Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Um estímulo à falta de educação

O Brasil é um país sem educação! Com altos índices de analfabetismo, onde dia-a-dia aumentam os analfabetos funcionais, onde a média de livros lidos por pessoa não chega a cinco por ano e onde para ser um representante do povo não é necessária nenhuma formação, basta saber ler e escrever (?), tanto que nosso presidente tem apenas um curso técnico de torneiro mecânico. O que esperar então deste país se não que se rasguem mesmo os diplomas?

Não poderíamos esperar de fato outra ação que não fosse essa dos ministros do STF coordenados pelo ministro Gilmar Mendes. O mesmo ministro que ficou tão ofendido quando um colega o relembrou do coronelismo existente em Mato Grosso, toma agora uma atitude um tanto coronelista, a de acabar com a educação dos jornalistas.

Mas para que mesmo queremos jornalistas formados? Que tenham cabeças pensantes, ideais a serem seguidos e sejam tão difíceis de manipular? Assim como para os coronéis um povo educado não serve porque não vota em quem o patrão manda, para o Brasil jornalistas formados, técnicos, capacitados e críticos também não servem porque estes não se deixam manobrar e são bem mais caros de se pagar.

Liberdade de expressão não estava em jogo

Não estou desvalorizando os jornalistas da prática e vocação, afinal eles são merecedores de todo mérito, mas faço a eles uma pergunta: por que mesmo não buscaram a faculdade de Jornalismo? Dificuldades financeiras? Tinham que trabalhar? Ora, ora, o que os faz tão especiais? Bem me lembro da minha faculdade, conquistada com muita luta e suor. Trabalhava dia e noite, madrugadas a dentro para conseguir um mísero salário para pagar ao menos a mensalidade. Quantas caminhadas dei de casa à faculdade por não ter dinheiro para passagem de ônibus. Quantos dias passei só com um pão com manteiga porque não tinha dinheiro para o almoço. Sobrevivi, me formei e na formatura do baile não participei porque o pacote não cabia no meu bolso, mas o diploma agarrei.

E claro que precisei da prática e sem ela nada seria e assim virei jornalista porque no dia a dia do trabalho me especializei. Agora se era tão difícil assim fazer faculdade para entrar no mercado por que não sentar no banco escolar mesmo depois de experiente, apenas para garantir as melhores técnicas e melhores performances? Mas aí é pedir demais, não é? Depois que o menino vira estrela de jornal não cabe na sala de aula, a arrogância é demais e aí vira um defensor da falta de educação! Porque é nobre ser um trabalhador. Num país de trabalhadores não há discurso melhor!

Em seu voto, o ministro relator se justificou defendendo a liberdade de expressão, mas essa nunca esteve de fato em jogo. Não numa época onde existem tantos blogs, tantas páginas na internet, tantos canais de televisão, tantas rádios, revistas e jornais, todos com espaços para artigos de quem quer que seja expressando sua opinião sobre os mais diferentes assuntos.

Estávamos no passado

Não, a liberdade de expressão nunca esteve em jogo! O que estava em jogo na decisão do STF contra o diploma dos jornalistas era justamente a legalização do ilegal. Afinal este foi o editorial de muitos que aplaudiram os ministros por terem legalizado os meios de comunicação que contratam pessoas sem diploma que trabalham por salários abaixo da tabela.

Mas agora eu quero ver, juro que quero, pago pra ver, quantos médicos vão se prestar a fazer matérias sobre a influenza A, quantos veterinários escreverão sobre a leishmaniose, quantos engenheiros farão passagens em frente a obras inacabadas explicando os projetos superfaturados, quantos advogados deixarão seus casos bem pagos para escreverem nos jornais…

Infelizmente não acredito neste cenário. Não, estes profissionais formados no máximo continuarão dando entrevistas como sempre deram ou escrevendo artigos como sempre escreveram, nos meios de comunicação onde sempre tiveram espaço para sua liberdade de expressão.

Quanto ao jornalismo, vejo um cenário bem mais triste, com ignorantes saídos, no máximo do segundo grau, com uma boa voz e uma carinha bonita, sendo treinados e manobrados pelos meios de comunicação por irrisórios salários.

Era justamente um cenário desses que estávamos mudando aqui no interior de Mato Grosso, ao conscientizar os colegas de que é importante estudar, não apenas garantir o diploma, mas se especializar, buscar até mesmo o mestrado e o doutorado e morrer estudando e lendo, sempre se modernizando e se mantendo competitivo no mercado de trabalho. Estávamos, é verdade, no passado mesmo! Porque hoje estes colegas não vêem mais motivo para se aperfeiçoar.

Jornalistas sem poder recorrer

Sem falar das brechas, ou melhor crateras, que essa decisão faz em nossa lei, abrindo precedentes infinitos. Como bem disse o único ministro com bom senso no STF, Marco Aurélio Mello, que votou em favor do diploma: ‘Se for assim, a CNH fere o direito de ir e vir. Vamos abolir a CNH.’ E olha que tem muito motorista excelente que nunca tirou a CNH.

Mas esse é o meu país! O país do jeitinho brasileiro. Onde o trabalhador analfabeto dá uma de engenheiro civil e arquiteto e constrói seu próprio casebre, dá uma de engenheiro eletricista e puxa um gato para garantir a energia elétrica, dá uma de médico especialista e se auto medica, dá uma de advogado e faz um contrato inconstitucional e dá uma de jornalista e escreve com erros de português grotescos e erros éticos e morais aviltantes que ferem a integridade de centenas de pessoas.

A diferença é que os engenheiros e arquitetos podem recorrer aos Creas, os médicos aos CRMs, os advogados as OABs e os jornalistas, estes não podem recorrer à Fenaj, aliás nada podem fazer porque as pessoas comuns e sem nenhum estudo agora estão respaldadas pelo STF.

Parabéns ministros, parabéns Brasil, por estimular a nossa grande falta de educação!

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Jornalista e atual representante do município de Sinop no Sindicato dos Jornalistas de Mato Grosso