O jornalismo apresenta-se como uma ferramenta essencial à dinâmica da sociedade. Foi através de seu engajamento, nas linhas dos dossiês e artigos, que governos caíram e se erigiram, grupos e ideais foram defendidos. A imprensa intensificou-se, ao passo que as sociedades foram se industrializando e se enquadrando ao modelo capitalista. Sua função transformou-se, deixando de ser panfletária – em tese – para forjar uma tarefa informativa.
Não passou esquecida por muitos a idéia de que o jornalismo, em suas diferentes fases de atuação, tinha outro papel; o de educar, de formar cidadãos. Basta lembrar a atuação do Correio Braziliense, de Hipólito José da Costa, patrono da imprensa brasileira. O veículo mensal, datado de 1808, com formato mais próximo ao de um livro, com textos densos, servia não só para fornecer informações relevantes sobre o que acontecia fora do Brasil colonial, ainda sob a égide de Portugal. O Correio, também chamado de Armazém Literário, dirigia-se a uma população brasileira que carecia de escolas e centros universitários – àquela época, eram escassos no país centros de formação superior e de ensino básico. O jornal serviu, dessa maneira, para semear dentro de jovens, promissores intelectuais, ainda que limitadamente, o interesse pelo humanismo e pelo cientificismo.
Acontecer e informar
Os anos passaram e a sociedade se transforma com constância alucinante. No século 21, a lógica do desenvolvimento desenfreado das tecnologias acaba submetendo a intermináveis readaptações a política de atuação dos meios de comunicação. O espaço público, de certo modo, é gradativamente transferido para o ambiente virtual, para as salas de bate-papo e sites de relacionamento. Os grandes jornais inexistem se não disponibilizam uma página na internet.
O aprimoramento tecnológico, no espaço da comunicação, deixa de ser mais uma ferramenta e passa a ser fator determinante nas bases de relacionamento da comunidade global. ‘El lugar de la cultura en la sociedad cambia cuando la mediación tecnológica de la comunicación deja de ser meramente instrumental para espesarse, densificarse y convertirse en estructural’ [Martín-Barbero, Jesús. La educación desde la comunicación. Disponível aqui].
Acontecer e informar são quase sinônimos, graças à natureza instantânea dos mass media. Enquanto isso, nas escolas de ensino fundamental e médio, evidencia-se que um professor, com métodos convencionais de didática, não consegue absorver a atenção dos estudantes, cada vez mais ligados à mídia, que é dotada de um poder educativo na maioria das vezes não utilizado.
‘Mídia-educação’
A estratégia sensata a ser adotada é utilizar o vento informacional a favor da própria sociedade. O instrumento catalisador dessa tendência tida como irreversível, sem dúvida, é a educomunicação que, em poucas palavras, é a integração inteligente de duas áreas: educação e comunicação.
A prática do conceito existe há mais de três décadas, quando se observaram várias iniciativas em toda a América Latina. A autoria do termo é atribuída ao educador colombiano Jesús Martín-Barbero, porém outros educadores já reconheciam na comunicação uma arma de inclusão e conscientização dentro das salas de aula. ‘Celestín Freinet já despertava a escola para a importância do trabalho com jornais no começo do século passado (a ‘imprensa escolar’ e a correspondência entre as escolas)’ [disponível aqui].
Atualmente, existem centros de estudo e muitos pesquisadores dispostos a elucidar o conceito, bem como a localizar iniciativas positivas. Destacam-se projetos como o Núcleo de Comunicação e Educação (NCE), da Universidade de São Paulo – que já disponibiliza uma graduação específica para o educomunicador –, e a Rede Brasileira de Educomunicadores, que sistematiza estudos e práticas relacionadas à também chamada ‘mídia-educação’ ou ‘alfabetização para a mídia’.
