Passei a segunda-feira no parque. O céu estava limpo em São Paulo. Sossego completo, mas o celular estava no bolso. Os dedos coçaram para postar uma foto no Instagram, consequentemente no Facebook e ter a receptividade instantânea daquilo que estava acontecendo comigo sozinha naquele momento. Postei. O que é essa força estranha?
“As redes sociais expandem nossa capacidade de fazer conexões e, portanto, de ocupar a própria mente”, diz o sociólogo Gilson Schwartz. “Depois da imprensa, foi a maior transformação em nossa maneira de entender e se fazer entendido, visualizar e se tornar visível. É uma transformação radical não só sobre a situação do corpo no mundo, mas sobre a relação entre pensamento, cultura, educação, capacidade de processamento.”
O parque estava cheio de desconhecidos, sem nenhuma relação comigo. Abro o celular e resolvo ver o que estava sendo postado ali por outras pessoas. Fotos de bebês. Cães. Amigos ao sol. Em minutos descubro pessoas, seus amigos, namorados e parentes. Elas estão ao meu redor, mas também entregam suas vidas a outro ambiente e para desconhecidos. Assumem a vida virtual e passam a construir outra existência sem se dar conta de que há alguém as observando.
Callum Haywood é um programador britânico de 18 anos que percebeu, por acaso, a face mais delicada dessa nova realidade. Ele mexia com a Graph API do Facebook, que “puxa” posts públicos e é utilizada massivamente para a criação de aplicativos, quando viu mensagens constrangedoras. “Havia vários posts que na verdade deveriam ser privados”, explicou Callum ao Link.
A descoberta de Callum virou o We Know What You’re Doing, site que lista declarações comprometedores – e públicas – postadas no Facebook. Há posts sobre bebedeiras, uso de drogas e pessoas falando mal do chefe. Tudo com foto, localização e os “likes” dos amigos. No Brasil as pessoas são igualmente descuidadas. Jair B., por exemplo, postou no Facebook pelo seu celular Android: “Indo para o trabalho com ressaca de novo”. Duas pessoas curtiram. O post é público e pode ser acessado por qualquer aplicativo ligado ao Facebook – ou qualquer um que tenha acesso à API, que também é pública.
O Facebook está no centro destas preocupações. A rede social tem quase um bilhão de usuários em todo o mundo, e é uma plataforma aberta interessante, viciante e rentável. Toda a informação despejada pelos milhões de usuários é convertida em um negócio que não para de crescer: a publicidade segmentada.
O modelo tem críticos. O programador Dalton Caldwell trabalhou em projetos que vão do SourceForge, primeiro repositório online de códigos, ao PicPlz, app de fotografias para Android e reclama de uma “monocultura sustentada por publicidade”. “Como consumidores, nos são dadas as opções de Facebook, Twitter e Google Plus, além de algumas startups. Todos eles estão no mesmo negócio: vender seus cliques a anunciantes.” E ele se pergunta: “Será que é possível pagar por uma rede social sem anúncios em que o produto é algo pelo qual você paga, e não você mesmo?”.
Foi assim que Caldwell começou a trabalhar na App.net, rede sem anúncios que terá feeds em tempo real e APIs para desenvolvedores voltada para a plataforma iOS. Para a fase inicial do projeto, ele pede US$ 500 mil em seu site. Já conseguiu 1,2 mil apoiadores, que doaram US$ 89 mil – mas o prazo para doações se encerra no dia 13 de agosto.
“Tenho a consciência de que posso fracassar pois acredito de verdade neste projeto”, escreveu.
Apego
E não são poucos insatisfeitos. O Índice de Satisfação do Consumidor Americano (ACSI, na sigla em inglês) revelou que o Facebook tem apenas 61% de aprovação entre os usuários. “O que a ACSI está realmente nos dizendo é que o Facebook é um vício que odiamos, mas do qual não conseguimos nos livrar”, escreveu a jornalista Alexandra Cahng na revista Wired.
