Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Um novo cenário para a comunicação

A oportunidade de um novo gênero jornalístico frente à realidade do hipertexto e do conceito de uma leitura não-linear [leitura que desobedece a uma metodologia cronológica, o conceito de leitura não-linear é considerado um precursor do hipertexto, link que dá origem a outra página na internet sobre um mesmo assunto (Palácios 1999)] indica a necessidade de novas estratégias editoriais para o jornalismo na rede. Além disso, as condições de leitura e novos hábitos de consumo mudaram o perfil do leitor que tem acesso às informações pela web. Murad (1999) sugere que a possibilidade de maior espaço para as matérias deve ser aproveitada com a edição de textos curtos e enxutos. A especialista em Ciências Políticas afirma que muitos leitores são como scanners: vêem a notícia como imagem, fixando-se em elementos-chave. Conforme Murad, a possibilidade de inserir informações é ilimitada, mas o poder de atenção [grifo meu] em relação aos leitores, não. Outra ferramenta da web que deve influenciar a redação noticiosa é o sistema RSS. A tecnologia facilita a distribuição de dados e informa ao leitor quando alguma novidade é publicada ou postada no site, blog etc.


Embora muitas das especulações em relação ao texto jornalístico enfatizem a mudança no perfil dos leitores em detrimento da técnica, a discussão é pertinente e mereceu a atenção de teóricos e especialistas da comunicação no país e exterior, entre eles, a professora Angèle Murad, da Universidade Federal Fluminense e Ramón Salaverría, da Universidade de Navarra, na Espanha.


Mas a maneira de escrever para a web não é a única característica a ser considerada no mercado da comunicação para as próximas décadas. As estratégias de marketing e propaganda são mais agressivas e pretendem potencializar as ferramentas da internet. Uma das possibilidades da rede é a segmentação de mercado que permite um maior aproveitamento das ações de marketing, o que representa 2,7% das ações em publicidade e propaganda. [Projeto Inter-Meios. A iniciativa é feita em parceria com a empresa de auditoria PriceWaterhouse, que elabora um relatório de investimento em mídia no país. O relatório mede mensalmente os investimentos em veiculação feitos pelos anunciantes na mídia brasileira. Pelo menos 90% das verbas são mensuradas pelo projeto.]


Embora seja difícil estabelecer um cenário complexo do mercado comunicacional para os próximos anos é possível, ao menos, prever algumas mudanças no setor. Entre elas, a reinvenção do impresso, dos títulos mais tradicionais aos mais recentes, incluindo os populares e as mudanças estratégicas para o meio digital frente aos desafios técnicos e editoriais. O objetivo do presente artigo é destacar alguns desses desafios e suas implicações na atividade jornalística.


A publicidade na mídia digital


O crescimento do faturamento bruto na internet aumentou 36% em 2006, segundo informações do Projeto Inter-Meios. Para a Editora Abril, o resultado gerou um acréscimo de 340% na receita publicitária da empresa e movimentou 22 milhões de reais no ano passado. O sucesso é atribuído à produção de um conteúdo específico para internet e acesso gratuito a páginas cujo conteúdo era disponível apenas para assinantes. A Veja estreou mais colunistas no site e aumentou em 143% a audiência do portal.


Para Cardozo (2004), a publicidade na internet possui grandes vantagens, entre elas a interatividade imediata do consumidor e sua capacidade de atender tanto a uma campanha massiva como atingir públicos extremamente segmentados. Segundo ela, de uma maneira geral, a internet proporciona ao anunciante direcionar sua ação para um target [em publicidade e propaganda, é o público-alvo da empresa] muito específico.


O jornal The New York Times faturou 10 milhões de dólares no ano passado, um lucro recorde em ações midiáticas na web. Apesar do resultado positivo, o aumento na receita publicitária reacendeu a polêmica sobre a viabilidade de o jornal existir apenas na versão online, conforme anunciou a direção da empresa. Uma discussão sobre a rentabilidade dos anúncios na internet em detrimento da pequena porcentagem que as ações representam para o faturamento global da empresa dividiu representantes e executivos do NYT. Um grupo, liderado pelo diretor de entretenimento do jornal, Nicholas Ascheim, acredita que o lucro não justifica a perda de leitores. Em contrapartida, há quem aposte na internet como ferramenta para resolver a perda de anunciantes.


