Sexta-feira (11/1) foi dia sombrio na internet. Sendo preciso: o problema começou na noite de quinta-feira, quando o departamento de “Homeland Security” do governo dos EUA recomendou a desabilitação do Java de nossos browsers. O período de notícias ruins se estendeu até a manhã de sábado, quando soube do suicídio de Aaron Swartz. Apesar da pouca idade (26 anos), ele teve (e continuará tendo) importância decisiva para o modo como está organizado o melhor de nossa vida online. Nesta semana, minha tarefa foi refletir sobre a fragilidade extrema de tudo que contamos como garantido.
Sou muito influenciável. Levo a sério decretos de autoridades. Nunca tinha visto governo com posição tão explícita contra um programa de computador. Sou usuário (é o mesmo termo para drogados) que não teme mudar as “configurações avançadas” (escondidas) dos softwares. Até conserto sozinho o hardware. Meio em pânico, não entendi direito qual era o risco e, além do Java, desabilitei também o JavaScript (como leigos vão saber que não são a mesma coisa?). Nossos afazeres domésticos andam cada vez mais insuportavelmente complexos.
Ali começaram outros problemas (e até a finalização deste texto, não há solução confiável para o bug do Java). O Yahoo, por exemplo, parou de funcionar. Tive que fazer downgrade para versão antiga, reaprendendo comandos esquecidos. Alguns recursos já banais desapareceram. Como mandar e-mail sem autocompletar os endereços? Pensei ter voltado para a ciberidade da pedra (e olha que uso e-mail desde quando não havia web). Sites como o Twitter simplesmente se tornaram inoperantes. Ao tentar acessá-lo recebia apenas o aviso: “O Twitter faz uso pesado do JavaScript. Se não pode habilitá-lo no seu browser, você deve ter uma experiência melhor no nosso site para celular.” Como viver sem trending topics no laptop? Como controlar a síndrome de abstinência? Autodiagnóstico: nunca pensei que era dependente de tanto serviço baseado nesse tal de JavaScript.
Julgamento seria em fevereiro
Pelo menos o vacilo foi meu: eu, que desabilitei o Java – posso reabilitá-lo se não aguentar o cold turkey (como fiz com o JavaScript, que – depois descobri – também tem seus problemas). Li que os usuários de Mac receberam tratamento diferenciado. A Apple desabilitou remotamente o Java de quem possui seu sistema operacional mais recente. Desta vez foi para “nosso bem”, para facilitar nossas vidas, para poupar-nos de erros. Mas é perigo óbvio: e se nossos fabricantes de computador puderem decidir tudo a que devemos ter acesso “sem risco”? Paranoia tipo Philip K. Dick?
Aaron Swartz dedicou sua vida para combater essa paranoia, inventando ferramentas que aceleram a livre circulação da informação pela rede e aumentam o poder dos usuários contra grandes empresas/governos. Com 14 anos, foi um dos principais criadores do RSS (do qual sou dependente — não visito mais nenhum site, os feeds de RSS trazem notícias e posts que me interessam; foi assim que soube do seu suicídio, mesmo com meu apagão do JavaScript, que fez meu leitor de RSS, o Google Reader, parar de funcionar).
Essa foi apenas sua primeira criação importante (leia resumo de sua vida na coluna de Pedro Doria publicada terça-feira neste jornal, que deu foto de Aaron na primeira página). Em fevereiro, aconteceria o julgamento que poderia condenar Aaron a três décadas de prisão.
Uma perda terrível
A acusação (nada ainda foi provado) era de ter roubado alguns milhões de artigos acadêmicos cujo acesso é comercializado a peso de ouro por uma empresa chamada JSTOR. A intenção (também não provada) seria distribuir esse conteúdo livremente na internet (mas tudo não saiu de seu laptop). A perspectiva de ser preso (muita gente diz que o objetivo era usá-lo como bode expiatório contra hackers e “pirataria” — os procuradores responsáveis por seu caso precisam ser investigados — mas o sistema legal caduco é o que mais necessita de revisão urgente) e anos de convívio com depressão devem ter sido os motivos do suicídio.
Perdi a oportunidade de conhecer Aaron pessoalmente, quando esteve no Rio há quatro anos e ficou hospedado na casa do Ronaldo Lemos. Ele era novo, pensei que seria fácil encontrá-lo em outras ocasiões. Lição: não deixe para hoje o que poderia ter feito ontem. Ronaldo, em coluna da Trip, publicou entrevista feita durante a visita brasileira. Vale a pena reler o trecho sobre escola em bit.ly/WOan4C. Ronaldo também me passou o link (bit.ly/kwoMp) para post em que Aaron comentava os cem livros que leu em 2008. Fiquei dependente dessa lista publicada todos os anos. A de 2012 não saiu. Vamos ter que conviver com essa nova abstinência. Terrível perda para quem acredita no potencial criativo da internet.
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[Hermano Vianna é colunista de O Globo]