Há uma brincadeira boa de fazer sempre que um grupo maiorzinho se forma. É ver quantos têm relógio de pulso. Define a geração. Nada a ver com idade cronológica, mas sim, com o nível de mergulho na vida digital. Muitos de nós, afinal, já transformamos nossos celulares no relógio. É brincadeira, talvez com os dias contados. Afinal, se for verdade o que publicou a Bloomberg na semana passada, a Apple deslocou 100 funcionários para o desenvolvimento de um protótipo de relógio. A Bloomberg costuma ter boas fontes dentro da indústria. Junte-se esta notícia ao franco desenvolvimento em que se encontram os óculos da Google e estamos prestes a entrar num novo ciclo digital: o dos apetrechos que vestimos.
O óculos da Google, parece, será um gadget para navegação pelo mundo. Servirá principalmente a localização geográfica, a informação complementar sobre um local, agenda dos encontros pela vida. Se muita gente verá utilidade, ainda veremos. Mas gente criativa e bons engenheiros a Google certamente tem. O iWatch da Apple, presume-se, conversará com iPhone e iPad, mas em quê substituiu o que o celular inteligente faz é uma pergunta ainda em busca de resposta. A Apple já botou muita gente assim em projetos que terminaram abandonados. É do jogo de quem cria o futuro. E a Apple não tem mais Steve Jobs. Não temos como saber o quanto ele faz falta. Ainda. Talvez tenha realmente criado um time capaz de colocar a roda da inovação para girar. O tempo dirá.
A tecnologia de vestir, porém, está pipocando por toda parte. Ela tem a ver com alguns desenvolvimentos recentes, por exemplo, na área de sensores. Há microsensores de movimento, de altitude, de localização, de calor, de som. Um celular hoje sabe que ele foi girado, em que lugar do mundo está, em que altitude. Poderia ter um termômetro. (Alguns têm.) Automóveis inteligentes sabem se há um objeto sólido se aproximando. Chips reconhecem tons de voz, emoção.
Revolução na medicina
O outro desenvolvimento fundamental é a miniaturização dos processadores. É o pesadelo da Intel. Empresa dominante no mercado de cérebros para computadores, está suando frio para disputar o espaço nos processadores de aparelhos pequenos com a Qualcomm. Junte sensores de tudo com processadores ainda mais micro e o resultado não são apenas óculos e relógios inteligentes. Já há uma imensa linha de aparelhinhos para vestir e um grupo crescente de seguidores que começam a explorar suas possibilidades.
O movimento se chama, em inglês, the quantified self, ou o “eu quantificado”. São pessoas que coletam dados a respeito de si. Em quantifiedself.com, liderados por dois fundadores da revista Wired, Gary Wolf e Kevin Kelly, discutem técnicas e objetivos. Utilizam aparelhos como o FitBit e o Jawbone Up. Um fica no bolso da calça, o outro preso ao pulso. Fazem o mesmo: medem quantos passos foram dados, em que velocidade se andou, quantos andares foram subidos a pé, quantos quilômetros por dia. À noite, avaliam a qualidade do sono: quantas vezes acordamos, quantas horas dormimos. A eles juntam-se frequencímetros para corrida que jogam para a rede seus resultados, balanças que põem no computador o peso de cada dia, aparelhos de pressão.
A turma que armazena números assim busca compreensão. Quanto, por exemplo, que uma boa noite de sono afeta o hipertenso. Ou que diferença faz, para seu peso, uma vida que substitui elevadores por escadas. Há regras gerais para a boa saúde, mas como a vida de cada um é afetada por pequenos detalhes do cotidiano é único por indivíduo. Hoje, é tudo coisa para uma meia dúzia de obcecados. Não é à toa que os fundadores da primeira revista de cultura digital, lá nos anos 1990, estão nessa. Mas estes sensores começarão lentamente a fazer parte de nossas vidas. Serão uma revolução na medicina. Começaremos a ter uma noção de como somos e de como os diversos estímulos a nossa volta afetam nosso humor, nossa produtividade, nossos ritmos. Ao longo do tempo, o acumulado de tanto dado nos ensinará ainda mais sobre a humanidade. É só mais uma dentre as revoluções digitais.
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[Pedro Doria, de O Globo]