Esmola, ajudas caritativas, entidades filantrópicas, associações religiosas, organizações internacionais de ajuda, nada disso vai acabar com a pobreza e a miséria no mundo. Não adianta nem muita boa vontade, o problema é econômico social e só uma total transformação nas estruturas sociais, no momento rejeitadas por todos e com risco de degenerarem se aceitas, poderia solucionar a questão da distribuição equitativa das riquezas acumuladas por uns poucos.
“Se os super ricos quisessem salvar o mundo, já o teriam feito há muito tempo!” A frase, que repete um lugar comum sabido por todos nós, é da austríaca-alemã Marlene Engelhorn, numa entrevista à televisão em Viena, ao ser entrevistada sobre sua decisão de distribuir a um grupo de pessoas por ela desconhecidas, cerca de 25 milhões de euros equivalentes a 125 milhões de reais. Ela também não quis ser chamada de rica filantrópica.
Com essa decisão, Marlene se tornou uma figura mediática, com sua história contada e recontada em toda a mídia mundial. É fato raro capaz de mobilizar tanto interesse: era e é uma notícia positiva.
Doar tanto dinheiro é fato raro. Existem pessoas que doam, no testamento, importâncias nem sempre importantes, a entidades e mesmo pessoas. O caso de Marlene é bem diferente: ela, com apenas 32 anos, vem de receber uma herança do avô multimilionário e decide doar todo o total, por achar incorreto receber tanto dinheiro sem nada ter feito para isso merecer. Marlene é descendente de Friedrich Engelhorn, o empreendedor fundador da BASF.
Ela, que é ativista e jornalista de acordo seu curriculum vitae, milita por uma reforma na lei austríaca, capaz de colocar contra ela todas as afortunados do mundo: Marlene Engelhorn quer uma taxação do Estado sobre as heranças dos ricos e multimilionários. Tanto dinheiro, geralmente rendendo juros e sendo reaplicado para novos rendimentos, é para ela, um absurdo. Isso nos lembra que o ministro Haddad enfrentou toda a oposição evangélica e bolsonarista na tentativa de taxar os rendimentos das fortunas brasileiras.
O movimento pelo qual Engelhorn milita é “taxmenow“, do qual ela é mesmo cofundadora. Numa tradução livre poderia ser “quero já um imposto para mim”.
Para Marlene, os mais ricos da população na Áustria possuem quase 50% da riqueza do país e “isso se reflete de maneira negativa na estrutura social, no funcionamento do sistema político e no panorama mediático e chega a ameaçar o funcionamento da democracia pela influência desproporcional de algumas pessoas milionárias”.
Mas nem todos os herdeiros da família Engelhorn têm o mesmo desprendimento de Marlene. Uma boa parte da fortuna da família está na Suíça, onde herdeiros se disputam pela herança de Curt Clover Engelhorn, falecido em 2016, cujo grande negócio foi a venda da Boehringer Mannheim à indústria farmacêutica suíça Roche em 1997.
Nota da redação:
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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.