A escola de pós-graduação em jornalismo fundada por Joseph Pulitzer[1] (1847-1911) – emblemático editor do New York World – ainda reflete sua crença apaixonada de que o jornalismo pode ser sempre aprimorado. Um de seus fascínios, Pulitzer o considerava como um serviço público, destinado especialmente aos menos favorecidos, em contraposição aos poderosos. [2]
Quando a reportagem exigia sobretudo vocação e era aprendida na rotina das redações, poucas instituições de ensino se concentravam em seu estudo. Em A Escola de Jornalismo (1903), Pulitzer defende o rigor do método jornalístico como fundamental para o exercício da profissão. Para o editor, a formação de jornalistas era essencial para que pudessem exercer uma das funções sociais mais importantes: ajudar as pessoas a compreenderem a realidade a sua volta.
Numa época em que jornais eram vendidos por centavos nos Estados Unidos, o New York World alcançou grande circulação e prestígio. Seus artigos de investigação e editoriais que atacavam a corrupção do governo, de ricos empresários, sonegadores de impostos e jogadores atraíam muitos leitores. Porém, o último desejo de seu editor, de promover a educação de jornalistas a fim de elevar o standard da profissão, somente se concretizaria após sua morte, quando a Columbia University aceitou uma doação em dinheiro para a criação da Columbia Graduate School of Journalism.
Instituído em 1917, o famoso Pulitzer Prize é um dos vários prêmios criados para encorajar e reconhecer trabalhos de excelência em jornalismo. Exposta sob uma proteção de vidro, num dos corredores da escola, a medalha de ouro instiga novatos e veteranos. No centro dela vê-se, em alto-relevo, o desenho de um homem com sua prensa, circundado pela seguinte mensagem: “para o mais desinteressado e meritório serviço público”. Joseph Pulitzer teria ficado satisfeito em saber que o prêmio, que hoje leva seu nome, tem sido destinado, primordialmente, às histórias que expõem a corrupção, mais do que qualquer outro assunto.
Desde os relatos de Alexis de Tocqueville[3] o mundo conhece a influência da liberdade de imprensa na sociedade civil americana. Michael Schudson mostra uma visão geral do jornalismo norte-americano, do período colonial até os dias de hoje, enfatizando sua relação com as instituições na democracia. Com o passar do tempo, o jornalismo norte-americano tornava-se um baluarte da escrita profissional objetiva. “A crença na objetividade é uma confiança nos ‘fatos’, uma desconfiança dos ‘valores’, e um compromisso com a segregação de ambos” (Schudson: 2010, p. 16).
Um conceito bem estabelecido internacionalmente é o de que o jornalismo tem um papel fundamental em regimes democráticos. Segundo Sheila Coronel (2010), a compreensão da imprensa como o “quarto poder” e uma instituição que existe, primordialmente, para checar aqueles em posições públicas baseou-se na premissa de que Estados poderosos haviam de ser prevenidos de ultrapassar seus limites. Para a diretora do Columbia Toni Stabile Center for Investigative Journalism, em países democráticos a mídia tem a atribuição de contribuir para a melhoria da governança, especialmente por sua habilidade de expor a corrupção e de falar a verdade.
O avanço tecnológico, as novas formas de interação e mudanças de comportamento vem impondo transformações profundas nas sociedades. Entre os jornalistas, há uma grande ansiedade com relação ao futuro profissional, quanto ao modo de consumo das notícias, os planos de negócios, o formato da reportagem em si e sua distribuição. As redações aprendem a lidar com a interação das mídias, as interfaces matemáticas e a codificação de dados, a importância dada ao design, ao grafismo e a todo o universo de novidades representado pelo jornalismo feito para Internet.
Um dos desafios da atualidade consiste em atender demandas cada vez mais individualizadas, explorando as possibilidades de empreendedorismo que a especialização promove. Jornalistas, por sua vez, nunca estiveram tão ligados à métrica, às estatísticas, ao universo digital, às redes sociais e à globalização da informação. Vivemos uma era de complementariedade, em que uma plataforma aprofunda a experiência da outra, enquanto a Internet amplifica vozes e permite uma oferta de conteúdo cada vez maior, num mercado conectado e global.
