Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A comunicação e a experiência das redes sociais

Ciro Marcondes Filho, em seu livro Afinal, até que ponto de fato nos comunicamos? (Editora Paulus, 2004), nos instiga a pensar sobre a impossibilidade da comunicação. O mesmo autor, que afirma ser a comunicação um enigma, fala sobre o que classifica como os equívocos dos estudiosos do Colégio Invisível (grupo de estudiosos que se reuniu em torno do pesquisador Gregory Bateson) e dos estruturalistas sobre a comunicação. Os primeiros afirmam que “tudo comunica” e que basta estar vivo para comunicar. Já os segundos estão centrados no que está sendo comunicado versus o que não está sendo comunicado.

O autor questiona se, na visão daqueles dois grupos, não se estaria confundindo a simples transmissão obrigatória de sinais, um mero existir, com comunicação. E afirma que Gregório, na Metamorfose de Kafka, não morreu porque se transformou em uma barata; ele morreu porque perdeu a capacidade de comunicar-se com sua família e seus amigos. É natural que o ser humano precise se fazer ver para comprovar sua presença no mundo e é por meio da comunicação que essa experiência no mundo é validada. A consciência (de que fala Hegel) só existe na medida em que é reconhecida pela outra.

Na atualidade, muito se fala sobre as novas formas de comunicar, os novos meios, as quedas de fronteiras, as mudanças no estatuto da percepção do mundo e as novas possibilidades de produção de conhecimento. Tudo o que há, e principalmente, o que há no mundo virtual, é tratado como comunicação, ou pelo menos assim entendem os que acreditam ser a internet a maior e melhor possibilidade de comunicação que já se viu e de ser a web a grande seara na qual se estabelecem relações, formam-se vínculos e criam-se novos espaços e tempos.

Uma sensação de pertencimento

A ideia de que todos estejam conectados, de que a comunicação seja uma variável absoluta e de que não haja fronteiras no mundo é tentadora. Formam-se comunidades virtuais, as mais diversas, e é possível participar de muitas, seja por afinidade ou pela crença de que a simples participação será capaz de um transporte a outro mundo, de um reconhecimento, de uma comunicabilidade instantânea e permanente. Talvez, pudéssemos questionar se as redes sociais seriam capazes de possibilitar o reconhecimento ao qual Hegel se refere. Ou, ainda, se estariam seus membros fadados à experiência, ao “estar presente” e nunca ao compartilhamento ou à comunicação.

Uma experiência realizada em setembro de 2011 com alunos do curso de Jornalismo da Universidade Vila Velha (UVV) despertou para a necessidade de refletir sobre os processos comunicacionais proporcionados pelas redes sociais, mais especificamente pelo, Facebook, e sobre qual seria sua capacidade de contribuir para a aproximação das pessoas e para a formação de comunidades. A experiência – a que demos o nome de “A vida sem rede” – nos apontou para a impossibilidade de reduzirmos essa discussão a um simples exercício de prós e contras e nos levou ao reconhecimento da inevitabilidade da interferência das redes sociais na formação dos jovens, uma vez que elas (as redes sociais e as comunidades virtuais) fazem parte da sua estratégia de pertencimento aos grupos nos quais estão inseridos.

Tudo começou quando uma aluna lançou a pergunta que, segundo ela, circulava no Facebook: você trocaria o resto de sua vida sem acesso às redes sociais por um milhão de reais? A pergunta causou alvoroço entre os alunos e vários deles afirmaram que isso seria impossível. O motivo? Ficar fora das redes sociais seria o mesmo que um exílio voluntário, um isolamento, uma solidão. Para aquele grupo de alunos, a participação nas redes sociais representa a possibilidade de comunicação, no sentido de trocar informações, de ver e se fazer ver. Um simples existir na rede parece ser suficiente para que haja essa sensação de pertencimento.

“O computador é uma extensão de mim”

Decidimos propor o desafio de que ficassem não o resto da vida, mas uma semana sem acesso às redes sociais e à internet – o que incluiu e-mails, vídeos e portais de notícias. Posteriormente, os quatro alunos que aceitaram o desafio relataram o que fizeram naquela semana e o que sentiram diante da impossibilidade de acessarem o Facebook e encontrarem os amigos. A pergunta que orientou a conversa posterior ao desafio foi se a rede liberta ou aprisiona, pois todos acreditavam que estar na rede e compartilhar informações com os amigos era uma forma de liberdade, uma vez que as possibilidades são ilimitadas e não há limites físicos ou temporais.

