A guerra mundial de patentes ganhou um round decisivo com a disputa entre Apple e Samsung. O pano de fundo é o mercado de smartphones. Essas disputas na indústria de alta tecnologia são um recurso já comum, adotado por empresas na ânsia de frear o desenvolvimento das concorrentes, para manter e ampliar o mercado (veja aquio mapa de algumas dessas batalhas). A estimativa é que este ano a venda desses aparelhos chegue a US$ 45,9 bilhões, segundo a Infonetics Research.
– Esse é um fenômeno bem usual na área de tecnologia da informação, que é muito competitiva e envolve faturamentos bilionários. Mas o excesso de ações judiciais, como nessa luta entre entre Apple e Samsung, pode acabar prejudicando o avanço tecnológico em smartphones – diz Julio Cesar Moreira, diretor de patentes do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
Com suas patentes ameaçadas, em novembro de 2010, a Apple sugeriu à Samsung que pagasse pela licença de algumas de suas patentes. Na ocasião, a Samsung não quis pagar. Ao longo do ano, a Apple teria procurado a concorrente outras quatro vezes para negociar uma saída, sem sucesso.
Diante da relutância da Samsung, cinco meses depois, foi deflagrada a guerra, em abril de 2011. Após já ter processado outros fabricantes de fones Android, a Apple entrou com ação contra a Samsung, seu maior fornecedor de SSDs (equipamento para armazenar dados), DRAMs (chip de memória) e de processadores A4 e A5, que são o cérebro do iPhone e do iPad. A Samsung respondeu processando a Apple pela violação de dez patentes.
Em agosto, a Apple conseguiu sustar as vendas da Samsung na Alemanha e na Holanda, país onde, dois meses depois, a proibição foi revogada. Em outubro, a Apple barrou vendas do Galaxy Tab 10.1 da Samsung na Austrália. A sul-coreana reagiu alterando detalhes de seu tablet, requerendo exames em produtos da Apple (como o iPhone 4S) e chamando para depor engenheiros da rival responsáveis pelo iPhone.
Em dezembro do ano passado, a própria Apple deu opções à rival para não usar patentes referentes ao iPhone e ao iPad. No mesmo mês, o tablet da Samsung voltou a ser vendido na Austrália. E a disputa prosseguiu acirrada entre as duas empresas este ano, especialmente em Europa e Austrália.
Provas excluídas na imprensa
Em abril de 2012, surgiram rumores de que um acordo seria possível. Tim Cook, diretor-executivo da Apple, disse “preferir fortemente um consenso” e foi marcada uma mediação para o mês seguinte. Só que, no início de maio, o juiz Paul Grewal, num gesto raro, excluiu provas que a Samsung usaria para se defender da Apple.
O julgamento foi marcado para julho, mas ainda em maio a Apple acusou a Samsung de destruir provas. No dia 22 daquele mês ficou claro que a mediação entre as concorrentes não daria certo. Em junho, a Apple tentou barrar vendas nos EUA do novo smartphone da rival, o Galaxy S III. Não conseguiu. Mas teve sucesso em sustar temporariamente as vendas do celular inteligente Galaxy Nexus no país.
Em julho, um juiz britânico disse que a Samsung não teria copiado o tablet da Apple porque o aparelho da sul-coreana não seria tão “cool” quanto o iPad, declaração que causou boas risadas no mundo tecnológico. No mesmo mês, a juíza Lucy Koh proibiu que constasse nos autos o comentário de Steve Jobs de que moveria uma “guerra termonuclear” contra o Android. Neste ponto da batalha, as duas empresas já estavam guerreando em mais de 50 processos em dez países (vide <bit.ly/dm_paten>).
No fim de julho, os jurados foram escolhidos e no último dia do mês teve início o tão esperado julgamento na corte de San José, na Califórnia, local a poucos minutos de carro da sede da Apple, em Cupertino. Logo de início, a Samsung divulgou para a imprensa as provas excluídas pela juíza Lucy Koh, o que a deixou furiosa. Nos dias que se seguiram, mais de 40 protótipos de iPhone e iPad foram revelados nos autos. O julgamento ainda deve durar semanas.
A Apple não está brigando só com a Samsung. A empresa tem disputas judiciais também com HTC, Kodak, Motorola Mobility (atualmente em processo de aquisição pelo Google), S3 Graphics (recentemente comprada pela HTC) e Via – veja aquio esquema (em inglês).
Rodney Alves, advogado licenciado nos EUA e no Brasil e há nove anos sediado em Los Angeles, explica que disputas assim acontecem muito no Vale do Silício. A importância dessa contenda em especial é o impacto que terá no mercado de tecnologia móvel.
Inspiração ou cópia?
Segundo o especialista, a juíza encarregada do caso, Lucy Koh, para simplificar o ritual, decidiu juntar duas contendas num só processo. Na primeira delas, a Apple acusa a Samsung de copiar o design do iPhone. Nesse tópico, a Apple pede ressarcimento de US$ 2,525 bilhões. Se os jurados considerarem que houve má-fé, o valor pode até triplicar.
Na segunda disputa, a Samsung alega que a Apple tem que pagar royalties pelo uso de tecnologias da sul-coreana, como formas de armazenar e tocar áudio digital, maneiras de transmitir múltiplos serviços por meio de uma rede sem fio e integração do navegador web ao telefone.
A Samsung pleiteia que a Apple pague royalties correspondentes a 5% do valor de cada iPhone. A Apple propõe pagar 5% sobre o valor do hardware, que é bem menor.
O ponto chave do embate Apple-Samsung continua sendo como distinguir o que é copiar do que é se inspirar.
– Quais as diferenças tecnológicas entre um carro da GM e outro da Ford? E nem por isso dizemos que uma copiou a outra. Ou seja, sempre existirá uma área cinzenta.– explica Rodney Alves.
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[Carlos Alberto Teixeira e Fernanda Conde Novaes, de O Globo]