Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A velocidade na cobertura dos escândalos políticos

O surgimento da internet (ciberespaços) mudou a forma de divulgação dos atos públicos políticos e, por tabela, acelerou o processo de “publicização” de escândalos políticos. Ou seja, ao mesmo tempo em que uma figura pública, ou ator público, utiliza a internet para divulgar seus atos e se comunicar com a sociedade-eleitor, a ferramenta também contribui para disseminação de casos de corrupção. Foi assim, por exemplo, nos episódios de Antônio Palocci e Orlando Silva – ocorridos no início do governo de Dilma Rousseff (PT).

Os sites de grandes jornais, como O Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo, O Globo e Correio Braziliense, e ainda as revistas Veja e IstoÉ, garantiram um conhecimento maior sobre os atos “indesejados” praticados por esses políticos na esfera pública. Com os ciberespaços, coincidentemente ou não, os ministros “caíram” ou deixaram o poder mais rapidamente.

A carga de notícias, por meio de referências na internet é, e foi, incomparavelmente maior se analisarmos as condições em que se deram escândalos da década de 1990, por exemplo. Escândalos políticos se assemelham à trama de novela, com capítulos que perduram até a queda da determinada figura pública que está sendo acusada. Existe um forte interesse da grande imprensa por escândalos políticos. Um dos motivos principais é porque fatos políticos, de grande relevância, envolvendo uma autoridade, seja da Câmara Federal ou de um ministério, podem trazer uma vendagem “espetacular” aos meios de comunicação que fazem as coberturas. Mas, não é só isso.

Propagação mais rápida

Os acusados passam a ser réus já condenados implacavelmente à luz da “Justiça da imprensa”.

“Mais em maior ou menor grau, jornalistas sentem-se no exercício de uma missão social, combatendo e corrigindo vícios (por intermédio da denúncia). Esse é um dos aspectos do super-homem mais belos dessa profissão… Mas, como em tudo, há um outro lado perigoso. Ter um superpoder pode levar, em certas situações, a uma falta de percepção da intensidade desse poder. Muitas vezes os jornalistas não sabem o poder que têm, nem as consequências de sua força. Um ataque da imprensa poderá provocar a destruição de uma marca ou de um líder, mas os jornalistas atuam numa faixa de poder tão especial que tendem a achar que o estrago que podem causar não é tão devastador assim…”, diz o jornalista Mário Rosa em A era dos Escândalos (2007, p. 269-270).

Outros autores fazem referências importantes.

“Durante muito tempo, a comunicação das mensagens de longa distância devia utilizar exatamente as mesmas vias utilizadas pelos corpos e pelos objetos físicos. As vias romanas transportavam mercadorias, legiões, peregrinos, correio imperial e notícias. Ao longo da história, com exceção do ‘tam-tam’ e dos sinais de fumaça, as mensagens circulavam sobre os mesmos canais que as pessoas. Correio, jornais e livros utilizavam, como os homens e os malotes de mercadorias, as vias rodoviárias, férreas, marítimas e aéreas. Ora, desde o telégrafo e o telefone, a comunicação das informações é progressivamente desacoplada da circulação das coisas”, afirmam André Lemos e Pierre Lévy, em O futuro da Internet: em direção a uma ciberdemocracia planetária. Editora Paulus (2009. p. 120).

As observações acima citadas mostram como era e o quanto a linguagem da comunicação evoluiu no mundo contemporâneo, encurtando distâncias espaciais que não estão mais no limite da comunicação. Trata-se de um novo meio de comunicação estruturado. Esse novo meio de se comunicar abre significativas mudanças nos modos de percepção, pensamento e ação no mundo. A consolidação da existência do ciberespaço impulsionou as áreas sociais, como a cultura e, principalmente, a política.

O ciberespaço para a política serviu para reiventar uma forma de comunicação com a sociedade. Serviu como ferramenta para tornar público atos dos políticos e também como publicidade (no sentido de divulgação e marketing) de seus feitos. Mas, ao mesmo tempo abriu espaço para democratização de opiniões, críticas e, sobretudo, propagação muito mais rápida de informações sobre escândalos políticos.

