Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Livre expressão

Se, há 20 anos, alguém fizesse imagens de peitos, coxas ou traseiros de mulheres e as publicasse, cairia em ostracismo e provavelmente seria preso, alvo de um processo legal. Mas não em nossa brava nova era da internet.

Não, alguém com o apelido “Violentacrez” estava postando fotos como essas – ao lado de imagens de atos violentos, links para histórias sobre a morte de adolescentes e fotos sugestivas de meninas – na rede social Reddit. Mas quando o site de fofocas Gawker revelou que “Violentacrez” era um homem chamado Michael Brutsch, algo estranho aconteceu. Pessoas correram em sua defesa, argumentando que ao revelar a identidade de Brutch, Gawker violou o seu direito à livre expressão.

Enquanto isso, uma menina canadense de 15 anos suicidou-se após sofrer bullying pelo Facebook e ser seguida virtualmente por um homem que postou fotos suas provocantes na internet. Não há dúvida de que aqueles que defendem o direito de livre expressão de Brutsch argumentarão que os responsáveis por levar Amanda Todd à morte também estavam exercitando seus direitos à livre expressão.

Crimes sexuais

Por que tal comportamento, se houvesse acontecido na era pré-internet, teria certamente sido punido, mas agora está sendo protegido pela Primeira Emenda, que garante a liberdade de expressão? A resposta é que o comportamento sociopata está acontecendo na internet, e a internet é considerada um espaço sagrado da expressão. Qualquer coisa que você faça na internet, não importa quão desprezível, deve ser protegida para que, assim, a própria internet esteja segura. O meio é a mensagem, diz o escrito famoso de Marshall McLuhan. Bem, agora a mensagem tornou-se irrelevante. O meio é o que importa.

O que é ainda mais bizarro no incidente envolvendo Michael Brutsch é que Gawker foi um pioneiro da calúnia virtual, da difamação e da humilhação, tudo em nome do acúmulo de “cliques” e “page views”. Agora, o site se assumiu como uma espécie de polícia virtual. E tudo em nome do acúmulo de “cliques” e “page views”.

Por trás de toda grande fortuna está um grande crime, escreveu Balzac. O mais enlouquecedor sobre feitos nefastos na internet que se escondem atrás da sublime retórica sobre a liberdade de expressão é que o ethos dominante e a razão de ser da internet são uma só: fazer dinheiro. Por trás da lenta expansão de riqueza de algumas entidades e pessoas está o grande crime da invasão de privacidade, da destruição pessoal, da malícia e malevolência.

E, ainda assim, algumas das mesmas pessoas que ficam apopléticas quando ouvem Romney mentir sobre políticas econômicas durante seus lustrosos exercícios retóricos correm para ajudar empreendedores da internet quando eles defendem os “direitos” de canalhas e sociopatas por trás de retóricas lustrosas e sorrisos deslumbrantes. Quando um novo aplicativo de paquera chamado Skout levou a três estupros de crianças por adultos, a imprensa publicou o arrependimento bastante público de seus donos e a decisão repentina de que baniriam menores de idade no site. Mas quando, semanas depois, Skout silenciosamente voltou a aceitar menores como membros – com novas “salvaguardas”, disse a companhia –, ninguém publicou nada a respeito.

Excesso de visibilidade

A internet ainda está engatinhando e, como na infância de qualquer novo pacto social, cultural e econômico, a tensão no coração da internet acaba caindo em uma simples divisão maniqueísta. Assim como foi com o bruto choque entre capital e trabalho, há a Má internet e a Boa internet.

A Má internet é a oportunidade incrível de magnificação para todos os aspectos feios do comportamento humano a partir de uma nova tecnologia. Nunca foi tão fácil para uma pessoa machucar outra, basta um clique no mouse. A natureza humana não muda; a tecnologia amplifica alguns de seus aspectos e diminui outros. Em nosso tempo, a internet deu às pessoas mais desagradáveis a visibilidade e o alcance de um profeta.

A Boa internet, por outro lado, me parece meramente a evolução de antigas formas de cultura. O jornal, o livro, a sensibilidade literária, a sensibilidade ultrajada: o poeta, o acadêmico, o provocador virtuoso agora têm a tecnologia com a qual lutar contra a tecnologia do mentiroso, do maldoso, do predador. Até que o vulnerável indivíduo e as forças econômicas que guiam a rede cheguem a um equilíbrio humano, a situação vai piorar muito. Haverá algo como um lento Armageddon cibernético. E então, voilá! A sanidade e um senso de proporção serão devolvidos à internet. As pessoas se darão conta de que a Primeira Emenda, entre outras coisas, não protege manifestações anônimas.

Até lá, preparem-se. Estava prevista para o fim da semana passada uma aparição de Michael Brutsch na CNN para falar de si próprio! Você já sabe o que acontece em seguida: fama, excesso de visibilidade, um público entediado, pobreza, obscuridade e depressão. Talvez tudo isso leve “Violentacrez” a acabar com a própria vida com um tiro na cabeça. Se um evento como esse de fato acontecer, espero, pelo bem de sua família, que ninguém esteja por perto para fazer fotos.

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[Lee Siegel é colunista do Estado de S.Paulo]