Quando não estão olhando para a tela do computador ou para os seus iPhones, os funcionários da companhia sueca Memoto podem observar das janelas do seu escritório a Stortorget, a famosa praça na parte antiga de Estocolmo. O edifício que abriga a Academia Sueca fica na mesma praça, onde seus principais representantes deliberam ano após ano quem deverá ser agraciado com o Nobel da Literatura, criado por Alfred Nobel, o inventor da dinamite.
A localização tem significado simbólico. A Memoto também trata de algo explosivo, pelo menos em sentido figurado: ela pretende investigar como as histórias são contadas hoje em dia. A startup, que começou a operar em 2012, tem 17 funcionários em tempo integral da Suécia, Cingapura e Estados Unidos.
Atualmente, ela se dedica a pesquisas destinadas a modificar a memória e a maneira como vemos a nós mesmos, especificamente como as pessoas lembram das coisas, e o que elas lembram, independentemente da possibilidade de algo tão antiquado como a existência de privacidade no futuro.
Segundo o fundador da Memoto, Martin Källström, que não é um escritor, mas um desenvolvedor de software, o objetivo da empresa é “descobrir uma maneira de vivenciarmos de novo a vida no futuro enquanto desfrutamos do presente.”
Uso proibido
Källström, de 37 anos, nos convida a ver uma demonstração do produto. Seu amigo Oskar Kalmaru, de 29, que cuida do marketing, põe uma caixa branca de papelão sobre a mesa. Sua semelhança com a embalagem dos produtos da Apple é intencional. Källström abre a tampa e mostra um protótipo da invenção com o qual a Memoto espera conquistar o mundo: é uma câmera, mas não parece, mesmo quando se observa atentamente. É tão minúscula quanto uma caixa de fósforos ou um iPod nano.
A câmera pode ser presa com um alfinete na roupa ou pendurada numa correntinha no pescoço. Não há botão para disparar o obturador, nem visor ou botão para ligar e desligar. A câmera tira uma foto a cada 30 segundos, o que representa 120 imagens por hora ou 2.880 por dia. Para parar a câmera, basta guardá-la no bolso. Para cada foto, a máquina registra o tempo e as coordenadas de GPS de onde foi tirada. O resultado é um gigantesco diário fotográfico, um Lifelog, ou um registro total da vida, termo cunhado pela comunidade da internet.
Naturalmente, as imagens não permanecem na câmera. O aplicativo da Memoto os transfere ao servidor da companhia, mais precisamente um servidor alugado da Amazon nos Estados Unidos para armazenar dados dos clientes.
O software escolhe as fotos, as organiza por assunto e tempo, e destaca as melhores de um ponto de vista técnico. O usuário pode usar seu computador pessoal ou smartphone para ver as fotos, procurar imagens antigas ou postá-las numa rede social, como o Facebook.
Essas características tornam a câmera Memoto o brinquedo ideal para pessoas que fizeram da livre expressão online sua missão de vida. Se a ideia pegar, não haverá evento no futuro que não exista na forma de imagem. O esquecimento será coisa do passado e não conseguiremos mais dourar a pílula das nossas experiências. A memória não será mais subjetiva, mas apenas um arquivo de imagem num servidor do Amazon.
A câmera está sempre ligada, mesmo em situações em que o uso da câmera do celular esteja proibido. Na verdade, as chances são de que a Memoto se torne um gigantesco programa de criação de emprego no mundo da proteção privada.
Conflitos previstos
Källström não é o primeiro a desenvolver lifelogs. Excêntricos como o inventor canadense Steve Mann e o executivo da Microsoft Gordon Bell há anos vêm fazendo experiências com aparelhos para conservar suas impressões sensoriais para a eternidade. Mas a Memoto deseja transformar a ideia numa operação de larga escala: lembrança total para todos.
Naturalmente, conflitos são esperados. Nem todos ficarão entusiasmados com a ideia de ser fotografados. O sócio de Källström, Kalmaru, já experimentou essa sensação de aversão. O jardim da infância do seu filho, por exemplo, proibiu o menino de vir com o aparelho.
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Martin Wolf, do Der Spiegel