que pareceu. No dia 19 (segunda), o jornal trouxe uma errata na página A5 em que tenta deixar mais claro para o leitor a notícia de dois dias atrás. ‘Ao contrário do que dão a entender os títulos principais da capa e da página A11 da edição do dia 17, o estado não desistiu dos royalties do petróleo. O texto deixa claro que Santa Catarina e Paraná decidiram acabar com a disputa judicial e que a questão agora será definida pelas procuradorias gerais dos dois estados’.

A questão toda está em explicar demais um assunto, o que torna seu entendimento difícil, duvidoso. O título da manchete foi dúbio e equivocado. Dar duplo sentido a um assunto como esse dá margem para erro na certa. Não deu outra, veio a errata dois dias após. A quem interessaria a publicação da correção? Algum leitor atento aos assuntos dos royalties? Ou algum membro do governo do estado descontente com a matéria? O fato é que o jornal teve que emendar o poema… Erro de interpretação?

No dia 22, o Jornal de Santa Catarina estampou a manchete: ‘Vale concretiza sonho de aeroporto internacional’. Já na capa o leitor fica sabendo que ‘o presidente Luiz Inácio Lula da Silva inaugura hoje à tarde as novas dependências do Aeroporto de Navegantes’. O jornal explica que ‘a ampliação permitirá ao terminal receber aeronaves de qualquer parte do mundo’. As certezas quanto à internacionalização param por aí. Nas páginas internas, o tom da matéria que trata do assunto é de dúvida. Logo no início do texto, o jornal traz que ‘expectativa é de que durante a solenidade Lula anuncie oficialmente a internacionalização’. Mais adiante se pode ler que ‘entidades empresariais da região comemoraram a possibilidade de Navegantes se tornar a nova porta de entrada de turistas estrangeiros no Estado’ e que ‘é possível que Lula anuncie a internacionalização’. Expectativa, possibilidade, palavras que nada têm a ver com o sonho concretizado anunciado na manchete.

No dia seguinte, o tom de dúvida usado pelo repórter foi justificado: Lula acabou não internacionalizando o aeroporto na solenidade. Assim, a manchete foi: ‘Lula frustra expectativas do Vale sobre aeroporto’. O editor deve ter ficado bem frustrado também por não ter aguardado uma certeza para comemorar a internacionalização em manchete. Mas isso não quer dizer que o jornal admitiu o erro. O texto que trata do assunto não tem qualquer relação com a certeza que estava na capa do dia anterior. Traz que ‘a incerteza quanto ao início do processo de internacionalização do Aeroporto de Navegantes (…) gerou repúdio por parte de quem aguardava o anúncio da medida’. Além de declarações de políticos, presidentes de entidades e responsáveis pelo aeroporto, o leitor encontrou informações sobre o discurso do presidente, os protestos que ocorreram e ‘o que o Vale perde’ sem a internacionalização.

No Diário Catarinense, o leitor também ficou confuso. A chamada de capa trouxe que ‘com a nova área (…), o terminal poderá receber aviões de qualquer parte do mundo’. Apesar do ‘poderá’, o texto dá a impressão de que a inauguração tem uma relação direta com a internacionalização. A matéria que trata do assunto é a mesma publicada pelo seu companheiro de Grupo RBS, mas em tamanho reduzido. Assim, a sensação de dúvida oriunda de palavras como ‘expectativa’ e ‘possibilidade’ se mantém. No dia 23, a frustração encontrada no Santa aparece também no DC. A chamada de capa é: ‘Lula frustra expectativas sobre aeroporto e BR-101’. Nesta edição, a vinda do presidente ganha mais destaque com os textos ocupando as páginas 4 e 5 – no dia anterior, o texto ocupava apenas uma coluna. Mas a internacionalização acabou em segundo plano. A BR-101 e outros assuntos abordados no discurso do presidente são o destaque.

Em A Notícia, a visita presidencial foi gancho para discutir o problema do trecho Sul da BR-101. É o que se percebe na manchete do dia 22: ‘Vinda de Lula mobiliza o Sul em torno da 101’. A internacionalização do aeroporto aparece no início da matéria intitulada ‘Sul exige duplicação de Lula’ publicada nesta edição. O diário de Joinville, apesar do pouco espaço destinado ao assunto, conseguiu ser claro: ‘A visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Santa Catarina, hoje, não ficará marcada apenas pela inauguração do setor de embarque e desembarque internacional de passageiros do Aeroporto de Navegantes, no litoral Norte, e a expectativa de anúncio de internacionalização do terminal aéreo’. No dia 23, o destaque continua sendo a BR-101. A começar pela manchete: ‘Lula reafirma compromisso com a duplicação na BR-101’. O aeroporto foi citado apenas para contextualizar. Foi o que ocorreu no trecho: ‘Em discurso no Aeroporto de Navegantes (…)’. E mais adiante: ‘Lula esteve ontem em Navegantes para inaugurar a área de desembarque internacional do aeroporto’.

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