E por que não conseguimos nos livrar? Porque quase todos estão nelas – 87% das empresas usam pelo menos uma rede social, segundo uma pesquisa da Burson-Marsteller. No Brasil, 99% das mulheres entre 45 e 54 anos que usam a internet estão em redes sociais. Quase todos os brasileiros conectados (92%), de todas as idades, usam redes sociais em casa ou no trabalho. “É um dos índices mais altos do mundo em termos de alcance”, diz Alex Banks, diretor da Comscore na América Latina.
Nos países desenvolvidos há uma ligeira queda no uso do Facebook, mas não por insatisfação. O fenômeno agora é a migração para o acesso via celular. Segundo Banks, nos EUA e no Reino Unido, por exemplo, cerca de 10% dos acessos ao Facebook são feitos por dispositivos móveis. Isso se reflete nos acessos via computador, que caem – mas as pessoas seguem conectadas. O tempo todo. Em todos os lugares. No Brasil hoje cerca de 2% dos acessos são feitos via celular ou tablet. O número é baixo, mas era menor há um ano: 0,6%. A mudança já pode ser sentida nas capitais do País, devido à internet móvel.
Fluidez
O mundo caminha rumo à eliminação entre online e offline. Com isso, o mundo é que ganha uma camada social permanente. Pode parecer futurismo exagerado, mas o que já existe parte do princípio que, agora, pouco importa se você está ou não no computador. A sua própria existência já produz informação e você ocupa simultaneamente um espaço no mundo real e outro no virtual.
Um tênis da Nike conectado ao iPod manda dados sobre uma corrida para um site que cria estatísticas, e as conquistas são publicadas no Facebook e comentadas pelos amigos. Tudo conectado, sem que se precise intervir.
O app Highlight mostra as pessoas que estão conectadas ao seu redor que têm os mesmos gostos que você. O Place.me faz check-ins automáticos por onde você passa. O Sonar diz se algum contato seu do Twitter, Facebook ou Foursquare está por perto. São startups que conseguiram financiamentos milionários. O próprio Facebook lançou sem alarde seu “Find Friends Nearby”, para encontrar amigos que estão por perto, mas removeu a funcionalidade depois que a notícia apareceu em blogs de tecnologia.
O fundador do Mashable, Pete Cashmore, chama isso de “rede social do ambiente”. E o problema disso, para ele, é óbvio: privacidade. Mais uma vez. “Essa nova geração de apps transmite a sua localização o tempo todo aos amigos – e em alguns casos para pessoas que você nem conhece”, escreveu ele no site da CNN.
Se Pete Cashmore fica assustado, dois outros colunistas relevantes de tecnologia animam-se. Robert Scoble, famoso blogueiro de tecnologia, e Shel Israel, da revista Forbes, apostam tanto na tendência que estão escrevendo um livro sobre o tema, que será lançado em 2013. Em The Age of Context (A Era do Contexto em tradução livre, título ainda provisório), os dois falam de um “novo mundo automático”. São televisores que sugerem o que assistir, apps que apresentam contatos, ferramentas que prestam serviços a partir da localização que os usuários – e seus aparelhos – dão a elas. “Abordaremos os medos desse novo mundo e explicaremos por que os usuários acabarão fornecendo sua informação mais privada”, escrevem.
A questão imediata, porém, pode ser definida em uma palavra: consciência. “No passado, ter controle sobre seu próprio destino era tema de uma discussão filosófica enorme. Imagine agora em que parte do seu ser não está presente na matéria. É um ser digitalizado em movimento. Você não é um bit na memória de um HD”, filosofa Schwartz.
Ele aposta em uma forma de vida automatizada que tem um impacto no cotidiano. “A relação entre as pessoas é mediada por uma relação entre máquinas. Há uma necessidade maior de consciência do seu corpo e da relação com outras pessoas. Se você não tem a consciência que tem uma existência virtual, fica complicado ter controle sobre a sua própria vida.”
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[Tatiana de Mello Dias, do Estado de S.Paulo]