Nos últimos dois meses, fui convidado a desenvolver com crianças do 4º, 5º e 6º anos da Escola Eliezer Max, em Laranjeiras, no Rio, uma espécie de guia do uso responsável e seguro da internet. A proposta era ouvir as crianças e, com elas, pensar e refletir sobre temas presentes no dia a dia, como o bullying que acontece nas redes sociais. Além de constatar que os alunos acessam todos os dias a web, na maioria das vezes sozinhos, e que dizem se sentir seguros no meio on-line, um ponto chama bastante a atenção: a questão da privacidade como direito.
Em um dos tópicos do guia, intitulado como os pais devem ajudar as crianças na navegação, os estudantes pontuaram, entre outras coisas, que os responsáveis precisam acompanhar e fiscalizar o que os filhos fazem na internet e ter acesso à senha das contas pessoais. Mas as regras, segundo os alunos, não valem para eles, que têm entre 9 e 11 anos. Valem para as crianças menores. Os pequenos formuladores dizem que já têm responsabilidades e mais ainda: direito à privacidade.
Como é forte o posicionamento das crianças neste sentido. Elas são capazes de argumentar com lógica e persuasão. O antigo e simples “eu quero” passa a ser complementado por “eu tenho direito”. Sim, elas têm direitos, que são, cada vez mais, ratificados em legislações nacionais e internacionais. Isso não se discute.
O trabalho está apenas começando
O que merece uma reflexão – conjunta de pais/responsáveis, professores e estudantes – é quais são os limites destes direitos. Quais são os limites da privacidade, da liberdade? As crianças estão preparadas para assumir as consequências de tal privacidade/liberdade? E quais seriam os deveres? Até que ponto este raciocínio – crianças portadoras de direitos – pode servir como justificativa para os adultos não se posicionarem/envolverem de forma positiva e efetiva na educação das crianças? Qual é o lugar do adulto nesta relação?
O documento não teve o objetivo de ditar regras e formas de conduta, mas de disparar exatamente um diálogo entre família e escola, mostrando inclusive o potencial positivo e criativo da atual geração frente à internet. A escola deu passo importante: trouxe o tema para a sala de aula, ouviu as crianças, envolveu professores e pais e despertou a reflexão, o que é mais importante. O trabalho não acaba por aí. Está apenas começando.
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[Marcus Tavares é professor e jornalista especializado em Educação e Mídia]