Enquanto os exércitos do regime sírio e da insurgência batalham pelo controle físico de cidades como Damasco e Aleppo, soldados de outra sorte disputam em um terreno abstrato – a informação. Armado pela informática e camuflado no anonimato, um grupo de hackers montou o chamado Exército Eletrônico Sírio, uma espécie de braço virtual do regime do ditador Bashar al-Assad. A ideia é levar a batalha para um campo até agora dominado por sites e hackers simpáticos aos insurgentes.
Os hackers de Assad também atacam sites daqueles que consideram como inimigos do regime, danificando seus sistemas. Na semana passada, o site satírico The Onion uniu-se à lista de territórios tomados pelos corsários virtuais. Antes, os sites da rede britânica BBC e do jornal The Guardian foram alvo. Quando a vítima foi a agência de notícias Associated Press, em abril, publicando uma falsa notícia a respeito de ataques à Casa Branca, a Bolsa de Valores dos EUA despencou.
O Exército Eletrônico Sírio se apresenta como uma ação independente motivada pela necessidade de defender o país em um âmbito virtual. Mas Helmi Noman, um pesquisador da Universidade de Toronto, rastreou o domínio desses soldados online – até descobrir que o site foi registrado pela Sociedade Síria de Computadores, antigamente liderada pelo próprio Assad. “Os exércitos eletrônicos que surgiram durante a Primavera Árabe são, em geral, campanhas de relações públicas”, diz. “Hackear tem sido uma das táticas usadas por regimes árabes para destruir o conteúdo virtual de seus oponentes. É uma maneira radical de censura.”
Método
Segundo relatos publicados na mídia após os ataques, o Exército Eletrônico Sírio usa truques virtuais simples para suas invasões. No caso do The Onion, os soldados atacaram com phishing – manobra de fraude eletrônica para adquirir, por exemplo, uma senha. E-mails foram enviados a funcionários do site até alguém clicar num link que parecia levar a uma notícia real. Em seguida, a vítima preencheu um formulário com sua senha, acreditando fazer login em sua conta do Gmail. A partir daí, os hackers tiveram o acesso aberto.
Desde o surgimento, esse grupo atacou também sites como os da Universidade Harvard e da rede de TV Al Jazira, baseada no Qatar, país que é uma espécie de padrinho dos rebeldes sírios. “Isso, é claro, envergonha os veículos de imprensa e deixa perplexos seus seguidores”, diz Noman. “Se eles continuarem a invadir contas de Twitter, os usuários vão passar a pensar antes de acreditar no que eles leem.”
Descrença
A atividade de hackers pró-regime em países como a Síria se alimenta, em parte, da descrença da população em relação ao que é divulgado por veículos de imprensa. Moradores de Majdal Shams – um vilarejo anteriormente sírio, controlado por Israel desde 1967 – afirmam, por exemplo, apoiar o regime de Assad por não acreditar no que veem pela televisão.
A dúvida é especialmente forte quando se trata de informação da al Jazira e Al Arabiya – esta, financiada pela Arábia Saudita, também contrária ao regime sírio. “A brutalidade extremiza as posições”, afirma Wiyam Amasha, 31, morador de Buqata, nas colinas de Golã -hoje em Israel, mas de população majoritariamente síria. “A maior parte da mídia tem uma agenda. Nunca são só fatos”, afirma. “Estamos longe dos acontecimentos.”
Amasha combate grupos como o Exército Eletrônico Sírio divulgando via Facebook fotos e informações a respeito do conflito no país. Recentemente, ele descobriu que seu nome está em uma lista de assassinatos do serviço secreto. Seu pai passou 14 dias internado, após um acidente de carro que ele acredita ter sido intencional. “O problema é que a rede social é ampla e está fora do controle, e é difícil encontrar seu caminho entre tanta informação, tanto barulho”, afirma.
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Diogo Bercito, da Folha de S.Paulo