A chegada da universidade ao interior da Amazônia coloca o complexo desafio de levar até as cidades no coração da mata a infraestrutura necessária para viabilizar seu funcionamento e a produção de conhecimento científico na região. Em um mundo cada vez mais conectado, a internet aparece como item básico de necessidade.
Em Benjamin Constant, cidade que fica no Alto Solimões, na fronteira com o Peru e a Colômbia, a melhora recente do acesso à rede no Instituto de Natureza e Cultura (INC), unidade da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) instalada por lá em 2006, está contribuindo para a maior integração da região e tem beneficiado as atividades de ensino e pesquisa, embora ainda com algumas limitações.
O acesso de Benjamin Constant à rede é feito por satélite e tem uma capacidade de transferência de dados bastante limitada. “Estamos a mais de mil quilômetros de Manaus e a internet sempre foi de péssima qualidade”, relembra o antropólogo colombiano Juan Carlos Peña, professor do INC. “Inclusive uma das primeiras manifestações que tivemos no campus foi durante a visita do reitor da Ufam, quando levamos uma vela para a entrada e fizemos uma prece pela internet”, lembra rindo.
O acesso só começou a melhorar em 2010, em especial com o trabalho da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), que assumiu a tarefa de garantir uma conexão de qualidade ao novo campus. Em novembro de 2012, a capacidade da rede da universidade subiu de 1Mb/s para 4Mb/s – apesar de relativamente pouco, o serviço é considerado por professores e alunos o melhor da região, bem superior ao caro acesso oferecido pelos provedores privados.
O gerente de desenvolvimento organizacional da RNP, Marcus Vinicius Mannarino, explica que a dificuldade de conexão em Benjamin Constant reflete a complexidade de levar a rede até o interior da floresta. “Trata-se de uma região muito complicada para o acesso à internet, em especial pela dificuldade de levar a fibra ótica até lá, já que não existe infraestrutura de rodovias e seria preciso atravessar a densa floresta e transpassar os rios”, avalia. “Mesmo Manaus tem problemas de conexão e só muito recentemente foi possível fazer o cabeamento até lá, passando pela Venezuela e não pelo Brasil.”
Esses têm internet, aqueles não
Para o atual diretor do INC, Agno Acioli, um acesso muito limitado à rede cria uma situação de isolamento para a pesquisa desenvolvida na universidade. “É o novo Tratado de Tordesilhas: passa-se uma linha sobre o Brasil e separa-se quem tem internet daqueles que não têm e estão isolados”, compara. “Não dá para conceber a vida de pesquisador hoje sem internet, é um processo de exclusão; é preciso abrir Benjamin Constant para o mundo”, completa.
Antes do aumento da conexão do campus, as dificuldades ocorriam até nas questões mais básicas, como concorrer a financiamentos, se inserir nas discussões acadêmicas mais atuais, propor parcerias com outras instituições e até utilizar os sistemas administrativos on-line da Ufam. “Há pouco tempo, quando representantes do Pibic [Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica] vinham a Benjamin era preciso direcionar toda a internet do campus para um único computador, para o cadastramento on-line dos bolsistas”, relembra o coordenador acadêmico do INC, Jorge Luís Lima. “E mesmo com a melhora na internet, ainda não conseguimos rodar alguns sistemas da Ufam, o que implica em mais trabalho e gastos com deslocamento.”
O problema de conexão também limita iniciativas como a telemedicina (prática em que agentes de saúde realizam exames e atendimentos locais assessorados por um especialista, via internet). “Temos os equipamentos necessários para isso, mas a internet daqui ainda não comporta a atividade; os aparelhos estão em uso em Manaus, para não estragarem”, conta Acioli. “A telemedicina teria grande impacto na saúde pública da região, pois há uma enorme escassez de médicos”, avalia. O sistema também poderia ser utilizado por estudantes da Ufam de cursos como odontologia e enfermagem, que fazem internato rural em Benjamin Constant.
Facebook, o rei da floresta
Independentemente das limitações de acesso, um olhar sobre a utilização da internet na região mostra a grande adesão dos jovens à rede – laptops e modelos modernos de smartphones estão sempre entre as primeiras compras dos estudantes com as bolsas da universidade. A engenheira agrônoma Ivanilce Silva, que trabalha há mais de uma década na região, confirma que a mudança é muito grande. “Um dia, fiquei chocada ao passar no corredor e ver todos os alunos na internet, sem falar com os colegas ao lado”, conta. “É uma mudança e tanto, só não sei até que ponto ela é positiva e até que ponto é negativa.”
Segundo Jorge Lima, um lado problemático da melhoria do acesso à internet é a ocorrência de plágio. “Tivemos que iniciar um processo de conscientização dos estudantes sobre a importância da autoria, por exemplo”, afirma. “Por outro lado, até isso foi interessante, já que abriu a possibilidade de discutir um tema muito relevante no mundo acadêmico atual. Estamos formando alunos mais preparados também para essa realidade.”
O traço mais marcante do perfil de acesso da região é, sem dúvida, a popularidade das redes sociais – em especial o Facebook, utilizado inclusive na pesquisa. A antropóloga Flávia Cunha, também professora do INC e coordenadora de um observatório da violência contra a mulher no Alto Solimões, utiliza basicamente a rede social para coordenar o trabalho dos três grupos que compõem o projeto – em Benjamin Constant, Manaus e Campinas. “Os alunos fazem uso intensivo do celular e o Facebook se mostrou a ferramenta mais rápida de contato entre nós”, avalia. “Por isso, o gerenciamento do projeto acontece a partir do Facebook e fazemos até o envio de documentos por lá.”
Juan Carlos Peña destaca ainda o papel de integração e mobilização que as redes sociais têm no Alto Solimões. “Elas são importantes para repercutir por aqui informação sobre a região que de outra forma ninguém ficaria sabendo e até para fazer denúncias públicas sobre questões como a portaria 303, que altera o processo de demarcação das reservas indígenas”, explica. “Temos visto sociedades pouco livres encontrarem na rede formas de expressão mais democráticas, como aconteceu na primavera árabe. Nós aqui também temos nossas primaverinhas.”
Acompanhe o especial sobre a visita da CH On-line a Benjamin Constant.
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Marcelo Garcia, do Ciência Hoje On-line