A abundância de empreendedores e investidores no mercado de internet brasileiro intriga o argentino Marcos Galperin, fundador e presidente do Mercado Livre, maior site de comércio eletrônico da América Latina em número de acessos. “Parece-me que há um excesso de projetos. Qualquer americano ou europeu que teve uma namorada brasileira quer abrir uma startup”, comenta ele, em entrevista na sede da companhia, em Buenos Aires.
Não se pode acusar Galperin de pessimista. Em 1999, ele enfrentou o ceticismo de colegas e do mercado para criar o site. “Nove em cada dez me chamaram de louco.” Também não desistiu durante a bolha da internet, que devastou o mercado em 2000. Mas, depois de 13 anos no Brasil, ele se diz consciente das dificuldades que o país oferece para quem empreende nessa área. “O Brasil é um mercado muito grande, com logística e impostos complexos”, diz.
Hoje, sua empresa é quase brasileira: cerca de 50% da receita, de US$ 300 milhões em 2011, vem do país. Por isso, Galperin escolheu São Paulo para sediar hoje a primeira conferência brasileira para desenvolvedores. Os criadores de aplicativos e softwares poderão desenvolver programas para a plataforma tecnológica do site, que será aberta a partir deste mês. A rede social Facebook e alguns serviços do Google, por exemplo, têm plataformas abertas há anos.
Leia os principais trechos da entrevista.
“O Brasil leva vantagem dentro dos Brics”
Quais são as diferenças entre desafios enfrentados por um empreendedor da internet hoje e em 1999?
Marcos Galperin – No começo, era a sobrevivência. Desde o início, tivemos que provar o conceito do negócio, provar que as pessoas usariam a internet para comprar e vender. Depois, tivemos que provar que esse conceito podia ser rentável: que os vendedores aceitariam nos pagar uma comissão -grande o suficiente para cobrir nossos custos. Hoje, somos uma empresa velha para os padrões da internet. Isso é bom por um lado, mas também traz riscos, porque essa é uma indústria muito dinâmica. Nosso desafio agora é estar disposto a canibalizar a nós mesmos, no sentido de arriscar, de criar produtos. Parte da decisão de abrir a plataforma tem a ver com isso. Não podemos solucionar tudo sozinhos.
O mercado brasileiro assiste a um boom de startups e investidores. O movimento é sustentável?
M.G. – No mercado de internet, o Brasil leva vantagem dentro dos Brics, pois tem um ambiente seguro, sem interferência do governo e democrático. Então, todos os investimentos do mundo acabam vindo pra cá. Mas, neste momento, me parece que há um excesso de projetos que recebem capital. Qualquer americano ou europeu que teve uma namorada brasileira aos 18 anos ou passou semanas surfando no Rio acha que conhece o país. O Brasil sempre foi um país muito difícil para empreender, ainda mais para os estrangeiros. É um país com um mercado muito grande, com logística e impostos complexos.
“Precisaremos de softwares e aplicativos”
Abrir um negócio aqui é arriscado?
M.G. – Não digo que seja arriscado abrir uma startup. Na visão macro, o cenário é positivo, o mercado continuará crescendo. Então, alguns negócios vão sobreviver e irão muito bem. Para outros, porém, talvez a oportunidade não seja tão grande. E é natural que aconteça assim que surge um novo mercado. Foi o que ocorreu em 2000, na bolha.
Você tomou muitos riscos quando iniciou seu negócio?
M.G. – Sim, e continuo tomando até hoje. Quis fazer um site de internet para vender coisas usadas. Eu estudava em Stanford, onde supostamente há muita gente inteligente. Falei a meus amigos, e nove de cada dez me diziam que eu era louco. Falavam: “Nunca na América Latina alguém vai comprar algo de quem não conhece.” Mas funcionou. Desde então, seguimos tomando riscos. Esse é um mercado muito dinâmico. O que funcionou bem em 1999 talvez não funcione hoje. E iremos mudar. Estamos dispostos a canibalizar a nós mesmos. Preferimos isso a deixar que os outros façam isso.
Por que a decisão de abrir a plataforma para os desenvolvedores?
M.G. – O futuro da computação já não passa mais somente por PCs, tablets e celulares. Cada vez mais haverá computadores por todos os lados: nos carros, nas geladeiras, nas roupas. E precisaremos de softwares e aplicativos. Ao abrirmos a plataforma para os desenvolvedores, vamos permitir isso. Eles poderão criar soluções que nós não víamos ou não tínhamos recursos para fazer.
“Um negócio que envolve 1 bilhão de pessoas”
Vocês foram a primeira empresa de internet latino-americana a ir à Bolsa (Nasdaq, nos EUA), em 2007. O que mudou depois disso?
M.G. – Fomos para a Bolsa em um momento difícil, logo quando começou a crise financeira e imobiliária nos Estados Unidos. Fomos uma das únicas da internet a ir para a Bolsa naquele ano e em todos os seguintes. Só agora começaram a vir outras. Não foi fácil. Saímos com um preço de US$ 18 por ação, que subiu rapidamente, mas durante a crise caiu para US$ 10. Hoje é de US$ 85. Mas não passamos nem perto do que enfrentou o Facebook, em que a ação caiu à metade nas semanas seguintes ao IPO.
O sr. acredita que pode existir uma bolha das empresas de internet?
M.G. – Se o Facebook vale US$ 100 bilhões, como se avaliou quando foi à Bolsa, ou US$ 50 bilhões, como se avalia hoje, o fato é que é uma empresa que não existia há dez anos e hoje vale muito. É um negócio que envolve 1 bilhão de pessoas no mundo. Isso pra mim é algo real.
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[Marianna Aragão, da Folha de S.Paulo]