Começar a falar de um tema a partir de sua definição já se tornou lugar-comum que não se mostra eficiente quando a intenção é esgotá-lo em um conceito que seja aceitável ou defensável. No caso da comunicação, o caminho torna-se ainda mais difícil, justamente por ser a definição do que vem a ser o fenômeno tão difícil quanto controversa.
Felipe Pena [PENA, Felipe. Teoria do Jornalismo. 2ª ed. São Paulo: Contexto, 2006] diz que toda tentativa de teorizar sobre determinado assunto é, na verdade, um reducionismo necessário para que se aprofunde o conhecimento sobre ele. Assim, compreender a comunicação a partir dos conceitos que se tem sobre ela não se configura numa tentativa de aprisioná-la em um quadro, em uma definição. Antes, se constitui numa tentativa de trazer à tona diversas formas de interpretar e de vivenciar o fenômeno.
Os dicionários nos trazem pelo menos sete definições que ora se aproximam, ora se afastam, nos levando a questionar, afinal, se é possível encontrar uma que melhor expresse o que a comunicação, de fato, seja ou signifique. Para o termo comunicação, encontramos as seguintes definições: 1) fato de comunicar, de estabelecer uma relação com alguém; 2) transmissão de signos por meio de códigos; 3) capacidade ou processo de troca de pensamentos, ideias, sentimentos ou informações por meio da fala, gestos, imagens; 4) ação de usar meios tecnológicos; 5) mensagem, informação, comunicado; 6) comunicação de espaços, passagem de um lugar para outro; 7) disciplina, saber, ciência ou grupo de ciências [ MARTINO, Luiz C. ‘De qual comunicação estamos falando?’ In: HOHKFELDT, Antonio. Teorias da Comunicação].
Como podemos perceber, uma tarefa que, inicialmente parece simples, pode se mostrar bastante complexa se levarmos em consideração a amplitude do tema e as possibilidades de conceituação. Das definições dos dicionários, as de número 1, 2 e 3 são as que nos interessam para efeitos da abordagem da comunicação como um fenômeno que não pode ser dissociado do processo educativo e da ação dos educadores na sua relação com educandos e com o mundo.
Assim, buscamos na origem do termo compreender a comunicação. Etimologicamente, o termo vem do latim communicatio, que nos dá a ideia de ‘atividade realizada conjuntamente’. Luiz C. Martino aponta que a expressão comunicação surgiu no contexto do cristianismo antigo, quando religiosos se isolavam em atitudes de contemplação e silêncio a fim de alcançar a Deus.
O diálogo como característica
Nesse contexto eclesiástico, duas correntes se distinguiam: os ‘anacoretas’ e os ‘cenobitas’. Os primeiros cultivavam uma solidão radical, individual; já os segundos, optavam pela vida em comunidade, nos mosteiros e conventos. Lá, apesar da prática da contemplação e da solidão, eles desenvolveram o hábito de tomar a refeição da noite em comum, uma prática que recebeu o nome de communicatio.
A prática, no entanto, não diz respeito apenas ao ato de comer; ela se refere ao ato de compartilhar esse momento com os outros. O fundo de isolamento e a intenção de romper esse isolamento a fim de compartilhar algo (no caso a refeição noturna) são os elementos que distinguem o communicatio da banalidade do ato de comer em grupo, presente mesmo nas comunidades primitivas.
Dessa forma, a simples reunião de pessoas em um único espaço – uma estação de metrô ou um terminal de ônibus, por exemplo –, não significa que haja algo sendo compartilhado e que haja comunicação. A comunicação, no sentido que o termo communicatio adquiriu, supõe que haja o compartilhamento de um mesmo objeto de consciência. A comunicação é uma relação entre consciências.
Em outro sentido, a comunicação pode ser entendida sob a perspectiva de ‘dar conhecimento’ ou ‘informar’. As duas maneiras de compreensão, apesar de divergentes, não se excluem, pois revelam formas distintas e servem a propósitos igualmente distintos. A comunicação como compartilhamento supõe um processo horizontal, no qual o diálogo é sua principal característica.
Uma cultura globalizada
No segundo caso, a comunicação com o sentido de dar conhecimento ou informar, supõe uma relação hierarquizada entre emissor e receptor. Vista dessa forma, o processo de comunicação ganha outros contornos e nos leva a relativizar os papeis ocupados pelos elementos clássicos da comunicação: emissor, receptor, meio, mensagem, contexto.
No sentido do compartilhamento, emissor e receptor trocam de lugar num processo dialógico, em que tanto um quanto outro emitem e recebem mensagens. No sentido da mensagem, da informação, o emissor ocupa lugar privilegiado na seleção da informação e na sua difusão. Ele é o elemento ativo e que supõe um receptor passivo [a recepção dos produtos de mídia já não é considerada como passiva pelos estudiosos do assunto, uma vez que uma mensagem ao ser decodificada, pode ganhar novos sentidos e significados].
