Enquanto os legisladores americanos começam a debater os riscos que os novos óculos Google Glass oferecem à privacidade, uma coisa está clara: a tecnologia capaz de redefinir o que é “público” e conectar o mundo digital ao físico chegou para ficar. Agora, a questão é: O que podemos fazer sobre isso? Proprietários de minúsculos dispositivos conectados à internet já enfrentam o dilema de onde ou quando é apropriado usá-los e juristas dizem que não há muitas proteções para as pessoas cujas atividades são registradas pela tecnologia.
Noble Ackerson, um desenvolvedor de software de 33 anos que vem usando o Google Glass há um mês, diz que desenvolveu suas próprias normas de etiqueta baseadas no “bom senso” para o novo aparelho do Google Inc. Por exemplo, ele não usa o Google Glass em banheiros públicos, cinemas e cassinos, onde o dispositivo poderia lhe dar uma vantagem injusta. “O Google Glass oferece tecnologia que não é nova e temos que aplicar a mesma etiqueta usada para tecnologias existentes”, diz.
Produtos como o Google Glass estão gerando debates sobre os possíveis usos de tecnologias como reconhecimento facial e se governos precisam interceder. Vários membros do Congresso americano já estão pressionando o Google a dar respostas sobre o funcionamento da tecnologia e algumas empresas, como bares e cassinos, já proibiram o seu uso.
Utilidade comprovada
Por ora, o Google Glass, que posiciona uma pequena tela de computador sobre um olho e conta com um sensor de movimento, câmera e microfones, funciona como uma extensão do smartphone. Ele permite que o usuário tire fotos e grave vídeos tocando a lateral do dispositivo ou usando comandos de voz. Também possibilita o compartilhamento do acesso à câmera do aparelho com outras pessoas na Web para que elas possam “ver” o que o usuário está olhando. Os óculos podem ainda ser usados para telefonar, pesquisar no Google e receber e enviar mensagens via comandos de voz. Além disso, o dispositivo tem mapeamento e navegação por instruções de voz.
O dispositivo não está amplamente disponível, mas o Google planeja lançá-lo comercialmente no ano que vem. Membros de um seleto grupo que está testando o aparelho dizem que os potenciais benefícios – como dar a paraplégicos a capacidade de tirar fotos usando a voz ou tornar mais fácil documentar brutalidades de policiais, entre outros usos – superam os riscos à segurança e à privacidade. Mas um uso potencial tem agitado a imaginação e os temores de muitos: o reconhecimento facial.
Essa tecnologia ainda enfrenta inúmeros obstáculos, mas sua utilidade no mundo real já foi comprovada, mais recentemente por pesquisadores da Universidade Carnegie Mellon, em 2011. Ao combinar informação pública de redes sociais e tecnologia de reconhecimento facial, os pesquisadores usaram uma webcam em um campus universitário para identificar as pessoas pelo nome, e então, usando informação de seus perfis nas redes sociais, predizer dados altamente pessoais, como o número de documentos.
Para “ver” embaixo das roupas
Embora a tecnologia de reconhecimento facial em tempo real ainda não esteja disponível em grande escala, os últimos obstáculos para que isso ocorra já estão sendo superados, diz o professor da Carnegie Mellon Alessandro Acquisti, que fez parte da equipe de pesquisa. A sociedade terá de “discutir e tentar criar estruturas para que as boas aplicações sobrevivam e as assustadoras, não”.
O diretor de gerenciamento de produto do Google Glass, Steve Lee, disse num comunicado na sexta-feira (17/5) que “não vai adicionar novos recursos de reconhecimento facial a menos que tenhamos fortes proteções de privacidade em vigor”. Lee e outros executivos do Google dizem que, embora qualquer dispositivo, incluindo os smartphones atuais, possa ser utilizado para prejudicar ou espionar outras pessoas, a empresa se esforçará para impedir que esse tipo de aplicativo esteja disponível em sua loja virtual. Lee diz que os óculos também seriam uma forma “ruim” de espionar pessoas porque o usuário tem de estar em frente ao que estiver gravando. A pequena tela do dispositivo se ilumina quando a câmera é acionada, permitindo que pessoas próximas saibam que o dispositivo está ligado.
Não há quase nada que as pessoas possam fazer para evitar que suas atividades sejam registradas ou controladas em público, dizem especialistas jurídicos. Mas Chris Conley, advogado da filial californiana da American Civil Liberties Union, uma entidade de defesa das liberdades civis, diz que “não consegue pensar em nada que o Google Glass possa fazer que realmente se torne uma questão legal”, a não ser, talvez, se alguém criar um aplicativo para “ver” embaixo de nossas roupas, algo semelhante aos escâneres de passageiros dos aeroportos americanos.
******
Amir Efrati e Geoffrey A. Fowler, do Wall Street Journal