O futuro do impresso


Jornais norte-americanos como The Wall Street Journal e USA Today apresentaram queda de 10% e até 14% nos rendimentos publicitários. Embora o percentual represente apenas 5,4% da receita em publicidade dos jornais até 2006, o número preocupou especialistas e donos de jornais em todo o mundo. Mas os resultados não afetaram editores e profissionais ligados à mídia impressa. Pelo contrário, eles estão satisfeitos com os resultados, embora mostrem certa expectativa em relação ao resultado negativo do meio nos últimos anos. Um estudo realizado pelo World Editors Forum e Reuters revelou que 85% dos editores estão otimistas quanto ao futuro dos jornais onde trabalham. A pesquisa, intitulada Newsroom Barometer [Barômetro da Redação, sigla em inglês; disponível aqui], avaliou 435 editores de todo o mundo. Uma boa parte deles trabalha em jornais europeus que têm grande atuação na internet. Cerca de 40% dos entrevistados acham que suas publicações serão mais lidas pela internet em um período de até dez anos e 35% acreditam que os impressos continuarão como veículo dominante. Além disso, oito de cada dez entrevistados vêem as novas ferramentas midiáticas como positivas para o jornalismo. ‘É hora de pararmos de nos definir a partir do tipo mídia que somos e começarmos a nos definir pelo tipo de serviço que prestamos: jornalismo’, disse no site do Fórum o jornalista e analista de mídia Jeff Jarvis.


No país, a discussão não ganhou tanta atenção dos donos de jornal como nos Estados Unidos e Europa. Ademais, o jornalismo online não é o core competence [em marketing, a competência central de uma entidade ou organização] das empresas jornalísticas brasileiras. Para Barbosa (2000) a transposição [adaptação do jornal impresso para a mídia online] é o modelo de jornalismo correspondente à fase inicial de expansão do World Wide Web (www), formato presente ainda hoje nos veículos online do País. ‘Atualmente, no Brasil, apesar da evolução dos modelos, muitos jornais ainda estão operando segundo o formato transpositivo, conforme avaliou a pesquisa ‘Um mapeamento de características e tendências no jornalismo online brasileiro’ (BARBOSA, A informação de proximidade no jornalismo online, página 3) [a autora cita um estudo feito pelo Instituto Verificador de Circulação (IVC), no qual foram avaliadas as edições online de 44 jornais do tipo comercial e diário de todas as regiões do país].


Entretanto, mudanças recentes no mercado impresso brasileiro apontam um caminho diferente para a mídia de papel: novas estratégias gráficas e editoriais. Para os veículos mais tradicionais, como Folha de S. Paulo, O Globo, O Estado de S. Paulo e Zero Hora, o desafio é maior: deter o crescimento dos populares e aumentar a participação de mercado junto aos anunciantes. Um levantamento feito pelo Instituto Verificador de Circulação (IVC) entre janeiro e novembro de 2006, publicado na edição do dia 5 de fevereiro de 2007 do jornal Meio e Mensagem, revelou um aumento de 6,19% da circulação de jornais em relação a 2005. Segundo dados do IVC, o crescimento dos populares é o principal propulsor do aumento da circulação de títulos no país. O popular Extra, do Rio de Janeiro, detém a terceira posição no ranking dos maiores jornais, à frente de periódicos de tradição como O Estado de S.Paulo e Zero Hora.


Diminuir para crescer


Embora o modelo de jornal standard [modelo de jornal que mede, aproximadamente, 50cm de altura e 30cm de largura] seja o mais utilizado entre os veículos brasileiros e o mais adaptável ao formato jornalístico do meio, conforme aponta o jornalista Carlos José Fernandes (2006) [entrevista concedida na redação da Gazeta do Povo em 09/05/2006 para um grupo de TCC do curso de Jornalismo do Unasp, campus Engenheiro Coelho; a equipe elaborou caderno de educação para o jornal O Estado do Paraná], a aposta em um tamanho menor motivou a inovação de títulos considerados tradicionais no mercado. Um exemplo é o jornal O Estado do Paraná, do grupo Paulo Pimentel. Desde o dia 29 de março, o impresso começou a circular no tamanho berlinder [um modelo intermediário entre o standard e o tablóide] sem perder conteúdo e credibilidade. A maior dificuldade alegada pelos leitores do antigo formato era o manuseio em locais com pouco espaço. Para os anunciantes, a visibilidade é maior. Com a mesma verba aplicada em um jornal standard, o cliente pode obter 35% a mais de centimetragem na publicidade, o que potencializa o poder de comunicação da empresa.


