Maior oferta inicial de ações de uma empresa de tecnologia de todos os tempos, o IPO do Facebook acabou sendo um pesadelo para a gigantesca rede social, para os bancos envolvidos no processo, para a Nasdaq (bolsa de valores eletrônica), para investidores e para outras companhias do Vale do Silício que ainda pretendiam abrir o capital neste ano.
Ninguém esperava que a Nasdaq conduzisse tão mal o IPO. Tampouco que bancos como o Morgan Stanley fossem acusados de disseminar informações privilegiadas. Nem que as ações despencassem em sua primeira semana de negociações. Agora, enquanto a poeira abaixa, quatro perguntas têm sido levantadas tanto em Nova York como na Califórnia.
Primeiro, como ficará a imagem da Nasdaq para futuros lançamentos de ações. A Bolsa de Valores de Nova York já começou a se aproveitar do fracasso do rival no episódio do Facebook para tentar convencer outras empresas de tecnologia a abrirem seu capital nessa tradicional instituição de Wall Street. E a segunda pergunta é justamente quantas destas startups estão dispostas a fazer IPO neste momento, depois de até o celebrado Facebook ter fracassado.
A Corsair, fabricante de componentes para videogames, foi a primeira a suspender o lançamento de ações no mercado. Alguns analistas, como Paul Sloan, da Cnet, acreditam que outras seguirão o mesmo rumo. Já Marc Ferran, articulista da PC World, afirma que “não podemos descartar novos IPOs quando o cenário econômico melhorar”, acrescentando que o Facebook é um caso a parte. Nos últimos 12 meses, 173 empresas abriram capital nos EUA, sendo 37 delas da área de tecnologia.
A terceira pergunta é sobre o motivo de o IPO do Facebook ter sido um fiasco. Ao longo das semanas que antecederam a abertura de capital, houve euforia de um lado e ceticismo de outro. Ainda assim, quase ninguém previu que as ações fossem se desvalorizar tanto em seus primeiros pregões, especialmente depois de o preço de referência ter sido colocado em seu ponto máximo de US$ 38 em 17 de maio (mais de US$ 100 bilhões de valor de mercado) – uma semana depois, os papéis eram negociados a US$ 31,92.
Tudo começou quando, há cerca de um mês, o CEO Mark Zuckerberg anunciou a compra do Instagram, um aplicativo de fotos com apenas 13 funcionários e nenhuma receita, por US$ 1 bilhão. A compra deixou claro que Zuckerberg estava assustado com o atraso na penetração do Facebook nos celulares. O Instagram e outras redes sociais começaram a se tornar rivais.
Na avaliação de Steve Rosenbush, do Wall Street Journal, o Facebook cometeu dois erros. “Primeiro, a as receitas e os lucros crescem menos do que o esperado porque a empresa não investiu em sua infraestrutura tão rapidamente quanto precisava. Em segundo lugar, a estratégia se baseou na tecnologia, não nos negócios. Ficaram esperando pela chegada do HTML5, que eliminará a necessidade de criar aplicativos separados para plataformas diferentes, como a da Apple (iOS) e a do Android (Google). Em retrospecto, a companhia deveria responder imediatamente às demandas do mercado e se preocupar com a tecnologia mais eficiente para daqui a dois ou três anos”, afirma.
Às vésperas do IPO, o próprio Facebook admitiu em seus documentos enviados à Securities and Exchange Comission (SEC, equivalente à Comissão de Valores Mobiliários) que enfrentava dificuldades para conseguir receitas por meio de seus aplicativos para celulares. Essa admissão, mais a decisão da General Motors de suspender os anúncios no site por falta de retorno, foram um revés para a empresa.
Havia ainda questionamentos sobre o valor de mercado do Facebook ser cerca de cem vezes maior que suas receitas, enquanto em empresas consolidadas no mercado, como a Apple e o Google, esse número é de 14 e 19 vezes, respectivamente.
Para completar, praticamente na véspera do lançamento das ações, alguns acionistas do Facebook decidiram elevar a quantidade de seus papéis à venda, aumentando a oferta em relação à demanda.
No dia da abertura dos negócios, a Nasdaq enfrentou problemas em seu software, afetando as transações. Algumas pessoas, mesmo na última semana, ainda não haviam tido suas ordens de compra e venda executadas, provocando perdas milionárias. Reportagem da agência de notícias Reuters ainda afirmou que bancos envolvidos no IPO teriam dado informações privilegiadas a seus clientes sobre uma redução nas suas estimativas de crescimento do Facebook.
Agora, o debate passou a ser sobre o futuro da rede social no mercado financeiro. A primeira semana de negociações nem sempre determina como os papéis se comportarão ao longo dos próximos meses e anos. IPOs como o do Groupon foram um sucesso, mas a empresa se desvalorizou em seguida. A Amazon, que começou mal, hoje é uma das estrelas da Bolsa de Valores.
Espen Robak, um dos maiores especialistas em IPO dos Estados Unidos e presidente da Pluris Valuation Advisors, afirmou no site da The Atlantic que “ninguém sabe qual será o modelo de receitas e lucros do Facebook”. “Se permanecer o mesmo, o valor de mercado atual (mesmo com a desvalorização das ações) não faz sentido. Eles precisam mudar. Mas todas essas informações que o Facebook possui sobre a gente terão algum valor um dia. O Google pode cobrar caro agora por seus anúncios porque conhece nossas buscas. O Facebook pode usar tudo o que escrevemos e transformar em um algoritmo sobre o que pretendemos comprar.”
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[Gustavo Chacra, correspondente do Estado de S.Paulo em Nova York]