O banditismo social do interior do Nordeste brasileiro, caracterizado pelos cangaceiros, tornou-se um marco sócio-cultural para a história da região. Os cordelistas foram os maiores divulgadores das façanhas dos cangaceiros, principalmente do personagem Lampião. O principal intuito destes artistas populares era levar a informação de forma divertida e diferenciada (tirando da alma a arte para perpetuar a sabedoria popular) para milhares de sertanejos que dispunham apenas de conversas entre vizinhos para se manterem informados. Ou seja, faziam o papel de repórteres/jornalistas, com narrativas apoiadas em seus imaginários, em suas condições sociais, de forma a endeusar ou endiabrar a figura do Rei do cangaço.
O fundo maniqueista primitivo das antigas obras literárias sobre o cangaço e a candidez ‘matuta’ dos artistas populares do Nordeste transformou o cangaceirismo numa fantasia, contada em forma de lenda. Pois o que mais interessava ao artista popular era a imagem popular do ‘bandido’. Assim, a história de Lampião foi associada ao imaginário popular, na construção do verdadeiro super-herói – tirar do rico para dar ao pobre, o Robin Hood da caatinga sertaneja, porém sem a consciência social.
O bem e o mal
A literatura de cordel passou, constantemente, fazer alusão ao contexto histórico de Lampião com todas as ‘aventuras’ em forma de lenda, sendo a realidade ou fantasia fruto da opinião pública nordestina. Nessa situação, o que mais interessava aos cordelistas era a imagem popular do ‘bandido’. Diziam ter Lampião altas habilidades, ou seja, um superdotado de inteligência, bravura e humor perverso. Assim, também seria um homem que se ‘encantava’ (tinha o poder de ‘desaparecer’), que tinha proteção do ‘além’. Nessa perspectiva, a história de Lampião foi associada totalmente ao imaginário popular, na construção do verdadeiro ‘super-herói’.
Os cordelistas misturavam situações reais do bando de Lampião para enriquecer os relatos e cantorias. Desta forma, imortalizaram a figura de tal cangaceiro, com toda sua complexidade. Pois foi no cangaço que Lampião ‘[…] se tornou rei absoluto e que lhe forneceu o passaporte para a imortalidade pelas vias da história, da literatura e do folclórico’ (MELLO, 1993, p. 96).
Os poemas literários dos grandes cordelistas, em suas formas antológicas sobre o cangaço, com menções a sentimentos como o fatalismo, o pronunciamento do bem e do mal, Deus e o Diabo, a presença quase viva do Demônio nas relações cotidianas, são em alusão ao sertão como inferno, isso devido às condições climático/sociais, já que no imaginário popular o inferno seria quente e o ‘cão’ seria mau: o diabo apresenta características, comportamento e linguagem própria dos ‘coronéis’, sendo o céu, o sertão em tempos chuvosos com as boas condições de fartura, boas colheitas e gado gordo.
O Robin Hood da caatinga sertaneja
Percebe-se que o personagem Lampião cumpre o papel de bandido e/ou justiceiro que povoou o sertão nordestino de 1922 a 1938. Época em que a escolha pela vida de bandoleiro podia ocorrer a partir de uma ofensa vingada e seguida de perseguição policial. O isolamento do vingador, nestes casos, seria fatal. Era hora de buscar se fortalecer junto a um protetor respeitado e, assim, a opção mais concreta era ‘cair no cangaço’ e fazer parte de um bando. A partir deste momento, sua vida seguiria um trajeto aventureiro, ousado, incerto, perigoso para si e para quem fosse considerado seu inimigo.
Vale ressaltar que a insatisfação com as condições de vida e trabalho do Nordeste no tempo de Lampião constituía-se fermento para a eclosão de movimentos de revolta e rebeldia, quando fatos de natureza corriqueira, como disputa por fronteira de terras, desaparecimento de bezerros ou uso de água por pessoas de propriedades vizinhas, ocorriam, poderiam tornar-se fatores de brigas e mortes. Todavia, cada cangaceiro teve suas razões particulares para a vida errante que decidiu levar. Porém, subjacente a estas razões, sempre existiu a situação sócio/econômica.
Lampião continua vivo na memória dos literatos. Para o nordestino pobre é um herói, e continuará a sê-lo, o paladino da justiça, o simplesmente, o Robin Hood da caatinga sertaneja. Certamente, o ‘bandido não só é um homem, como também um símbolo’. (HOBSBAWM, 1975 p.128). Símbolo distorcido de uma reação a uma situação real, lances de coragem, ações e grande estratégia, revelavam enorme inteligência. Ele vivenciou sua condição de lenda em plena juventude.
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Geógrafo, bacharelando em Comunicação Social, Gurinhém, PB