Há algum tempo pretendia escrever sobre Morgan Spurlock. Não sabe quem é ele? É um cineasta americano de 33 anos que se propôs a comer exclusivamente três refeições por dia na rede de fast food McDonald´s durante um mês (inclusive a água levava a marca da rede). Isso devido à lanchonete apregoar que suas refeições são nutritivas. Dá para imaginar no que deu… Além de engordar 12,5 quilos, seu nível de colesterol subiu excessivamente. Como cineasta que é, aproveitou e fez um documentário, chamado Super size me: A film of epic portions‘ (www.supersizeme.com), referência às superporções oferecidas pela rede nos Estados Unidos.
Alguns efeitos da saga foram os ‘McGases’, os ‘McArrotos’ e as ‘McDoresdeBarriga’. Na terceira semana o nível de colesterol saltou dos normais 165 para 225. Para desintoxicar, durante seis semanas comeu vegetais orgânicos e azeite.
Todos os dias somos assolados por uma avalanche de informações. Há os que acordam e ligam a TV (e até aqueles que programam a TV para acordá-los). Afinal, é importante estar informado, depois de passar cinco, seis, sete ou oito horas ‘desantenado’, dormindo. Alguns lêem o jornal enquanto tomam o café da manhã, outros não têm tempo nem para o café, mas no carro ou indo para o ponto de ônibus ligam o rádio, para ficar por dentro das novidades.
No horário de almoço, se tiver uma TV ligada no restaurante ou na lanchonete, também surge uma ótima oportunidade para se atualizar. E, ao fim do dia, cansado, tira os sapatos, senta-se na poltrona e… liga-se a TV, para saber o que aconteceu durante o dia.
Claro que você nunca viu ninguém agir assim… Muito menos você! Mas admitamos, por mera hipótese, que exista um ser humano (?) assim. Quanto ele absorveu de informação no dia? Quantas críticas formulou? O que filtrou do que assistiu, leu, ouviu?
Só emoção
Um termo que tem se tornado recorrente entre comunicadores, sociólogos e afins é ‘obesidade informativa’. A era da informação – e da informação em alta velocidade – impõe uma competição desumana entre as empresas de comunicação. Vide o verdadeiro rally dos ‘motolinks’. Ou a disputa aérea pelas imagens dos helicópteros. A necessidade de se colocar na rede uma notícia, mesmo incompleta e sem apuração. Ignacio Ramonet afirma:
‘A TV se nutre fundamentalmente de sangue, violência e morte. E mais ainda com a concorrência entre as redes, que obriga os jornalistas a pesquisarem o sensacional a qualquer preço, a quererem ser os primeiros no local e a enviarem de lá imagens fortes. Estes imperativos não consideram o fato que às vezes é materialmente impossível verificar se não se está sendo vítima de uma intoxicação de uma manipulação, e que aos repórteres falta tempo para analisar seriamente uma situação’.
Ciro Marcondes Filho, em ‘A saga dos cães perdidos’, diz:
‘A desinformação ou ausência total de informação por força do excesso ocorre de várias maneiras. Em primeiro lugar, pelo volume, no sentido que os gregos davam à palavra phármacon, que é tanto o de preparar remédio como o de produzir venenos ou encantos’.
Ou seja, uma pequena quantidade pode salvar, mas uma alta dose pode matar. E conclui:
‘O bombardeio informativo narcotiza o receptor, para torná-lo indiferente à própria notícia’.
Mais especificamente com relação aos telejornais, podemos observar o valor da imagem. E da rapidez. Da instantaneidade. Das frases curtas. Do esquecimento. Da falta de reflexão. Não há uma preocupação em se formar uma idéia, formular uma crítica consistente, apresentar pelo menos dois lados de um fato, deixar o telespectador pensar, analisar, concordar ou discordar. Não, a velocidade das imagens, o fundo musical, o cenário, os apresentadores, tudo procura despertar uma emoção, mesmo que breve (até a próxima notícia). Um noticiário como o Jornal da Cultura, veiculado pela emissora paulista, é ‘intragável’, cansativo, chato. Nós estamos acostumados ao fast. Fast food, fast drive, fast news. ‘Almoçamos’ às vezes em pé, mal mastigando um sanduíche. Passaram-se 15 minutos… O que fazer com os outros 45?
Novos senhores
Se há o fator lazer, entretenimento, deveria haver o fator informação, educação. Aquilo que vemos/ouvimos deveria estimular o debate, provocar reações. Mas, muitas vezes, temos assumido uma postura passiva, tal como uma pessoa que vai a uma galeria de arte sem entender ‘bulhufas’ do artista ou da obra. E ainda fazemos ‘cara de conteúdo’…
Mas, não bastasse estarmos consumindo um produto de má qualidade, que nos engorda mas não nos alimenta, este produto cada vez mais tem sido terceirizado. A rede midiática não se dá ao trabalho de produzir, investigar, apurar. A explosão de assessorias de comunicação inunda as redações com press-releases e, muitas vezes, cabe a repórteres, pauteiros, redatores a ‘nobre’ tarefa de diagramar, editar ou simplesmente copiar aquilo que receberam. E aí, quase que por acaso, se compararmos dois ou três jornais, duas ou três revistas, lá estarão os mesmos assuntos (nem sempre de interesse público), com mínimas diferenças.
Temos engordado física e mentalmente cada vez mais. Sentamo-nos à frente das nossas telas mágicas, não nos damos nem ao trabalho de levantar para mudar o canal (viva o controle remoto) e nos tornamos espectadores daquilo que acreditamos ser a realidade. Abrimos nossos jornais e entre um pão com manteiga e um café com leite vemos as imagens de tortura, guerra e sangue, como se fosse um quadro pintado, irreal, distante de nós.
E, como se não fosse com eles, os jornalistas deixam de exercer sua tarefa pública, social, investigativa, abaladora de sistemas corrompidos, e passam a servir aos interesses corporativos, à publicidade, a sua própria sobrevivência em meio a competição da multitarefa e da rapidez. Pior, enquanto isso, um americano degolado comove mais do que dezenas de iraquianos torturados…
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Estudante de Jornalismo