Este protesto é dirigido aos jornalistas Ancelmo Góis, Ana Lagôa, Sílvio Ferraz, Ricardo Boechat, Aziz Filho, Chico Otávio, Antonio Góis e Eliane Bardanachvili.
Junto com 25 magistrados de diferentes instâncias (inclusive da suprema corte), eminentes juristas, criminalistas e professores, os renomados profissionais (alguns são amigos e companheiros) participarão do seminário ‘Liberdade nos Meios de Comunicação Social’, organizado pela UniverCidade e co-patrocinado pela OAB-RJ e outras ilustres siglas ligadas à luta pela justiça e pelo direito.
Os colegas jornalistas precisam saber que o centro universitário anfitrião não tem o menor respeito pela liberdade de expressão. Gasta uma fábula para inventar eventos, mas pisoteia as diferenças de opinião, atropela o respeito à diversidade.
Este Observador tem a prova: convidado em 2003 pela professora Joëlle Rouchou para apresentar o seu excelente livro Samuel, as duas vozes de Wainer, meses depois de entregar o texto foi surpreendido pela informação de que não era persona grata do dono do estabelecimento, Ronald Levinsohn.
Não adiantaram as ponderações dos escalões intermediários. Ronald Levinsohn detesta Alberto Dines, com quem travou uma polêmica pública sobre a indústria do diploma de Jornalismo. Quem ousa contestar o todo-poderoso ex-dono do buraco da Delfin deve ir para a lista negra, simplesmente não existe. Confirmado o embargo, o texto foi retirado do livro e, às pressas, substituído por outro.
Os alunos de Jornalismo da UniverCidade (ou Univer$idade?) e de outras escolas, colegas jornalistas e historiadores e eventualmente futuros biógrafos não perderam muita coisa, como se poderá comprovar da leitura do texto reproduzido abaixo.
Em compensação, temos um interessantíssimo caso de estudo sobre as imposturas que se praticam a pretexto da liberdade. Vale a pena desenvolvê-lo. Samuel Wainer merece esta homenagem.
Em tempo: o evento será realizado de 26 a 29 de novembro, na sede do empreendimento (Rua Humaitá, 275, Rio).
Prefácio não-publicado no livro ‘Samuel, as duas vozes de Wainer’
‘Um furacão azul chamado Última Hora
Prefácios distinguem-se de posfácios não apenas pela arrumação no livro ou pelo momento em que são escritos. A diferença está na perspectiva: um introduz, o outro completa. Mas este prólogo, embora preceda o texto, pode valer como vinheta complementar.
Quinze anos depois do sucesso de Minha Razão de Viver, o desconcertante depoimento de Samuel Wainer brilhantemente editado por Augusto Nunes, e quase uma década depois de aprovada esta dissertação de mestrado de Joëlle Rouchou, o tempo encarregou-se de oferecer novos matizes e definições.
Samuel Wainer recorta-se hoje de forma clara não apenas no panorama político e jornalístico do Brasil mas, sobretudo, na conjuntura internacional. Ainda que seu perfil seja o mesmo — forte, fascinante e perturbador – clarificam-se os desempenhos e opções.
Mais de meio século depois dos flagrantes oferecidos por Wainer na sua autobiografia falada, a imprensa brasileira vive um de seus piores momentos (talvez só comparáveis à crise econômica que a assolou no início do século XX). Num cenário onde desenha-se a inevitável decadência da oligarquia jornalística pode-se enxergar o início dos anos 50 como uma Época de Ouro (antes ainda dos chamados Anos Dourados de JK).
De 1949 (quando foi lançada a Tribuna da Imprensa) até 1956 (quando o Jornal do Brasil iniciou o seu projeto de modernização) temos uma sucessão de avanços muito semelhantes aos impulsos acionados em 1808 pelo lançamento do Correio Braziliense e da Gazeta do Rio de Janeiro.
Num ambiente político acirrado pela redemocratização e pela Guerra Fria, numa economia esquentada pelos primeiros impulsos desenvolvimentistas, Samuel Wainer acrescenta em 1951 a sua inesgotável centelha criativa, o furacão azul chamado Ultima Hora (seguiram-se a reforma do texto jornalístico introduzida por Pompeu de Souza no Diário Carioca e o lançamento de Visão e Manchete, todos em 1952).
