O Centro de Informação de Privacidade Eletrônica (Epic) não gostou do novo recurso do Facebook, a “linha do tempo”, informou o portal ZDNET (6/1). Emil Protalinsky, repórter do site, informou que mês passado que a organização “reclamou do Facebook por ter ido longe demais porque começou a desenvolver o redesenho sem consultar os usuários primeiro”.
O Epic enviou carta de quatro páginas em formato PDF ao Comissão Federal de Comércio (FTC, na sigla em inglês), para que o mesmo investigasse se a “linha do tempo” está de acordo com as normas aceitas pelo Facebook em novembro do ano passado, quando a megarrede e o FTC chegaram a um “acordo” sobre privacidade dos usuários. (O FTC é o órgão federal do governo americano que a firma de Zuckerberg cooptou para “auditorias bianuais” até 2032.) Facebook negou tudo e disse que a “linha do tempo” não tem nada a ver com privacidade. Mas não foi apenas o Epic que não gostou: a Associação Americana de Bibliotecas, o Centro para Democracia Digital, o Direito a Privacidade dos Pacientes e a Carta de Direitos dos Estados Unidos também assinaram a queixa, que diz o seguinte:
“O Facebook está a mudar as configurações de privacidade de seus usuários de um modo que agora confere a companhia maiores habilidades para revelar suas informações pessoais que no passado. Com a ‘linha do tempo’, o Facebook toma novamente o controle dos dados dos usuários e agora torna informação que era essencialmente arquivada e inacessível amplamente disponível com o consentimento do usuário.”
Sete dias para editar dados
O repórter entrou em contato com o Facebook, esperançoso das boas intenções da rede social sobre o respeito à privacidade dos usuários. Ele acreditava que a “linha do tempo” não tinha relação com privacidade, “mas poderia estar errado e estava disposto a fazer uma atualização em seu artigo, se tivesse resposta”. Esta só viria depois que o Facebook recebeu a reclamação da Epic, no mesmo dia.
A turma de Palo Alto informou por meio de um porta-voz, que esteve a altura de seu chefe em ousadia e bravata, que seu novo recurso não interfere com a privacidade de nenhum conteúdo:
“Tudo é acessível para as mesmas pessoas que já poderiam ou gostariam de ter visto em suas fontes de notícias (feed de notícias) em algum ponto no passado. Além do mais, a ‘linha do tempo’ oferece um número de novos, mais simples e mais efetivos meios para as pessoas controlarem suas informações, incluindo registro de atividades, a mais compreensiva ferramenta de controle que nós já desenvolvemos. Pensamos que estas inovações são coisas que os advogados da privacidade deveriam estar aplaudindo.”
A “linha do tempo” está disponível desde dezembro de 2011 no mundo todo, anotou o ZDNET. E o usuário incauto que usar este recurso terá sete dias para editar seus dados até que este seja postado. Obrigatoriamente. Depois disso, eles publicam do jeito que estiver. Depois de uma semana, conteúdos que não deveriam estar visíveis ficarão muito mais fáceis de ser acessados, “já que a ‘linha do tempo’ não discrimina em função de datas”.
“Mais perigoso que útil aos usuários”
Em outras palavras, coisas que você escreveu há muito tempo, dados de quando você iniciou sua conta, todas aquelas postagens que você enviou e recebeu agora ficarão totalmente visíveis graficamente para serem compartilhadas pelo público padrão: todo o Facebook. A “linha do tempo” tem a forma de uma grande cena, com várias imagens e retratos que registram sua vida neste mundo través do tempo. O padrão de compartilhamento é este: todos poderão ver os acontecimentos de sua vida em ordem cronológica. Numa única vista.
Não foi isso que foi acordado em novembro de 2011 entre o Facebook e a Comissão Federal de Comércio. O combinado foi a firma de Zuckerberg avisar com antecedência os usuários e obter deles permissão para qualquer compartilhamento que fosse além do que estes estabeleceram para suas contas. Não foi o que aconteceu, na prática. No mesmo dia, o TechCrunch publicou uma nota curta, com algumas diferenças de fontes, mas citando a preocupação do Epic em sua carta. O pequeno artigo aprofundou as suspeitas do ZDNET:
“Antes da ‘linha do tempo’, para alcançar anos de conteúdo era necessário clicar na opção ‘publicações antigas’ (old posts). Donos de perfis não costumam se dar a este trabalho, mas alguém checando seus antecedentes ou tentando difamá-lo o fará.”
Josh Constine, o autor do artigo, não se esqueceu de acrescentar que“a ‘privacidade por obscuridade’ que a Epic disse que o Facebook violou pode ter sido mais perigosa que útil aos usuários”.
Facebook errou e não foi punido
A “linha do tempo” não é obrigatória, ninguém é obrigado a ter uma. Mas fico intrigado com gente que não se importa em relatar em detalhes suas vidas privadas em público. Agora não são mais apenas relatos, mas fotos e outras mídias. O novo recurso pretende apresentar a sua vida, caro usuário, como atração gráfica. Nela você verá pessoas em suas infâncias, adolescências, seus primeiros interesses afetivos, suas formaturas, suas famílias… Tudo vai estar lá.
Não é preciso nenhuma lei para avisar sobre os perigos da “linha do tempo”. Nem todos os usuários do Face são confiáveis. Nem todo perfil é verdadeiro. O Facebook não é nenhum sistema de identificação de um Estado nacional. Você poderá estar se expondo a perigos concretos lá dentro, caso decida colocar sua vida toda ao alcance de olhos predadores. A escolha é sua. O padrão de compartilhamento da “linha do tempo” é público. Ajuste as suas configurações de compartilhamento com cuidado porque o Facebook errou novamente.
Muitos desconfiaram que nada mudaria depois do acordo de novembro do ano passado entre a firma de Zuckerberg e a Comissão Federal de Comércio dos Estados Unidos. E estavam certos: o Facebook simplesmente contornou o órgão federal e continuou a manipular à vontade os dados dos usuários. Errou e não foi punido. Nunca será. Nada vai mudar no que tange ao tratamento e proteção de dados no site até que o perigo da virtualização das relações sociais seja desvendado completamente aos olhos do público. E algo me diz que o Facebook vai ser instrumental nesta mudança.
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[Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor]