Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

“Prezado Marion”

Não passo um dia sem receber pedidos pela internet. Muitos vêm de desconhecidos, disfarçados na forma de “convites”. Vão desde solicitações simpáticas, com promessas de alegrias ou recompensas, até propagandas disfarçadas ou pedidos de presente de casamentos para os quais não fui convidada. Muitos são mensagens grosseiras, ainda que feitas sem intenção de ofender. Convites para jogar ou usar aplicativos no Facebook, recebo aos montes. Só que não tenho tempo para jogar e estou traumatizada com apps que copiam informações pessoais e saem disparando mensagem a todos os nossos amigos, às vezes sem o nosso conhecimento. Cansei.

Convites para usar novas redes sociais? Esse é outro tema que entope o meu e-mail. Já uso três redes. Cansei de testar outras e não gostar. Só vou mudar para uma nova se alguém muito especial me convencer de que vale a pena. Recomendações profissionais são outro trauma para mim. Antigamente, se alguém que tivesse trabalhado diretamente comigo precisasse de uma carta de recomendação para pleitear um emprego específico, a pessoa me procurava numa conversa bem franca. Os pedidos eram raros e vinham de quem eu conhecia muito bem profissionalmente. Por isso eu atendia com prazer. Hoje recebo esse tipo de pedido aos montes por mensagens automáticas na internet. Todas as redes sociais profissionais fornecem a “facilidade” ao público, para que, num só clique, você possa disparar pedidos impessoais de recomendação para Deus e o mundo, mesmo que não esteja pleiteando um emprego específico naquele momento. Parecem pedidos de recomendação preventivos, para ficar ali expostos como propaganda pessoal.

São pedidos de recomendação profissional de pessoas com quem nunca trabalhei e nem sequer conheço. Não é uma loucura?

Recomendação esdrúxula

Um exemplo, omitindo sobrenomes por cortesia. Em 20 de agosto, recebi pela rede LinkedIn a seguinte mensagem particular, intitulada “Você poderia me recomendar?”

“Prezado (sic) Marion,

Venho através desta solicitar uma breve recomendação sobre meu trabalho para que eu possa adicioná-la ao meu perfil do LinkedIn. Se tiver dúvidas, entre em contato.

Agradeço desde já pela ajuda.

Paulo Victor”

Fiquei intrigada. Será que esse Paulo trabalhou comigo e eu não me lembro dele? Será que escreveu “prezado” em vez de “prezada” por erro de digitação? Deixei a mensagem repousar numa imensa pilha, que nunca terei tempo de zerar. Em 13 de setembro deparei de novo com ela. Resolvi tirar a dúvida. Então escrevi secamente o seguinte.

“Paulo Victor,

Você me conhece? Eu te conheço? Refresque-me a memória, por favor.

Marion”

Em 25 de novembro recebi a resposta, que reproduzo exatamente como chegou.

“Desculpe, não nos conhecemos pessoalmente. Sou Paulo, estudante de Jornalismo. Quero ser jornalista internacional.

Prazer”

Resumo: o cara achou que eu era um homem, não se deu ao trabalho nem de “googlar” meu nome e queria que eu o recomendasse por aí para ser um jornalista internacional, na supostamente melhor rede profissional da atualidade.

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[Marion Strecker é colunista da Folha de S.Paulo]