Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Vazamentos, sigilos e privilégios

O Observatório da Imprensa exibido terça-feira (15/07) pela TV Brasil debateu o vazamento de dados sigilosos para os meios de comunicação. Uma semana depois das prisões do banqueiro Daniel Dantas, do especulador Naji Nahas e do ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta pela Operação Satiagraha da Polícia Federal – que investiga crimes financeiros e é um desdobramento das investigações do chamado mensalão – o programa discutiu a validade da divulgação de dados secretos pela imprensa.


A operação colocou a mídia na berlinda. O jornalista César Tralli, da Rede Globo, foi acusado por veículos concorrentes de ter acesso privilegiado à ação da Polícia Federal. A repórter Andréa Michael, da Folha de S.Paulo, teve a prisão pedida pela Polícia Federal sob a acusação de fazer parte de uma organização criminosa e de ter vazado dados sigilosos. Em abril, a jornalista publicara uma reportagem que informava que o órgão investigava Daniel Dantas.


Já o jornal O Estado de S.Paulo publicou na sexta-feira uma conversa telefônica entre um advogado do banqueiro Daniel Dantas e o chefe de gabinete do presidente da República, Gilberto Carvalho. O site Consultor Jurídico publicou na segunda-feira a íntegra do documento sigiloso da Polícia Federal e vários veículos reproduziram o conteúdo.


O deputado federal Osmar Serraglio (PMDB-PR), que foi relator da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Correios, participou do programa por Brasília. A CPI investigou o pagamento de propina a parlamentares, integrantes do governo e representantes de empresas privadas em troca da liberação de favores políticos. O diretor da sucursal de O Estado de S.Paulo no Rio de Janeiro, Marcelo Beraba, participou pelo estúdio do Rio de Janeiro. O convidado de São Paulo foi o jornalista Márcio Chaer, diretor da revista eletrônica Consultor Jurídico.


Mídia na Semana


Dines comentou os assuntos que estiveram em evidência na semana antes do debate ao vivo. O 4º congresso a Associação Brasileira de Agências de Propaganda (ABAP) foi o primeiro assunto da seção ‘A Mídia na Semana’. O objetivo encontro seria impedir a regulamentação da propaganda na TV. Em seguida, Dines falou sobre o relatório final que aponta as causas do desastre com uma aeronave da TAM ocorrido em julho do ano passado. A aeronave chocou-se contra um prédio da mesma empresa logo após o pouso no aeroporto de Congonhas, em São Paulo. ‘Além da TAM, a Infraero e a Anac deverão ir para o banco do réus. O top-top do assessor da presidência além de impróprio foi precipitado’, avaliou o jornalista.


O último assunto da sessão foi a mais recente edição da revista americana New Yorker, que estampou na capa uma charge do provável candidato democrata à Casa Branca vestido com roupas muçulmanas e sua mulher caracterizada como terrorista. Para Dines, a capa foi de ‘mau gosto e irresponsável’.


Mídia ignora a ilegalidade do vazamento


Ainda antes do debate ao vivo, em editorial, Dines criticou a pouca atenção que os meios de comunicação vêm dispensando ao vazamento de documentos sigilosos. A imprensa não questionaria a quebra do segredo de Justiça. A publicação da conversa telefônica entre o advogado do banqueiro Daniel Dantas e o chefe de gabinete do presidente da República teria sido inédita. ‘Jamais divulgou-se uma conversa telefônica num dos mais altos escalões da República. Quem vazou? A Polícia Federal, com toda a certeza. Mas enquanto a imprensa reclama contra a espetacularização das prisões, ela omite-se diante dos vazamentos ilícitos que a beneficiam diretamente’, censurou.


Para Dines, a responsabilidade por um vazamento é do ‘vazador’. No entanto, a imprensa seria cúmplice e beneficiária porque não reclamaria contra a irregularidade: ‘a imprensa é receptadora. E receptação crime’.


A reportagem exibida ouviu a opinião da procuradora regional de Justiça de São Paulo, Ana Lúcia Amaral. Para ela, há uma disputa de interesses. Um grupo da imprensa favoreceria um grupo de político. Na tentativa de impor ou preservar determinado grupo, desqualificaria as instituições públicas.


Para a repórter Andréa Michael houve uma ‘arbitrariedade extrema’. Os autos dos pedidos de prisão e de busca e apreensão não estariam fundamentados. Este último pedido teria como objetivo descobrir a fonte da reportagem, o que contrariaria a Constituição Federal.


Vazamentos na CPI


No debate ao vivo, Dines perguntou ao deputado Osmar Serraglio como agiu em relação ao vazamento de dados sigilosos na época da CPMI dos Correios. O deputado lembrou que em determinados casos houve dificuldade em manter dados em segredo porque alguns parlamentares queriam ter visibilidade na imprensa e tentavam repassar as informações.


Apesar de não ter havido excessos, o relator da CPMI precisou algumas vezes ‘se apressar’ para esclarecer dados repassados para não prejudicar o andamento das investigações.


Sobre a Operação Satiagraha, o deputado afirmou que tanto a busca pela notícia quanto o sigilo da fonte são legítimos, mas que seria preciso critério e bom-senso para lidar com dados sigilosos de interesse público.