Contemporaneidade dos ciberespaços

Em “A política informacional e a crise da democracia” in O poder da identidade, Manuel Castells diz que sistemas políticos foram abalados em todo o mundo e líderes políticos tiveram sua imagem destruída, em uma sequência ininterrupta de escândalos. A propagação desses escândalos se dá muito mais veloz à medida que se têm à disposição os ciberespaços.

Em fevereiro de 2009, a rede social Facebook ultrapassou 68,5 milhões de usuários únicos apenas nos Estados Unidos. Na mesma data, o MySpace atingiu 58,5 milhões e o Twitter chegou a 5,9 milhões de perfis. O Orkut atingiu a marca de 37 milhões de brasileiros em janeiro daquele ano. Segundo o “Blog dos blogs” do IDG Now, “em dezembro de 2008, 11,6 milhões de pessoas acessaram blogs contra 9,5 milhões de brasileiros de dezembro de 2007, um crescimento de 22,1%. O YouTube, repositório de vídeos inseridos pelos internautas, fundado em 2005, comprado pelo Google no final de 2006, já em 2008 passou a ser o terceiro site mais visitado do planeta. Em janeiro de 2009, o YouTube teve mais de 100 milhões de vídeos visualizados em um único mês, batendo um recorde de audiência”.

As acusações contra o então ministro da Saúde do governo Fernando Collor, Alceni Guerra (1991), e, na época, contra o deputado federal Ibsen Pinheiro (1993), responsável pela CPI do impeachment do então presidente, mostraram o cerne dos escândalos em um período diferente do de hoje, com internet. Bem ao contrário de escândalos envolvendo o ex-ministro-chefe da Casa Civil Antônio Palocci, e o ex-ministro do Esporte Orlando Silva. Os dois últimos em pleno exercício e expansão dos ciberespaços no Brasil ocorridos em 2011 marcam a contemporaneidade dos ciberespaços – a velocidade da mídia na divulgação de escândalos.

“Balão de ensaio”

Uma das características do escândalo tem a ver com as reputações dos indivíduos implicados. Sendo que os escândalos envolvem a revelação de atividades até então encobertas e infringem determinados valores ou normas, e cuja revelação provoca um discurso infamante de vários tipos, eles podem prejudicar seriamente (e muitas vezes de fato prejudicam) a reputação dos indivíduos cujas ações se colocam no centro do escândalo… Mas o prejuízo ou a perda de reputação é um risco que está sempre presente quando um escândalo surge e se desdobra (Thompson, 2002, p. 49).

No início da década de 1990, Ibsen comandou a sessão que autorizou a abertura de processo de impeachment contra o então presidente Fernando Collor de Mello. Na ocasião, pronunciou uma frase histórica: “O que o povo quer, esta Casa acaba querendo”. No ano seguinte, no entanto, a vontade da Câmara Federal se voltou contra ele. Ele foi investigado pela CPI dos Anões do Orçamento e acusado de ter movimentação financeira incompatível com seu patrimônio. A acusação foi reproduzida à exaustão pela imprensa e, em maio de 1994, Ibsen teve o mandato cassado. Em dezembro de 1999, o Supremo Tribunal Federal (STF) extinguiu o processo: considerou insatisfatória a consistência das denúncias. Em 2004, um dos jornalistas que escreveu matéria contra ele admitiu ter cometido erros na apuração. Mas, já era tarde.

O tempo da mídia só existe na mídia: uma sucessão de presentes, o “presentismo”… Essa voracidade, pela última notícia cria grandes dificuldades para quem está no olho do furacão, segundo o jornalista Mário Rosa, em seu livro A era dos escândalos.

Já o caso Alceni Guerra ocorreu em 4 de dezembro de 1991. Nesse dia começava o calvário do então ministro da Saúde do presidente, da época, Fernando Collor de Mello. O jornal Correio Braziliense trazia reportagem de capa, sob título “Saúde compra 22 mil bicicletas superfaturadas”. Também se comprovou tratar-se de “balão de ensaio”. O ministro foi inocentado das acusações. Mais recentemente, o ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, foi acusado de ter aumentado patrimônio em 20 vezes entre 2006 e 2010, quando ele era deputado federal, eleito pelo PT de São Paulo. Palocci não suportou a pressão e, sobretudo, um caso novo sendo divulgado na mídia todos os dias. Deixou o cargo no dia 7 de junho.

