Por muito tempo se trabalhou o jornalismo digital como mera transposição do que era produzido no papel. Textos longos, analíticos e sem estruturação adequada para a web eram publicados na íntegra, sem edição ou modificação. Mas seria o leitor do impresso o mesmo que acessava a internet? Tendo conhecimento da sensação de infinitude, quando podemos buscar um conteúdo além do que encontramos, o usuário se limitaria apenas com o que era, então, oferecido?
Mais do que novos hábitos e convergência entre mídias, o digital proporcionou ao jornalismo a chance de criar e reafirmar identidades. Qual o papel do jornalismo na era digital? Levar informação relevante para com o público, diriam alguns. Levar? O jornalismo não “leva” mais conteúdo para o seu público, pois é compartilhado e, por sua vez, encontrado. O consumidor de informação não está em casa esperando pelo garoto de 15 anos jogar sua edição impressa diária, já que vai adquirindo conteúdo conforme o seu dia ordena, na velocidade e na maneira que o contexto exigem.
Hoje, o leitor é móvel, online, palpiteiro, produtor de conteúdo, influenciador, crítico e, principalmente, sabe do seu valor. O leitor sabe que o jornalismo também é um produto de consumo. O jornalismo necessita do leitor, assim como o leitor necessita do jornalismo. É uma via de mão dupla, porém o teto de vidro é muito maior para a imprensa. Como foram noticiar um fato apenas três horas depois do ocorrido? Onde está a produção multimídia? Os bons artigos sucumbiram devido às doses homeopáticas de memes?
Jornalistas-programadores
O jornalismo quer atropelar o jornalismo. Como assim? Ora, o jornalismo que não se encontrou lá na era da transposição agora quer recuperar o tempo perdido buscando exaustivamente cliques, audiência e repercussão, nem que seja na base do sensacionalismo barato ou do entretenimento excessivo. Não, não cabe aqui o conceito de infoentretenimento, quando o conteúdo jornalístico veste uma roupa mais casual. O jornalismo que não se adaptou lá atrás está se enforcando com o gozo eletrizante – e ilusório – de likes e retweets.
Em contrapartida, quem sempre esteve na vanguarda no papel ou na telinha permanece na vanguarda no digital. The New York Times, The Guardian ou a britânica BCC, uma emissora pública de altíssimo nível, contrariando todos os costumes brasileiros, investem em pesquisa, inovação, adaptação e buscam criar novos padrões para o jornalismo em âmbito mundial, já que são pioneiros em diversos setores, como o trabalho com o jornalismo de dados.
No Brasil, portais e jornais se limitam ao infoentretenimento. Não inovam, não criam laboratórios e se perdem no conceito de hacking-jornalismo, quando há a união memorável do jornalismo com a programação de dados. São jornalistas que programam? Não. São programadores que escrevem? Não. São jornalistas-programadores. Um novo padrão de se fazer jornalismo que vemos amadurecer lá fora, mas sem mais repercussões aqui dentro.
Oportunidades únicas
Com isso, podemos observar que a crise de identidade provocada com o digital, como quando afirmaram que a imprensa iria acabar, não foi originada única e exclusivamente pelo ambiente em rede. O jornalismo entrou em crise sozinho, pois não soube enxergar o próprio cenário que narrava. O jornalismo está inserido em um contexto tão complexo e completo que muitas vezes temos a sensação que o renega.
As oportunidades oferecidas pelo digital são únicas, seja para usuários ou empresas de comunicação. O conteúdo instantâneo, a colaboração do público, a apuração de dados que refletem em informações jornalísticas, as técnicas de SEO que melhoram o alcance de uma notícia, o móvel que veio para tornar a todos, de uma vez por todas, totalmente e permanentemente conectados. O jornalismo digital está no meio dessa evolução. O jornalismo digital faz parte de toda essa evolução. O jornalismo digital também é essa evolução.
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[Cleyton Carlos Torres é jornalista, pós-graduado em assessoria de imprensa, gestão da comunicação e marketing e pós-graduado em política e sociedade no Brasil contemporâneo]