Para Emily Bell, C.W. Anderson e Clay Shirky, as transformações são inevitáveis. Em Post- Industrial Journalism: Adapting to the Present (2012), os pesquisadores do Columbia Tow Center for Digital Journalism alertam que não escrevem sobre o “futuro da indústria de notícias”, uma vez que as mudanças ainda estão em andamento e porque, segundo analisam, não mais existe aquilo que se convencionou chamar de “indústria de notícias”. A liberdade que irrompeu o mercado da comunicação, tanto para jornalistas, publicitários, quanto para a audiência alterou significativamente as práticas noticiosas. “Os últimos 15 anos têm sido de uma explosão de novas ferramentas e técnicas e, mais importante, de novas suposições e expectativas e todas essas mudanças vem derrubando antigas certezas”.
Há lugar para novos modelos de financiamento, quantificação de audiência e monetização de conteúdo; sem falar nos avanços da mobilidade e no convívio cada vez mais estreito entre os diferentes veículos de informação. Hoje, uma mesma história pode ser narrada reunindo características comuns a diversas mídias, através de parcerias tecnológicas aparentemente ilimitadas e que florescem em alta velocidade. Ao repórter, cabe ainda a nobre tarefa de contar as boas histórias, aquelas que importam para a sociedade, com a mesma coragem e a convicção de que elas poderão se encaixar na melhor plataforma disponível. A audiência estará lá para ser tocada!
“Uma vez que contar histórias verdadeiras é vital, o valor do jornalismo não pode ser reduzido a outras necessidades suplementares” (BELL, 2012). Para a autora, o papel do jornalista como narrador da verdade, aquele que dá um sentido e explica uma história é algo que não pode ser diminuído ou substituído, uma vez que os jornalistas não são simples fornecedores de fatos. Mais do que disponibilizar informações, jornalistas precisam ser capazes de moldar as notícias de modo a atingir um público cada vez maior.
Mas a despeito do avanço tecnológico, histórias jornalísticas ainda precisam de atualidade, novidade, vivacidade e de uma escrita envolvente capaz de prender o leitor. Estudos comparativos entre o conteúdo publicado em jornais norte-americanos na segunda metade do século XX mostram que, da década de 1950 até os anos 2000, aumentou a quantidade de material analítico publicado, enquanto caiu o número de reportagens convencionais.[4] Apenas mais tecnologia, portanto, não será suficiente. Cada vez mais, é preciso desenvolver senso de análise, reflexão, contexto, perspectiva e crítica para reportar com mais impacto.
Um dos dilemas reside em como criar conteúdo para plataformas digitais que não perca em qualidade e profundidade de análise. O papel do jornalista, hoje, ultrapassa as tarefas de produzir, escrever e editar histórias. O que se espera do profissional do século XXI é que ele possa agregar valor à reportagem, que traga um olhar inteligente e criativo, ainda que o consumidor de notícias demonstre sua preferência por textos curtos, vídeos atraentes e a interatividade.
Na busca constante pelo aperfeiçoamento do jornalismo, Columbia sintoniza-se com o futuro da profissão sem negligenciar as ferramentas primordiais para a excelência na reportagem: o aprofundamento na apuração e produção de notícias, permitindo ao jornalista situar os fatos num contexto maior, fazer perguntas mais informadas e validar ou não declarações de fontes.
Diminuir as chances de erro ao reportar deveria ser um dos mantras de todo jornalista, apesar das limitações de deadline[5] e de outras pressões inerentes à profissão. Ao ensinar pesquisa técnica e avançada para jornalistas, especificamente habilidades relacionadas à coleta de informações e à apreciação de dados, a J-School replica um “método jornalístico” disciplinado de testar hipóteses e suposições e de reconhecer os momentos em que a narrativa desafia a clareza. O objetivo é a busca por uma escrita cada vez mais sólida, correta e transparente.
O corpo acadêmico auxiliar – formado por professores de outros departamentos, tais como ciências sociais, psicologia, economia e história – complementa a formação dos jornalistas. Exercícios práticos e teóricos propõem uma maior compreensão de estatísticas, a realização de entrevistas rigorosas e a familiarização com o trabalho dos peritos.
Ainda que a coleta de dados e informações seja uma parte primordial do trabalho do jornalista, a provocação maior consiste em desenvolver um olhar crítico capaz de encontrar no material investigado padrões que permitam a construção de uma narrativa. Em outras palavras, caberá ao jornalista interpretar dados e estatísticas, ainda que a reportagem não seja uma compilação de fatos e números, uma vez que deve ser lida como uma história e não como um relatório acadêmico.