Campo de reflexão-ação
Pode ser percebida a importância da educomunicação na atualidade quando se conhece, por exemplo, projeto coordenado em um colégio na cidade de São João da Boa Vista (SP). A ‘Oficina de Jornalismo’, voltada para estudantes de 5ª a 8ª série, é coordenada pela jornalista Ana Catarina Prebill e por Jorge Luiz Gazzatto Filho.
São realizadas, uma vez por semana, aulas com duração de uma hora, em espaço alugado pela escola. ‘A ‘Oficina de Jornalismo’ tem como principal objetivo dar aos alunos a oportunidade de aprender a fazer planejamentos com o propósito de transformar uma idéia em realidade, ou seja, em jornal impresso’ [Prebill, Ana Catarina. Entrevista concedida por e-mail ao autor], afirma. Durante esse período, é conduzida toda a apresentação conceitual do jornalismo e aplicação orientada de suas ferramentas de trabalho (entrevistas, planejamento de pautas, programas de editoração, criatividade, noções de tipografia, apresentação do projeto gráfico, divisão de editorias, fechamento do jornal etc.).
Prevê-se que a oficina aconteça até o fim do semestre, tempo em que se concluirá todo o trabalho de redação, edição e impressão do jornal. O projeto já conta com um blog atualizado semanalmente, do qual os estudantes têm participado com freqüência.
Segundo a jornalista, os alunos participam por iniciativa própria, já que o projeto não integra a grade curricular obrigatória. Ana acredita que a ‘Oficina’ contribui, ‘despertando o gosto pela leitura e a responsabilidade dos jovens interagirem com a sociedade em que vivem e com a forma pela qual as coisas acontecem ao redor deles. É o que hoje em dia se chama de educomunicação, que nada mais é do que o campo de reflexão/ação que une as áreas de Educação e Comunicação Social’.
Paranóia sem precedentes
Os benefícios, na análise da jornalista, não param por aí. ‘Outro ponto positivo é a melhora na auto-estima dos estudantes, visto que eles têm a prova prática da importância do seu trabalho para a comunidade, ou seja, a escola.’ Segundo a coordenadora, as aulas extracurriculares aumentam o interesse dos jovens por disciplinas como Língua Portuguesa e Redação. ‘Os alunos também aprendem a importância de trabalhar em equipe, respeitando as diferenças uns dos outros.’
Por outro prisma, quando os estudantes entram em contato com a prática do jornalismo, estão desenvolvendo dentro de si uma amplificada capacidade de crítica e entendimento dos acontecimentos. ‘A partir do momento em que você apresenta o Jornalismo aos jovens e crianças, você dá a eles a oportunidade de interagirem de forma mais intensa com os meios de comunicação, formando não apenas leitores, mas formadores de opinião’, afirma Ana Catarina.
Enquanto instrumento de facilitação do poder crítico dos jovens e que retrabalha as expectativas destes com relação aos subprodutos da sociedade da informação, a educomunicação traz um novo fôlego ao jornalismo. Informar por informar não é suficiente e temos exemplos claros nos nossos dias de que, se essa tarefa não alcança um propósito maior, acaba por beirar uma paranóia sem precedentes, tanto para os profissionais que atuam na mídia, quanto para o espectador. As dezenas de câmeras em frente à residência dos Nardoni compõem a imagem ideal dessa assertiva. Jornalistas à procura de um furo que poderia ser visto em vários meios, milhares de pessoas aglomeradas obsedadas por uma revolta que não é construtiva.
Parte nevrálgica do processo
Noticiar é preciso, mas em outra mão é necessário contribuir para que os leitores, telespectadores e internautas tenham subsídios para compreender a realidade de maneira libertadora. Educar os jovens para a comunicação é, nessa linha de raciocínio, uma chance de garantir um público mais crítico e persuasivo, que questiona antes de condenar ou aceitar.
A condição de jornalista inclui, portanto, duas tarefas: a de educar pela mídia e a de educar para a mídia. As crianças e os jovens são a parte nevrálgica deste processo. Bom para o jornalismo, melhor para a sociedade.
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Repórter do jornal Comércio da Franca, Franca, SP