A preocupante situação da imprensa brasileira oferece hoje condições para dimensionar com mais precisão os aportes editoriais e mercadológicos inventados por um repórter-estrela convertido em editor e sua incrível ascensão na condição de dono de um aguerrido conglomerado.
Wainer vale pelo que fez mas vale também como lembrança da implacável perseguição que lhe foi movida pelo ex-amigo Carlos Lacerda, com o apoio entusiasta dos barões da mídia. O patronato ainda não convivia em associações mas, por instinto, o seleto grêmio não poderia aceitar como um de seus pares um profissional sem lustre no sobrenome, convictamente antifascista, próximo do PCB, filho de imigrantes pobres.
Ao longo dos últimos 50 anos assistimos na grande imprensa brasileira alguns trambiques e golpes de mão, com inequívocos ingredientes de gangsterismo e, apesar disso, digeridos e assimilados sem dificuldades. Samuel Wainer fez exatamente o que todos os empresários da imprensa sempre fizeram: servir-se dos favores do governante que lhe era simpático para financiar o seu sonho. Produziu coisas extraordinárias, mas talvez porque tivesse tenha coberto como repórter o julgamento dos nazistas em Nuremberg ou a luta pela independência de Israel, esqueceu-se de um detalhe histórico: era judeu, nascido em Iedenitz, Bessarabia. Imperdoável.
Joëlle Rouchou não esqueceu este detalhe e traz de volta com muita devoção não apenas a voz mas a figura sedutora do judeu do Bom Retiro, alcunhado de Profeta por Getúlio Vargas e alçado da noite para o dia ao cenáculo do poder.
Sirvo-me aqui da primeira pessoa do singular e combino o prefaciador com o narrador apenas para ressaltar e atualizar uma valiosa informação sobre o início da carreira de Wainer. Conheci-o em 1957, trabalhei com ele duas vezes, ficamos muito próximos no período em que escrevíamos na mesma página dois da Folha de S. Paulo‘ e, no entanto, jamais contou que meu pai o ajudara na primeira empreitada jornalística.
O ‘Almanack Israelita – Israel no Passado e no Presente’ organizado por Samuel em 1937 com a ajuda do nome do reitor Inácio de Azevedo Amaral no cabeçalho, foi um dos projetos articulados pela comunidade judaica da Capital (da qual meu pai era um ativista) para enfrentar a onda anti-semita importada da Alemanha nazista e alimentada pela poderosa Ação Integralista Brasileira.
O ‘Almanack Israelita’ pretendia disseminar os antídotos para os venenos difundidos por Gustavo Barroso, pelo clero e pelos núcleos racistas e elitistas enquistados em todos os escalões da sociedade brasileira. Os judeus simultaneamente acusados de fomentar o comunismo e de serem agentes do capitalismo internacional eram imigrantes perniciosos cujo acesso deveria ser barrado, e sua integração, rigorosamente controlada.
Meu pai era amigo do irmão mais velho de Samuel, Arthur, e esta pode ter sido a chave para uma aproximação insignificante que nas memórias o jornalista fez questão de registrar.
Mais importante do que o empurrão é o fato de que o mesmo Inácio de Azevedo Amaral (militar, cientista, progressista e convicto filo-semita) foi quem convidou Wainer para dirigir uma nova revista e que acabaria por incluí-lo no primeiro escalão do jornalismo brasileiro. O semanário Diretrizes foi, no seu tempo, tão importante quanto a Última Hora e nele está embutido um vínculo profissional-existencial-político que nas mãos de Joëlle ganha nova palpitação.
Em Samuel conviveram o nacionalismo e o cosmopolitismo, a fascinação pelo dinamismo da imprensa americana e pela sofisticação da francesa (Pierre Lazaref era um dos seus ídolos), a ternura judaica e os rasgos da criatividade brasileira.
O furacão azul da Última Hora tem como antecedente a afirmação de uma identidade e, como saldo, o preço que Wainer pagou por ela.
Alberto Dines, São Paulo, 6 de Julho, 2003′