Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Futuro promissor

Don Tapscott é pianista. Toca desde os cinco anos e começou a se esforçar de verdade aos 13, quando queria escrever canções de amor para a namorada. Mas Tapscott não fez fama virando um mestre do jazz com seu órgão Hammond B3. Preferiu fazer seu nome discutindo os impactos da tecnologia e da inovação na economia e na sociedade.

Muitas vezes definido como cyber-guru, Tapscott foi considerado – com certo exagero – pela revista Washington Technology (especializada no setor de contratos com governos) como a pessoa mais influente sobre mídia desde Marshall McLuhan. “Não uso esse termo, mas me considero uma autoridade na área, faço consultorias para governos e empresários no mundo todo”, disse Tapscott em entrevista ao Link. Ele esteve no Brasil há duas semanas para participar da Campus Party, em São Paulo.

Já são 30 anos de carreira na área, cerca de 400 palestras nos últimos cinco anos e 15 livros publicados. Seu maior sucesso é o best-seller de 2007 Wikinomics – Como a colaboração em massa pode mudar o seu negócio, traduzido para 20 línguas. Escrito por Tapscott e Anthony D. Williams, o livro foi responsável por popularizar o conceito de como a colaboração em massa pode reinventar a forma como as empresas se comunicam, criam valores e competem em novo mercado global disseminado – citando os exemplos do Myspace, do Linux, do Projeto do Genoma Humano e do conceito da Wikipédia.

Em 2010, a tese ganhou uma sequência no livro Macrowikinomics, que mostra a falência do modelo econômico tradicional, que tornou obsoletos alguns setores. A proposta de Tapscott e Williams? Reiniciar tudo.

“A extensão da colaboração aumenta a cada dia. A reviravolta na música e no setor de mídia será repetida em muitas outras indústrias”, disse ele ao Link. “Uma reviravolta é iminente no ensino superior, por exemplo. A abertura de cursos on-line tem se espalhado em toda as instituições de ensino superior nos Estados Unidos.” O livro foi definido por Eric Schmidt, presidente do conselho do Google, como um caminho para todos no futuro.

Como em toda sua obra, o livro revela um Tapscott otimista quanto ao futuro – algo que ele carrega desde jovem. “Eu era idealista, queria ser agente da mudança. Estava envolvido em várias causas sociais, como a luta contra a guerra do Vietnã, o racismo e o sexismo”, diz. Tapscott acreditava que as mudanças seriam rápidas, o que não aconteceu, mas ele compreende que algumas coisas mudam lentamente. E está na mão dos jovens, outro público alvo de seus estudos, resolverem isso.

Para definir a geração nascida entre 1977 e 1997, Tapscott criou o termo “net generation” (geração em rede) em 2000, no seu livro Geração Digital, que teve continuidade em 2008 com o livro A Hora da Geração Digital. “São as pessoas que cresceram ‘banhadas em bits’ e têm o cérebro diferente”, afirma. Para ele o ponto chave para isso está no período entre os 8 e 18 anos. É o momento, explica, em que o cérebro humano é construído como a fiação e conexões sinápticas do cérebro.

“Minha geração passou 24 horas por semana olhando para uma televisão. Hoje jovens gastam uma quantidade de tempo equivalente com as tecnologias digitais, mas como usuários, organizadores, atores, colaboradores”, diz.
Tapscott explica que os games desenvolvem o pensamento estratégico e trazem determinação, enquanto as redes sociais servem para a colaboração. “Para os adolescentes de hoje, fazer o dever de casa é um evento social que conta com a colaboração de SMS e do Facebook, enquanto o iPod toca ao fundo.”

Quando essa geração chegar ao poder, Tapscott prevê um mundo melhor. “O principal interesse da geração conectada não é a tecnologia, mas o que pode ser feito com ela”, diz. “Eles são inteligentes, têm grandes valores, sabem como usar ferramentas de colaboração e estão preparados para lidar com muitos dos grandes desafios e problemas que a minha geração está deixando como herança”.

Abertura radical

Seu otimismo chega a outros campos. Usando o tino de músico, ele acredita que local de trabalho dessa geração será como um conjunto de jazz, “com os músicos improvisando criativamente em torno de uma melodia e um ritmo”, ao contrário do local de trabalho do passado, que lembra mais “um exército marchando em sincronia militar”. Já na política, Tapscott vê que o resultado será um mundo menos partidário e mais preocupado com o consenso.

Em seu novo livro lançado em janeiro, Radical Openness (sem edição brasileira), também escrito com Williams e baseado em uma palestra no TED, essa visão do mundo ganha mais elementos.

Tapscott reafirma a importância da transparência das empresas e a força da geração digital para um mundo capaz de resolver seus grandes problemas. Os movimentos de liberdade de informação, como Wikileaks, vão mudar a maneira que os negócios e a política são feitos.

O livro trata de quatro princípios: colaboração, transparência, compartilhamento e o poder disseminado. Tapscott conta histórias como a de um empresário que não conseguia encontrar ouro em sua mina. Anos de trabalho e dinheiro gastos com geólogos terminaram quando ele resolveu expor seu problema na rede e criou um concurso para premiar o projeto. Uma empresa de computação gráfica encontrou o minério e levou US$ 500 mil – o empresário levantou US$ 3,4 bilhões em ouro.

O futuro não é a era da informação, mas da inteligência em rede, defendeu o autor durante sua palestra na Campus Party. Tapscott elogiou o evento e fez uma cobrança: “a Campus Party não é apenas o que você pensa. É um ambiente que servirá de modelo para como problemas do futuro são resolvidos no futuro”.

O escritor não apenas defende a ideia, mas vive dessa maneira – é presença constante no Twitter, mantém seu site atualizado com os textos que escreve para jornais, tem um aplicativo para iPad e compartilha as canções do pai, que foi compositor e músico. Praticamente um integrante da geração conectada – porém com 66 anos.

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[Vinicius Felix, do Estado de S.Paulo]