Sigilo x interesse público


Márcio Chaer disse que o sigilo de dados serve para proteger a imagem e a honra dos investigados, mas que em casos onde há interesse público é preciso divulgá-los. A transparência serviria para mostrar à sociedade a qualidade dos servidores públicos. Para o jornalista, a imprensa precisa explicar com maior profundidade o objeto da investigação da Polícia Federal e dar menos ênfase a ‘frases soltas’.


Ainda não estariam claros os objetivos da operação. O mais grave não seria o vazamento, mas sobretudo o conteúdo do que foi passado à imprensa. A pressão do mercado por um jornalismo de espetáculo e entretenimento influiria no comportamento da imprensa.


A responsabilidade pelo vazamento de informações secretas para a imprensa, na opinião de Marcelo Beraba, é das autoridades que repassaram os dados. Mas o jornalista não concorda que a imprensa cometa um crime quando os publica. O interesse público deveria prevalecer e a imprensa não poderia se omitir. A divulgação seria legítima. Na opinião de Beraba, esse inquérito seria sintomático dos problemas da sociedade.


Osmar Serraglio ressaltou que os meios de comunicação contribuíram para as investigações da comissão ao levar fatos e nomes ao conhecimento público. A imprensa teria um papel importante, mas às vezes ‘traduziria’ de forma equivocada as informações.


O deputado afirmou que hoje vive-se um estado ‘policialesco’ e comparou a quantidade de grampos ao monitoramento do ‘Big Brother’. Seria preciso refletir se os fatos revelados pelas escutas telefônicas justificariam a exposição da intimidade das cerca de 400 mil pessoas que têm conversas telefônicas grampeadas.


Marcelo Beraba acredita que crimes complexos como os investigados pela Operação Satiagraha são um desafio para a cobertura jornalística. Haveria uma dificuldade em explicar para o grande público o que estaria em jogo em questões que envolvem globalização e monopólios entre outras questões da área econômica.


Perfil dos participantes do programa:


Marcelo Beraba é desde ontem diretor da Sucursal Rio do jornal O Estado de S. Paulo. Trabalhou no Globo, no Jornal do Brasil e na TV Globo. Na Folha de S. Paulo foi secretário de Redação, diretor da Sucursal do Rio e ombudsman. É diretor da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo.


Osmar Serraglio, deputado federal pelo PMDB-PR, cumpre o 3º mandato consecutivo. Advogado e professor universitário, é mestre em Direito do Estado (PUC/SP). É o primeiro-secretário da Câmara dos Deputados (2007/2009). Foi Relator da CPMI dos Correios e da Reforma Tributária na CCJC.


Márcio Chaer, jornalista, é diretor da revista eletrônica Consultor Jurídico. Criou a coluna Leis & Negócios da revista Exame, foi comentarista jurídico da TV Cultura sobre Direitos e Justiça e trabalhou em divesos jornais e revistas, como Veja e Folha de S.Paulo.


***


Operação Satiagraha provoca tsunami na mídia


Alberto Dines # editorial do programa Observatório da Imprensa na TV nº 469, no ar em 15/07/2008


Satiah, verdade, Graha, firmeza, em sânscrito, poderão entrar para a história do Brasil porque de todas as operações da Polícia Federal com enigmáticos nomes, esta, iniciada exatamente há uma semana, converteu-se num verdadeiro tsunami.


A prisão do banqueiro Daniel Dantas deve certamente atrapalhar os planos do governo para a fusão das operadoras de telefonia Oi e Brasil Telecom. Além disso, a operação trouxe de volta as antigas divisões dentro da Polícia Federal e escancarou o confronto entre o bloco formado pelo Ministério Público associado às instâncias inferiores do judiciário e a suprema corte.


Neste bolo de confusões que a imprensa vem explorando ao máximo, há um fato muito grave que não tem merecido a mesma atenção. São os vazamentos de documentos judiciais sigilosos. Beneficiária destes vazamentos irregulares, a imprensa nem sequer discute a violação do segredo de Justiça.


Na última sexta-feira, O Estado de S. Paulo publicou parte do relatório sigiloso que deu início às prisões do grupo ligado ao banqueiro Daniel Dantas. Além de planilhas de doações para duas candidaturas presidenciais, foi transcrito o grampo telefônico de uma conversa de um dos advogados de Daniel Dantas e o chefe de gabinete do presidente da República.


Este é um vazamento inédito, jamais se divulgou uma conversa telefônica em um dos mais altos escalões da República. Quem vazou? A Polícia Federal, com toda a certeza. Mas enquanto a imprensa reclama contra a espetacularização das prisões, ela omite-se diante dos vazamentos ilícitos que a beneficiam diretamente.


Está instalado o vale-tudo: hoje, um site de assunto jurídicos publicou a íntegra do relatório secreto da Polícia Federal e logo inúmeros sites e blogs pescaram as 210 páginas e as reproduziram, mesmo que as investigações não estejam concluídas e os denunciados no relatório ainda não tenham se defendido.


É obvio que a responsabilidade por um vazamento é do vazador, no caso, a PF. Mas se a imprensa não reclama contra a ilicitude dos vazamentos, ela é cúmplice e beneficiária de uma irregularidade. Em outras palavras, a imprensa é receptadora. E receptação é crime.