Um show de afrontas a uma categoria decisiva na retomada da democracia no Brasil. É com a indignação devida que recebo a decisão infundada do Supremo Tribunal Federal na histórica e já famigerada quarta-feira (17/6). Por oito votos a um, os ministros do STF decidiram anular a exigência do diploma para o exercício do jornalismo, numa luta que se arrastava judicialmente desde 2001.
Foram mais de quatro horas de discussões travadas por quem não tem o menor conhecimento do que seja o jornalismo. E nem o respeito, diga-se de passagem. Entre as justificativas listadas pelos nobres ministros – com toda a ironia que este espaço me permite –, a principal delas baseava-se no argumento das instituições que protocolaram o recurso no STF: a de que a exigência do diploma tiraria da população o direito básico de manifestar suas opiniões, o que feriria a Constituição de 1988. Um argumento que não se sustenta por si só. Os jornalistas, não temos o poder exclusivo de controle sobre a emissão de opiniões de quem quer que seja! E nem o queremos.
O relator do processo e presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes, disse que o fato de um jornalista ser graduado não implicaria mais qualidade enquanto profissional. O seu pensamento, ministro, permite-me pensar que isso também seja perfeitamente aplicável ao exercício do Direito, pois é a exigência do diploma que sustenta o trabalho de milhares de juristas Brasil afora.
A desunião da categoria
Pela lógica da nossa Carta Magna, a função de legislar cabe ao Congresso Nacional e aos pares nas demais esferas do Poder Público, e não ao Judiciário. Reversão de papéis, é assim que chamo. Mas, ao contrário dos excelentíssimos ministros do STF, enquanto jornalistas não possuímos o direito de anular tal decisão. Parece-me que o caráter humano seja tão fundamental para os jornalistas quanto para as demais profissões… Ou será que estou errado ao pensar desta forma?!
Para o exercício do jornalismo é necessário, sim, bom caráter, domínio da comunicação, da língua portuguesa, mas também de conhecimentos históricos, éticos, filosóficos, sociológicos, técnicos e práticos. E é esse o valor cognitivo que se esconde atrás do diploma de qualquer graduado. O que o STF diria se eu quisesse ser um juiz, mesmo sem diploma? Teria eu a devida competência para julgar? Detalhe: na faculdade de Comunicação Social, estudei sobre leis.
A decisão entristece os jornalistas também pelo fato de uma instituição ligada à categoria ser corresponsável pela ação: o Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão no Estado de São Paulo (Sertesp). O outro responsável foi o Ministério Público Federal. Depois disto, creio que não seja mais justificável a imprensa falar sobre a morte do movimento estudantil. A desunião da categoria está provocando a morte dela também.
Um grão de sensatez
O jornalismo do diploma obrigatório já provocou vários erros e injustiças, como ocorre em qualquer outro trabalho. Só que muitas das consequências são irreversíveis neste campo. Cito o caso emblemático da Escola Base, no qual a imprensa, em atitude apressada e irresponsável, divulgou haver a prática de abuso sexual por parte dos proprietários e alguns funcionários da escola. Tempo depois, a denúncia não se confirmou. Resultado: uma mancha na reputação dos denunciados que está longe de ser apagada. A decisão do STF abre espaço para que erros iguais ou maiores do que este se tornem cada vez mais frequentes no Brasil. E isso não é somente um mau presságio. É uma constatação óbvia!
A decisão está tomada e contra ela parece não haver possibilidade de alteração. Os detentores da verdade absoluta assinaram em baixo. Resta-nos agradecer pelo fato de haver, nesse deserto de injustiça, um grão de sensatez que foi o único voto favorável ao diploma, do ministro Marco Aurélio Mello. Ponto para ele!
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Jornalista, João Pessoa, PB