Na semana passada, mencionei a falta que fazem as aulas de filosofia no ensino médio. Na verdade, não é só no ensino médio que elas fazem falta. A julgar pelo que se vê nas decisões tomadas por profissionais de nível superior de diversas áreas do saber, também na universidade a filosofia e a lógica parecem artigo raro.
Um bom exemplo se vê nos “corretores ortográficos” de certos programas instalados nos computadores. Escrevo este texto no Word e vejo que o tal corretor me “corrigiu” quando, no parágrafo anterior, escrevi “a falta que fazem as aulas…” O geniozinho quer que eu troque “a falta que fazem as aulas” por “as faltas que fazem…” Sem comentário.
Bem, pensando melhor, com comentário (com perdão pela cacofonia de “com comentário”). A coisa já começa mal no nome da tal ferramenta (“corretor ortográfico”). Como se sabe, a ortografia se ocupa da sistematização da grafia, que deve seguir as convenções adotadas. Se houvesse “erro” (não há) em “a falta que fazem as aulas de filosofia” e se o certo fosse “as faltas que fazem as aulas…”, o problema seria de sintaxe, e não de ortografia.
Se o corretor ortográfico quiser ser de fato um corretor ortográfico, deve limitar-se a apontar erros de grafia, ou seja, deve grifar “excessão”, “ascenção”, “hortência” e casos afins. E é só o que o infeliz do programa consegue fazer direito, visto que, se alguém escrever “secretaria” em vez de “secretária”, “esta” em vez de “está”, “saia” em vez de “saía” ou “republica” em vez de “república”, o “corretor” nada dirá, por uma razão bem simples: ele lê mal, ou melhor, não sabe ler mesmo.
Aula de lógica neles!
Quem programa esses programas (com novo perdão, desta vez pela redundância) ainda não conseguiu fazer algo efetivamente bom no que diz respeito a apontar problemas de construção de texto (nexo, concordância, propriedade vocabular etc.). Quer ver outra delícia da informática? Prepare-se. A greve dos correios nos priva do recebimento de diversas contas, cujos emissores querem que nos lasquemos, ou seja, ou pagamos em dia ou pagamos em dia, do contrário…
Pois bem. Entrei no site de uma das empresas que me prestam (des)serviço. Entrei, é claro, para obter a segunda via da conta (a primeira deve estar presa em alguma montanha de correspondência não entregue). Descobri que é preciso cadastrar-se para obter a segunda via. Lá fui eu, fiel cordeirinho. Preenchi isto e aquilo até que… Até que se pedem duas informações que se obtêm numa conta da tal empresa… Belíssima piada, e das brabas!
Como posso ter à mão dados que constam numa conta da empresa se estou pedindo a segunda via de uma conta dessa empresa? Antes que alguém diga que basta pegar uma conta antiga… é melhor parar! Se estou no inferno, não tenho conta antiga comigo (há coisas melhores para levar para o inferno). Se quero pagar a conta atual, como faço, senhores gênios? Penduro-me no e ao telefone, ouço aqueles menus iniciais mais do que idiotas e espero sabe Deus quanto tempo até que alguém se disponha a me fornecer o código de barras, que terei de anotar ? E se estou no exterior? Como faço? Elaiá!
O fato, caro leitor, é que a muita gente pensar dói, mas quando essa gente a quem pensar dói interfere na nossa vida… Aula de lógica neles! Que tal aprender a pensar, por exemplo, em “se isto, então aquilo”? Que tal aprender a prever? É isso.
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[Pasquale Cipro Neto é colunista da Folha de S.Paulo]