Ao final do desafio, foi surpreendente ouvir dos quatro que a rede aprisiona, pois os condiciona a uma experiência da qual não podem se libertar sob pena de ficarem isolados e excluídos do mundo ao qual pertencem e que, agora, não tem sentido existir senão mediado pelo computador. Em maior ou menor grau, os três participantes do desafio disseram ter feito coisas que não faziam normalmente, como passar mais tempo conversando com os pais na hora do almoço, caminhar na praia, falar ao telefone com os amigos, ler, assistir ao noticiário da TV.

A sensação de exclusão relatada pelos participantes do desafio e a angústia de não poderem se comunicar nos lembrou a experiência do personagem Gregório. “O computador é uma extensão de mim. Sem ele, me sinto desamparada, mutilada”, disse uma aluna ao se referir ao que sentiu na semana em que ficou longe do seu laptop. Assim como Gregório morreu ao perder sua capacidade de comunicar-se com a família, os alunos manifestaram a sensação da não-existência, do isolamento e da impossibilidade de comunicar-se com os outros.

Delírio travestido de comunicação

A experiência que chamamos de “Vida sem rede” não teve o caráter de uma pesquisa acadêmica. Ela se configurou em uma importante possibilidade de reflexão sobre o uso das redes sociais e os sentidos que eles despertam nos jovens estudantes de Jornalismo. Diante das afirmações dos alunos de que a rede lhes permite estarem ligados em tudo o que acontece, poderíamos supor que eles são mais informados e estão mais preparados para desenvolver atividades pessoais e profissionais. Mas, ao contrário, parece que a experiência de estarem na rede e de fazerem parte, tendo como consequência o reconhecimento – é o que motiva passar tantas horas conectados.

Expediente comum nos grupos é o clique no botão “curtir”, o que não significa que o conteúdo postado foi lido ou assistido. A impressão que se tem é que essa prática se assemelha a um ritual, que se faz simplesmente para que algo seja feito naquele tempo que passa muito rápido. E são necessários muitos cliques para que haja a percepção dos outros da presença. Quando questionados sobre o que buscam nas redes sociais e na internet, não houve respostas pontuais. Há, em princípio, um navegar a esmo, uma espera pelo que o outro irá dizer ou postar, uma necessidade de estar ali o tempo todo, pois alguém pode precisar ou querer falar e se não estiver online não haverá essa possibilidade.

Para Marcondes Filho, discutir a internet e o que virá depois dela “Torna-se uma questão que envolve não exatamente uma vitória ou derrota de posições, mas, antes, uma tomada de consciência das reais implicações do uso desse sistema técnico e o que ele nos preparará posteriormente”. Interessa-nos, então, ao levantar questões e propor esta reflexão, o que está além do uso das técnicas e dos instrumentos, uma vez que o que se processa por meio do uso das redes sociais pode ser capaz de mudar o estatuto da percepção do mundo.

A experiência da “vida sem rede” – que se resumiu a apenas sete dias – e o convívio com estudantes e profissionais da comunicação nos levam a pensar na própria formação destes indivíduos, mediada não apenas pelos meios tradicionais mas conformada a um novo modelo de socialização. A sociedade contemporânea, regida pela midiatização e pela tendência à virtualização das relações, nos aponta para a desatenção que educadores e comunicadores (especialmente jornalistas) para os desdobramentos que virão dessas formas de socialização e (in)comunicação. Parece haver nas redes não uma busca por comunicar-se no sentido de compartilhar ou tornar comum, mas uma busca frenética pelo novo, por algo que seja motivador. O mesmo Ciro Marcondes nos diz que a internet materializa a lógica da nova sociedade e que já não vivemos mais o fenômeno da comunicação, mas o delírio técnico travestido de comunicação.

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[Marcilene Forechi é jornalista, mestre em Educação e professora da Universidade Vila Velha (UVV)]