O Master of Arts in Journalism é uma janela para o aprofundamento na carreira de jornalista, promovendo mais expertise em quatro linhas de pesquisa: arte e cultura, ciência e saúde, economia ou política, sendo esta última a minha escolha. Não porque não tivesse experiência prévia nas demais, uma vez que a reportagem geral garante uma bagagem ampla ao profissional, mas sim por acreditar que na política eu encontraria respostas para compreender melhor o momento que o Brasil atravessa.
Histórico e conjuntura dos principais sistemas políticos do mundo e o funcionamento das instituições internacionais são apresentados como ferramentas analíticas para uma melhor compreensão de pautas jornalísticas. O currículo constitui-se de oito temas centrais: poder; identidade e nacionalismo; mobilização; ações coletivas e conflito social; direitos; instituições; distribuição de recursos; barganha e negociação. De fato, se olharmos para as histórias que nos rodeiam, veremos que muitas delas apresentam um ou mais desses aspectos interligados. A leitura obrigatória do programa inclui temas como a formação dos estados, religião, etnia, rebeliões e agitação social.
Diferentemente do Master Science, que recebe estudantes recém graduados, no Master of Arts profissionais com experiência de 3 a 15 anos, entre empresários, correspondentes estrangeiros, colunistas, repórteres e especialistas em Internet, de mais de 40 países, compartilham as aulas em formato de seminários. Ministrado em inglês, o MA exigiu a produção de longas reportagens com a aplicação de conceitos e ideias, objetivando a assinatura de um texto mais apurado e interessante.
O objetivo é auxiliar o repórter a aprofundar o pensamento crítico, impelindo-o a pesquisar e a escrever sobre políticas públicas e conflitos envolvendo governos e conceitos ideológicos. Escolas ou autores, contudo, devem tão somente informar o pensamento do jornalista, sem infectar ou afetar sua escrita, oferecendo, contudo, o background e o contexto necessários para uma boa matéria.
Referências Bibliográficas:
ANDERSON, C.W; BELL, Emily; SHIRKY, Clay. Post-Industrial Journalism: Adaptating to the Present. New York: Tow Center for Digital Journalism, 2012.
CORONEL, Sheila. Corruption and the Watchdog Role of the News Media. Em Public Sentinel: News Media and Governance Reforme. Editado por Pippa Noris. Washington DC: World Bank, 2009.
SCHUDSON, Michael. Descobrindo a notícia – Uma história social dos jornais nos Estados Unidos. Petrópolis: Vozes, 2010.
PULITZER, Joseph. A Escola de Jornalismo: a opinião pública. Tradução de Jorge Meditsch e Eduardo Meditsch. Florianópolis: Insular, 2009.
[1] Joseph Pulitzer (1847-1911), nasceu na Hungria, de origem judaica, tornou-se um dos maiores editores de jornais dos Estados Unidos. Ganhou proeminência ao reagir energicamente contra a corrupção no governo e em grandes corporações. Foi responsável pela introdução do chamado new journalism em suas publicações, um estilo de escrever notícias com o uso de técnicas literárias, incomum para a época. As reportagens ganharam ilustrações e destaque. Na visão de alguns historiadores, qualquer lapso de Pulitzer no chamado “jornalismo amarelo” ou sensacionalista teria sido recompensada por suas inúmeras realizações de serviço público. Ver mais em http://www.pulitzer.org/biography.
[2] It was Pulitzer’s passionate belief that “journalism was a public service, and by the public he meant the little person, not the great powers.” Disponível em http://www.columbia.edu.
[3] Em “Freedom of Press in the United States” in Democracy in America. London: Saunders and Otley, 1835.
[4] Durante duas semanas, foram analisadas as notícias de primeira página dos jornais New York Times, Milwaukee Journal Sentinel e Washington Post. Os estudos mostram que na década de 1950 as notícias convencionais representavam quase 90% do conteúdo da capa e as analíticas menos de 10%. Cinco décadas depois, as reportagens convencionais caíram à metade e as analíticas atingiam quase 50%.
[5] Deadline: o último momento para a entrega de uma reportagem antes de ela ir ao ar.
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Maria Paula Carvalho é é mestre em Jornalismo Político pela Columbia Graduate School of Journalism; mestre em Comunicação Social pela PUC-RJ e bacharel em jornalismo pela PUC-RS. Autora do livro Caravanas da Identidade (2010). Autora da master thesis: Brazil, is the future Now?