Um garoto de sete anos não poderia estar em um lugar melhor do que a Feira Mundial de Nova York em 1964. Visões de como seria o futuro estavam espalhadas pelos 140 pavilhões do enorme espaço de exposições no bairro do Queens, ao sudeste da ilha de Manhattan.
Fábricas de carros idealizavam a vida perfeita nos subúrbios, com casas equipadas e um sedã potente na garagem. Uma marca de tintura de cabelos mostrava às moças como seria mudar seu visual em tempo real, com a ajuda de um rudimentar computador.
Mas o que mais chamou a atenção do jovem Richard Barbrook foi a seção da IBM. No seu amplo espaço, a gigante norte-americana de computadores mostrava máquinas executando tarefas deslumbrantes para a época, como traduzir um texto do inglês para o russo automaticamente.
Tratava-se não somente de vender produtos e conquistar novos consumidores. O que todas as empresas ofereciam na Feira Mundial eram visões de futuro.
A da IBM, particularmente, prometia um porvir em que as máquinas seriam tão inteligentes quanto os humanos e trabalhariam para nós.
Barbrook, cientista político e professor na Universidade de Westminster, na Inglaterra, cresceu cercado por essas visões e promessas: “Sou de uma geração que era obcecada pelo espaço, por astronautas e foguetes”.
“Quando entrei no prédio da IBM, eu não imaginava que escreveria uma livro sobre ele muitos anos depois”, disse, falando ao Link via Skype, de Londres.
O livro em questão é Futuros imaginários – das máquinas pensantes à aldeia global (editora Peirópolis), que o britânico lançou no Brasil em 2009 (leia mais ao lado).
A obra se destacou na época de seu lançamento por tentar desvendar as origens ideológicas da internet e chamar atenção para o fato de que as visões sobre o futuro de 40 anos atrás não são muito diferentes das que são veiculadas hoje.
É justamente com essa memória da Feira Mundial de Nova York que ele começa o livro, contando as impressões de um jovem Barbrook diante das promessas de futuro que as corporações americanas ofereciam.
“Eu me lembro bem dessa época porque eu era um garotinho inglês que foi morar na América por um ano”, relembra ele.
A ida da família aos EUA foi motivada pela relação de seu pai, Alec, com o governo americano e com o MIT (Instituto de Tecnologia do Massachusetts), onde passou um ano pesquisando.
“Meu pai era convidado a festas da Embaixada Americana. Ele era da geração da Segunda Guerra Mundial e, para ele, a América era a terra de riquezas, oportunidade, do jazz, Holywood. Era da ala direitista do Partido Trabalhador Britânico, pró-americano. Eu e minha irmã somos da geração antiamericana. Minha irmã esteve muito envolvida na campanha antinuclear por aqui, o que meu pai não aprovava.”
Estar nos Estados Unidos nos anos 60 também significava estar mais próximo da cultura pop da época. Isso teve um impacto grande em sua formação: “Livros de ficção científica nos anos 60, o seriado Dr. Who?, Thunderbirds, todas essas coisas (despertaram interesse pelo futuro). Mas, quando você cresce, percebe que é tudo sobre o presente”.
Punk
Típico filho da geração que era jovem nos anos 70, Barbrook viveu de perto um dos principais movimentos culturais e artísticos da segunda metade do século XX: o punk. A banda britânica Sex Pistols, é claro, foi uma referência importante para ele.
“A música pop era extremamente importante: como você se vestia, que drogas tomava, seu lado na política, tudo estava focado na música. Li o Guy Debord quando eu era um jovem punk rocker e achava que ‘A Sociedade do Espetáculo’ era a resposta para tudo “, diz.
Seu envolvimento com a cultura digital começou a partir das rádios piratas e comunitárias, no começo dos anos 80. Foi nessa época que teve seu primeiro contato com uma rede de computadores. “Amigos meus envolvidos com rádio usavam a Minitel (serviço online anterior à internet que funcionava em alguns lugares da França e da Inglaterra) para falar sobre equipamentos eletrônicos. Quando a internet chegou, nos anos 80, eu já estava esperando por ela.”
Ao observar a rede se espalhar rapidamente pelo mundo a partir dos anos 90, Barbrook viu a necessidade de traçar suas origens. Mas tratava-se não só de fazer uma arqueologia das tecnologias usadas, mas do contexto político em que ela surgiu. Assim nasceu Futuros imaginários.
“As histórias oficiais sobre a origem da rede não me pareciam verdadeiras, então decidi fazer umas ‘escavações’ para descobrir como era a pré-história da internet.”
“Quando fiz a investigação, descobri que eles (o governo americano) primeiro fizeram a fantasia a respeito do futuro e depois construíram a tecnologia. E por que essa fantasia é tão importante? Bem, era a competição da Guerra Fria.”
Durante o período de tensão entre EUA e Rússia, era necessário não só ser superior militarmente, mas também convencer o mundo sobre qual sistema social e político era mais atraente. Entre as várias disputas entre os dois países, estava o estabelecimento de uma rede de computadores que fosse capaz de integrar o mundo. Venceu a “fantasia americana”, que ainda promete o mesmo futuro de 40 anos atrás – e que nunca chegará, na opinião de Barbrook.
O livro consolidou a posição do escritor como voz destoante entre os estudiosos da internet. Em um texto anterior, A ideologia californiana, ele fez uma crítica aberta e direta aos principais seguidores da fantasia criada na primeira metade do século XX: a revista Wired.
Foi o Brasil o palco do embate que Barbrook teve com John Perry Barlow, escritor da publicação e fundador da organização Eletronic Frontier Foundation. Durante o seminário Mídia Tática Brasil, em 2003, eles se encontraram numa mesa mediada pelo então ministro da Cultura, Gilberto Gil. Segundo relato do colunista do Link, Alexandre Matias, na época, Barbrook se referiu a Barlow como “neoliberal”, que respondeu chamando-o de “nervosinho”.
Essa crítica ao mercado da internet continua um mote para o cientista político: “Neoliberalismo é como um disco riscado. Antes, ele era maligno e parecia que funcionava. Agora não me parece que funciona. As startups não vão salvar o mundo”.
Barbrook também relativiza o papel de redes como Twitter e Facebook em movimentos políticos, como as revoltas árabes: “A tecnologia em si mesma não causa uma revolução”, avalia.
Para ele, as muitas promessas feitas desde os anos 60 ainda estão longe da realidade. “As mudanças sociais que eles disseram que viriam junto não aconteceram. Não importa se você estava à direita ou à esquerda, sempre se dizia que a tecnologia se tratava de trazer mudanças sociais. Mas, de muitos jeitos, nós andamos para trás.”
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Diogo Antonio Rodriguez, para o Estado de S.Paulo