A pergunta que faço agora é: no contexto da educação, como a comunicação se manifesta ou como ela é usualmente compreendida? Essa é uma questão que merece a reflexão por parte de educadores, pois, as mudanças ocorridas na sociedade nos últimos 30 anos têm provocado mudanças também no estatuto da percepção das pessoas. E a comunicação no mundo contemporâneo ocupa lugar de destaque.
A intensificação do uso das tecnologias de informação e comunicação encurtou distâncias, eliminou barreiras, estabeleceu novos sentidos para o espaço e o tempo e contribuiu para a consolidação de uma cultura globalizada, dinâmica e bombardeada por informações de todos os tipos provenientes dos mais diversos lugares.
A percepção do outro
Há diversos estudos e iniciativas que apontam para novas formas de pensar a educação formal, de maneira a torná-la menos linear e mais democrática. Nesse contexto, a comunicação surge não apenas como um instrumento pedagógico, mas como campo de possibilidades na relação ensino-aprendizagem.
Ainda assim, no cotidiano de educadores e escola, compreender os processos comunicativos como partes integrantes do processo educacional ainda se constitui em grande desafio. Há uma intencionalidade no que diz respeito à adoção de modelos menos convencionais e mais multidisciplinares, que esbarra no dilema entre a abordagem curricular e o estabelecimento do diálogo como prática pedagógica capaz de proporcionar um ambiente propício aos novos sentidos e conhecimentos.
Podemos sugerir que um dos grandes desafios que a escola enfrenta, hoje, está ligado à sua relação com as novas formas de ver, ser, perceber e pensar o mundo. Essas formas, por sua vez, entrelaçam-se, necessariamente, com a comunicação e podem sugerir que devemos refletir sobre sua inevitabilidade no processo educativo.
Ciro Marcondes Filho [MARCONDES FILHO, Ciro. Até que ponto, de fato, nos comunicamos?. São Paulo: Paulus, 2004] afirma que a comunicação não é instrumento tampouco pode ser reduzida à linguagem, muito menos, à linguagem estruturada. Segundo ele, ela ultrapassa e é mais eficiente que esse formato, realizando-se no silêncio, no contato dos corpos, nos olhares, nos ambientes. A linguagem, para o autor, torna-se o plano no qual a zona de encontro pode ser desenhada mediante o diálogo. Ela é o objeto cultural da percepção do outro.
A resposta às mensagens
Do ponto de vista da sua inevitabilidade, talvez possamos dizer que é por meio do processo comunicativo que o homem compartilha sua humanidade. Gregório, personagem da obra de Franz Kafka [KAFKA, Franz. A metamorfose. 2ª edição. RJ: Companhia das Letras, 2000], não morre porque se transforma em uma barata. Há quem defenda a tese de que ele morre porque perde a capacidade de se comunicar com os outros humanos. E assim ele morre como ser humano para assumir sua condição de inseto.
A intenção aqui não é discutir se a linguagem é produto da comunicação ou seu instrumento ou o contrário. Também esse fenômeno é alvo de conceituações diversas, que se aproximam e se afastam. A linguagem tanto pode ser entendida como expressão do pensamento, como instrumento da comunicação ou ainda como processo de interação, o que não descarta outras formas de compreensão.
Podemos dizer que no processo comunicacional vários elementos interagem para a produção de sentido: o diálogo, o papel social, a intenção, as expectativas, a visão de mundo e o contexto social e histórico dos interlocutores. O conjunto desses elementos compõe o ambiente discursivo, no qual o discurso ganha vida e produz efeito de sentido entre seus interlocutores [ORLANDI, Discurso e Texto: formulação e circulação dos sentidos. Campinas, SP: Pontes, 2001].
Voltando ao communicatio e os elementos que se destacam de seu sentido, podemos dizer que o contexto de isolamento do professor, pelo menos do ponto de vista físico, se dá no momento em que ele faz seu planejamento, tendo como parâmetro o conteúdo a ser trabalhado, o livro didático, os materiais disponíveis no ambiente escolar, a proposta pedagógica, suas vivências, suas experiências, sua criatividade e seus afetos.
O isolamento é rompido por sua intenção de compartilhar a sua produção com os alunos na escola. A comunicação se estabelece no momento em que há a resposta às mensagens. Todas as informações preparadas cuidadosamente pelo professor serão apenas informações se não forem capazes de penetrar nos corpos mentes dos educandos, fazendo com que eles compreendam não só os conteúdos mas as intenções de quem determinou aqueles conteúdos.
No caso do professor, o compartilhamento se dá quando há uma interação capaz de criar sintonia e fazer com que tanto professor quanto aluno compreendam as intencionalidades por trás do processo educativo, concretizado naquele momento.
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Jornalista e mestre em Educação