Anatomia de dois escândalos

Durante o período de 48 dias de exposição na mídia, foi possível identificar nos sites (ciberespaço) dos grandes jornais (Estadão, Folha de S.Paulo, O Globo e Correio Braziliense) e revistas (IstoÉ e Veja) um total de 20.593 referências sobre o escândalo Palocci.

Veja abaixo as referências:

Site Número de Referência
Estadão (www.estadao.com.br) 6.838
Folha (www.folha.com.br) 8.413
O Globo (www.oglobo.com.br) 4.864
Correio Braziliense (www.correioweb.com.br) 864
Revista Veja (www.veja.com.br) 38 notícias e
5.285 referências
Revista IstoÉ (www.istoe.com.br) 329 notícias e
20.593 referências
Total 20.593 referências

 

Outro escândalo recentemente marcou a vida de Orlando Silva. Onze dias depois de ser acusado por um policial de participação no desvio recursos de convênios do Ministério do Esporte, ele pediu demissão. Naquela ocasião foi o sexto ministro a deixar o governo da presidente Dilma Rousseff, o quinto por suspeita de irregularidades. O policial João Dias foi o autor das denúncias contra Orlando Silva. Chegou a ser preso em 2010 por fraude na execução de convênios com o ministério e é cobrado a devolver mais de R$ 3 milhões.

Durante todo o período de acusações na mídia foi possível identificar 47.015 referências envolvendo o nome do ministro Orlando Silva na mídia. Veja quadro abaixo:

Site Números de referências na internet
Estadão 2.524 referências
Folha 1.624 referências
O Globo 1.858 referências
Correio 2.740 referências
Veja 38.112 referências
11.871 notícias
IstoÉ 157 referências
Números de referências no período 47.015

 

Comparativos com e sem os ciberespaços
Denúncias Início Demissão-Afastamento Período de divulgação
Alceni Guerra 4/dez.1991 23/jan.1992 48 dias
Ibsen Pinheiro 8/Nov.1993 maio/1994 210 dias
Antônio Palocci 15/maio.2011 7/jun.2011 22 dias
Orlando Silva 16/out.2011 26/out.2011 10 dias

Contabilidade das divulgações – Sem os ciberespaços

Escândalo Alceni Guerra + Escândalo Ibsen Pinheiro

– Mais de 500 horas de gravação de reportagens

– Se o escândalo das bicicletas fosse uma novela daria mais de 1 mil capítulos

– Foram contabilizados mais de 40 mil metros quadrados de notícias

 

Contabilidade das divulgações – Com os ciberespaços

Escândalo Antônio Palocci + Escândalo Orlando Silva

– 67.608 referências na internet.

Rapidez da disseminação

Em “Mídia radical”, artigo escrito por Tamara Villarreal Ford e Geneve Gil, há um reconhecimento de que os ciberespaços, sem dúvida, disseminam com muita mais rapidez qualquer tipo de informação. “Essas redes de computadores vieram incrementar, não substituir, outras formas essenciais de organização, desde contatos pessoais a programação de rádio, artigos de jornais underground, obras de arte subversivas, música e televisão alternativa. Os computadores também proporcionaram maior rapidez na disseminação, no intercâmbio e na análise das informações, de um modo que nunca foi possível nos movimentos populares”. (2002, p. 271).

Manuel Castells, no livro Comunicação e Poder (Comunicación y poder), diz mais. Categoricamente enfatiza que as redes digitais por sua capacidade para autorreconfigurar-se… transcendendo os limites territoriais e institucionais através de redes de ordenadores comunicadas entre si. Portanto, uma estrutura social cuja infraestrutura se baseia em redes digitais tem a possibilidade de ser global. (2011, p. 51).

Uma coisa é certa: a mídia tem seu tempo que se agiliza à medida que surgem os ciberespaços. É a velocidade dos meios de comunicação no “fértil” campo político.

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Edgar Leite é jornalista, mestre em Ciências Sociais Políticas pela PUC e editor-chefe do jornal Diário de Suzano