Outro exemplo é o caso do Jornal do Brasil, um dos mais antigo do país, que, a partir de abril, começou a circular no novo formato. Além de reduzir despesas e aumentar o lucro em publicidade, uma provável ferramenta em resposta ao resultado obtido pela internet, o novo modelo é uma tendência comum na Europa. Jornais ingleses como The Times, The Guardian e The Independent, adotaram nos últimos três anos a estratégia de inovação gráfica.


Contudo, a discussão não envolve apenas a questão do pragmatismo editorial frente às dificuldades da mídia escrita. Embora a prática jornalística da informação concisa e utilitária – no caso dos tablóides e jornais em tamanho berlinder – seja a mais adequada em relação à mudança no perfil de leitores de jornal, a discussão a respeito da forma e conteúdo é o principal desafio para o impresso. Segundo Fernandes, um modelo menor para a mídia de papel implica a necessidade de uma captação noticiosa mais apurada. Segundo ele, a matéria no modelo tablóide precisa ser capaz de abrir uma página e merecer um título digno de manchete, em razão do tamanho reduzido.


Considerações finais


Analistas de comunicação e profissionais ligados à atividade jornalística enfatizaram a falência da mídia de papel em detrimento dos desafios da comunicação digital. Esqueceram a responsabilidade da técnica e elementos semióticos ligados ao exercício da profissão. Mas acertaram no palpite: é preciso estabelecer políticas de comunicação e planejamento para o meio digital.


É bem verdade que a maneira de fazer jornalismo vai mudar daqui para frente e a responsabilidade ética acompanhará toda e qualquer produção jornalística. Seja em relação à difusão noticiosa em rede ou mídia impressa, ou ao relacionamento com o público. O novo perfil de leitores do online implica mais que a transposição, padronização ou superficialidade da notícia digital, características tidas como necessária para a produção jornalística. Ele exige uma segmentação, aproximação e contextualização da notícia, de acordo com Barbosa em A informação de proximidade no jornalismo online.


Conforme pondera Mielniczuk (1999), novas práticas tais como chats realizados com o público e personalidades sugerem um novo gênero de entrevista. Entre os desafios para o meio digital, o professor Ramón Salaverría, chefe do laboratório de comunicação multimídia da Universidade de Navarra, na Espanha, questiona a viabilidade da pirâmide invertida para o jornalismo online.


Há problemas de diversos tipos. Para começar, de extensão: os artigos pensados para a edição impressa, em geral, são muito extensos e obrigam o leitor à incômoda tarefa de avançar o texto ao longo das janelas. Ademais, os textos não permitem que ele conheça a extensão aproximada da quantidade de informação que está disponível. Isso implica que o leitor pode desejar ler detalhes substanciais do texto informativo porque supõe que a informação relevante já lhe foi oferecida nos primeiros parágrafos e que apenas lhe resta texto para ler. (SALAVERRÍA, De la pirámide invertida al hipertexto).


Em relação às técnicas de captação, redação e edição da notícia, há especulações de que o chamado jornalismo-cidadão poderia extinguir a figura do jornalista. E a internet é um meio propício para isso, já que o próprio leitor pode fazer a mediação entre a notícia e a divulgação dela. É perigoso utilizar a mídia como um fim, e não como um meio.


Ademais, o mercado é volúvel, por isso a necessidade de reinvenção gráfica e editorial do impresso. Apesar do vertiginoso crescimento da mídia online, a técnica jornalística é principal ferramenta de trabalho para os meios digitais e impresso. Antes de tudo, é preciso repensar as necessidades do público a partir do cenário comunicacional. Até porque a internet pode ser o carro-chefe daqui para frente, mas não agora.

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Sou editor especial do Canal da Imprensa e estudante de Jornalismo do Unasp