Vinícius Gageiro Marques tinha uma história que o jornalista Marcelo Ferla não queria contar. Aos 16 anos, o menino se suicidou, em julho de 2006, deixando uma centena de músicas sob o pseudônimo Yoñlu. A pauta era sugestão do repórter Alex Antunes, da revista Rolling Stone, mas Ferla temia que o adolescente fosse o estereótipo do garoto de preto. ‘A música dele desfez minha idéia inicial. Não era morbidez, sim poesia’, diz.
Junto com a carta de suicídio, Vinícius deixou um CD com algumas músicas suas. O pai, Luiz Marques, descobriu muitas delas no computador do adolescente e a vontade de perpetuar a obra do filho o levou a uma gravadora e a uma distribuidora independente. O lançamento de Yoñlu, em fevereiro deste ano, foi o gancho para o caso retornar à mídia.
A revista Rolling Stone, ligada à música e ao entretenimento, parecia um veículo interessante para divulgar Yoñlu. Marques mostrou-se disposto desde o primeiro contato com Ferla. ‘Há a narrativa do suicídio de Vinícius, mas não escolhi contá-la. Fiz o perfil de um garoto músico e o que o levou a compor aquelas canções. Claro que isso passa pela depressão e o suicídio, mas não é o foco’, explica Ferla.
Privacidade devassada
O mundo onde Yoñlu era reconhecido, a internet, foi um campo de pesquisa para Ferla. ‘A internet era como ele se comunicava com o mundo, mas não quis tomá-lo como exemplo de adolescentes vítimas do mundo virtual’, diz. Por e-mail, conversou com amigos virtuais e parceiros de trabalho da Europa. Seguiu os posts e comentários do garoto nos fóruns de música e suicídio.
A reportagem de sete páginas, ‘Canções para viver mais’, saiu na edição de março da revista. Contar a vida de Vinícius foi emocionalmente doloroso para Ferla. ‘Quanto à família, nada é pior do que eles já passaram. A privacidade deles foi devassada pelo próprio suicídio. Mas guardei alguns detalhes irrelevantes que poderiam parecer sensacionalistas’, revela o jornalista.
Ajuda para a morte
A repórter Eliane Brum, da revista Época, passava uma temporada em sua cidade natal, Porto Alegre, no inverno de 2006, para revisar o que seria seu segundo livro, A vida que ninguém vê, coleção de crônicas-reportagens sobre pessoas anônimas já publicadas no jornal Zero Hora. Um anônimo, então, se destacava por encerrar sua vida tragicamente. Talvez por ser mãe, Eliane se identificou com a dor dos pais.
Algum tempo depois, recebeu uma ligação da mãe de Vinícius, Ana Maria Gageiro. As duas não se conheciam, mas tinham contatos em comum. Ana Maria queria denunciar os fóruns virtuais de suicídios onde o filho encontrara instruções e apoio para utilizar o método CO2 – em que são usadas grelhas de churrasco para causar intoxicação por monóxido de carbono.
Eliane voltaria a Porto Alegre para conversar com Ana Maria e Luiz Marques. Mas pouco antes recebeu uma ligação do pai cancelando a entrevista, pois o jornal Zero Hora publicaria a história do filho, o que abalou a família. Eliane postergou a matéria.
A pedido dos pais, o nome de Vinícius foi omitido no jornal do dia 10 de agosto de 2006. O texto alertava para os perigos da internet e transcrevia trechos da conversa do adolescente nos fóruns de suicídio onde, no dia de sua morte, ele pede ajuda para suportar o calor das grelhas. A Época não repercutiu por respeito aos pais de Vinícius.
‘Suicídio.com’
Eliane ocasionalmente perguntava se Ana Maria já queria falar. Em março de 2007, Thiago de Arruda, estudante de Educação Física de Ponta Grossa, no Paraná, se suicidou. Ele foi orientado por um internauta anônimo a usar o mesmo método que Vinícius após sofrer difamações pelo Orkut. A jornalista viu sua pauta crescer em importância e interesse público. Tentou Ana Maria de novo, mas recebeu uma negativa.
Em Porto Alegre, no começo deste ano, Eliane leu no jornal Zero Hora que o CD Yoñlu seria lançado. ‘Liguei para Ana Maria e expliquei que, com um lançamento nacional, eu não poderia mais esperar’, conta. Combinaram uma entrevista, mas antes de a repórter embarcar, a conversa foi cancelada. Desta vez, o motivo era o compromisso com a revista Rolling Stone. Ainda que, em momento algum, o jornalista Marcelo Ferla tenha pedido exclusividade.
Eliane apurou a partir do inquérito policial. Junto com ela, Solange Azevedo e Renata Leal buscaram sites de suicídio do mundo inteiro e pessoas que conheciam Vinícius. A principal entrevista de sua matéria é com o psicanalista do adolescente, Mário Corso. ‘Obviamente, eu gostaria de ter conversado com os pais e conhecido o mundo do Vinícius mais de perto. Esperava há um ano e meio e tive de fazer tudo em uma semana e meia, já que o CD estava pronto para o lançamento. Foi um processo pessoal muito difícil para mim’, diz Eliane. Na edição de 11 de fevereiro da Época, saiu a reportagem de onze páginas, ‘Suicídio.com’, um alerta aos pais sobre os perigos da internet.
‘Não sei se transo com ele’
Na redação da revista adolescente Capricho era inevitável que o caso ganhasse repercussão. A então editora de comportamento, Marina Bessa, conversou com leitoras sobre depressão e muitas disseram já ter pensado sobre suicídio. ‘A idéia era passar palavras de conforto às meninas deprimidas’ conta Marina.
A repórter pediu a dez blogueiras cartas que lembrassem Vinícius, porque era bom viver. Três foram publicadas. Um texto introdutório descrevia a morte do garoto. Marina hesitou em contar detalhes e chegou a escrever uma versão sem explicar como Vinícius se suicidou. ‘Explicar não é um estímulo [para outros suicídios], mas dá uma sensação ruim e é importante para a matéria fazer sentido’, afirma.
A reportagem de quatro páginas, ‘Cartas a Vinícius’, publicada na primeira quinzena de março, trouxe o lançamento de um blog de apoio à depressão no site da revista, o Papo de Amiga. A repercussão entre as leitoras foi intensa. Mas, com o tempo, a Capricho percebeu que a tristeza das adolescentes era muito diferente da que Vinícius sentia. Quilos a mais, briga com amigas ou término de namoro dificilmente levariam ao suicídio, a não ser que existisse um quadro complexo de depressão. O mais recente post do blog até o fechamento desta matéria tinha o título ‘Não sei se transo com ele’.
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Estudante de Jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina